O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional a atual legislação que permite que empresas doem para campanhas políticas. Atualmente, essa é a principal fonte de financiamento das disputas eleitorais no país. Seus críticos acreditam que as doações de empresas desequilibram as eleições e abrem espaço para a corrupção.
O processo foi encerrado nesta quinta-feira após ter ficado um ano e cinco meses parado, devido a um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. O placar do julgamento ficou em 8 x 3 contra as doações de empresas.
Atualmente, 40 países no mundo já proíbem que as companhias financiem as disputas eleitorais (leia mais abaixo).
Segundo o presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, a decisão já "valerá para as eleições de 2016 e 2018".
Na prática, porém, isso dependerá de a presidente Dilma Rousseff decidir vetar uma nova lei aprovada na semana passada pelo Congresso, prevendo que empresas possam doar até R$ 20 milhões para partidos. Dilma tem até o dia 30 para decidir e há grande expectativa de que, amparada pela atual decisão do STF, ela vete o artigo que trata do tema.
"É improvável que ela não vete. Um veto pode se dar por razões políticas, quando a presidente considera que a lei não é boa para o país. Ou pode se dar por razões constitucionais. E, nesse caso, nada melhor que oito ministros do Supremo terem dito que empresas não devem poder doar", acredita o professor de direito da FGV-Rio Diego Werneck.
Caso a presidente não decida vetar o artigo da nova lei, teria de haver um novo julgamento do STF para avaliar o assunto. Alguns ministros, como Rosa Weber e Luís Roberto Barroso, sinalizaram em seus votos que poderiam decidir a favor de outra lei sobre o tema, caso ela criasse limites mais restritos para esse tipo de financiamento - como a proibição de que uma empresa possa doar para vários políticos ao mesmo tempo. Essa restrição, no entanto, não foi feita na nova lei.
"Parece mais provável que um novo julgamento teria o mesmo resultado de considerar a lei inconstitucional", nota o professor da FGV.
PEC
Além do debate em torno da lei aprovada na semana passada, também existe a possibilidade de que o Congresso incluia na Constituição a permissão de doações de empresas a partidos políticos. Essa Proposta de Emenda Constitucional (PEC) foi aprovada na Câmara, mas ainda não foi analisada no Senado.
Caso a Constituição seja alterada, o STF teria que voltar a analisar o caso para decidir se o novo artigo introduzido pela PEC fere alguma cláusula pétrea – trechos da Constituição que estabelecem alguns princípios fundamentais da democracia brasileira e que não podem ser alterados pelo Congresso.
"Se a PEC for aprovada, é inevitável que Supremo volte a debater o tema, pois a questão da cláusula pétrea não era objeto do julgamento de hoje", afirma Werneck.
O julgamento encerrado nesta quinta teve início em 2013 quando a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) moveu uma ação questionando trechos da Lei das Eleições (Lei 9.504/1997) e da Lei dos Partidos Políticos (9.096/1995). A instituição argumentou que a atuação das empresas desequilibra a disputa eleitoral, ferindo os direitos constitucionais a isonomia e igualdade.
Votaram em favor da OAB os ministros Luiz Fux (relator do caso), Rosa Weber, Cármen Lúcia, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Joaquim Barbosa (antes de se aposentar).
O ministro Luís Roberto Barroso também votou pela inconstitucionalidade da legislação atual, mas considerou em sua decisão que o Congresso tem prerrogativa de definir se as empresas podem ou não participar do processo eleitoral, desde que imponha restrições que inibam abusos e corrupção.
Já os ministros Teori Zavascki, Gilmar Mendes e Celso de Mello votaram pela manutenção do financiamento privado. Eles argumentaram que o problema não eram as doações de empresas, mas a falta de regras que evitassem abusos.
Denúncias
O debate sobre a necessidade de mudar o modelo de financiamento de campanhas no Brasil voltou a ganhar fôlego neste ano em meio às denúncias de que propinas cobradas em contratos da Petrobras acabavam irrigando partidos políticos e candidatos como doações oficiais de campanha.
A crescente preocupação com o assunto, porém, não é exclusividade do Brasil. Um monitoramento internacional sobre financiamentos de campanha em 180 países, realizado há quinze anos pelo Instituto Internacional pela Democracia e Assistência Eleitoral (Idea, na sigla em inglês), indica uma tendência mundial de aumento - ainda que lento - da restrição a doações empresariais.
A proposta de eliminar ou reduzir drasticamente o financiamento de campanhas por empresas não busca apenas atacar o problema da corrupção, observa o diretor da área de Partidos Políticos do Idea, Sam van der Staak. O princípio central que norteia essas medidas é a preocupação com a influência desproporcional que as empresas teriam sobre o Estado por causa dos volumosos recursos destinados a eleger políticos, seja no Executivo ou no Legislativo.
"Em todo o mundo, a política se tornou um negócio caro, em tal magnitude que o dinheiro é hoje uma das maiores ameaças à democracia", afirma um relatório de janeiro do instituto.
Segundo Staak, o número de países que baniu completamente o financiamento por empresas cresceu levemente nos últimos 15 anos. Já a criação de limites para as doações "tem sido discutida de forma mais ativa em muitos países", nota ele, em entrevista concedida em maio à BBC Brasil.
Os números oficiais mostram que as empresas são hoje as principais financiadoras da disputa eleitoral no Brasil. Nas últimas eleições, partidos e candidatos arrecadaram cerca de R$ 5 bilhões de doações privadas, quase na sua totalidade feitas por empresas. Além disso, receberam no ano passado R$ 308 milhões de recursos públicos por meio do Fundo Partidário, enquanto o tempo "gratuito" de televisão custou R$ 840 milhões aos cofres da União por meio de isenção fiscal para os canais de TV.
Pelo mundo
O banco de dados do Idea - organização intergovernamental que hoje tem status de observadora na ONU - revela que 39 países proíbem doações de empresas para candidatos, como México, Canadá, Paraguai, Peru, Colômbia, Costa Rica, Portugal, França, Polônia, Ucrânia e Egito.
Outros 126 países permitem o financiamento de candidatos por empresas, como Brasil, Reino Unido, Itália, Alemanha, Noruega, Argentina, Chile, Venezuela e praticamente toda a África e a Ásia.
A proibição formal, porém, nem sempre impede que o capital corporativo encontre outras formas de influenciar o jogo político, nota Staak. Os Estados Unidos, por exemplo, proíbem doações diretas de empresas, mas como elas são autorizadas a fazer suas próprias campanhas a favor e contra candidatos, na prática os efeitos da restrição são nulos.
Tampouco a corrupção desaparece de uma hora para outra. Um relatório do instituto aponta que o número de infrações detectadas em doações políticas em Portugal cresceu fortemente desde o ano 2000, quando o país proibiu o financiamento empresas.
Em parte, isso é reflexo da fiscalização mais dura que também foi implementada no período, nota o documento. Mas, por outro lado, também observou-se o desenvolvimento de práticas para burlar as restrições às doações privadas, como lista de doadores fantasmas.
"A corrupção tem muito a ver com as atitudes culturais. As reformas devem, ter o objetivo de tornar mais difícil as doações irregulares e ficar sempre um passo à frente dessas práticas", afirma Staak.