Melanina é o racismo na cor da sua pele

12 ago 2023 - 06h10
Foto: Nathan Dumlao / Unsplash

Salve, salve!!! Salve-se quem puder.

A melanina é uma proteína responsável por garantir coloração à pele, cabelos e outros pelos no corpo, mas tem outras funções. Nos tecidos, a melanina também tem a responsabilidade de proteger a pele da ação prejudicial dos raios UV, mantendo o DNA intacto dentro das células.

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Essa cor da pele que causa tantos problemas e sofrimento em milhões de pessoas deveria em tese apenas proteger nosso DNA. O homo sapiens é raça única. Somos todos iguais!!!

Por que diabos a cor da pele define se alguém é bom ou ruim? Cidadão de bem ou bandido? Rico ou pobre? Cristao, judeu, budista, ortodoxo, evangélico, mulcumano ou ateu?

Pra entender por que ser anti racista é cada vez mais necessário, aperte o play e ouça as pérolas da trilha sonora do documentário “Summer of Soul” do qual escrevo mais abaixo. Só tem hit!

Fogo nos racistas!!!

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Ninguém nasce sabendo amar e muito menos odiar

Vivo na Europa desde junho de 2004. Nunca fui vítima de racismo ou me senti discriminado.

Não sou branquelo ou galego. Tenho a pele morena, mas longe de ser mulato. Meu avô materno, também Pedro, tinha um pé nas ocas e outro nos quilombos. Era uma mistura de negro com índio.

Minha avô materna era branquinha de olhos azuis. Parecia uma matrona alemã, rígida e poderosa, mas era um doce. Do lado paterno, meu avô viveu apenas em fotografias já que partiu quando meu pai tinha apenas 6 anos. Minha avó era branca também, de origens portuguesas. Dessa bela mistura saiu este escriba.

A escravidão é sentida até hoje, em maior ou menor grau, em países como o Brasil onde os negros são quase a metade da população. Hoje em dia acho que nem pode mais falar “negro”. Tem que ser “preto”, que pra mim é muito mais pejorativo.

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Os EUA tem apenas 14% de negros convivendo com brancos, hispânicos, asiáticos e europeus, entre outros. Apesar de serem minoria, lá o couro canta quando um deles é assassinato covardemente por policiais brancos. Os Panteras Negras lutaram bastante pelos direitos civis. Martin Luther King Jr. e Malcolm X foram assassinados pela CIA por serem, digamos subversivos, aos interesses da White America.

Em Pindorama a chacina diária dos negros é muito pior. Enquanto um preto é preso por portar dois baseados e fica mofando dias na cadeia, os brancos deitam e rolam cheirando o mundo, matando suas parceiras, sonegando impostos, traficando drogas e fazendo falcatruas diversas. E tá tudo certo.

É fato que a polícia mata mais a turma com mais melanina na pele. Só no Rio 80% dos mortos pelas autoridades sao negros. Um negro é morto a cada quatro horas. Assustador!

Racismo é uma das coisas mais abomináveis que o homem inventou. Sim, inventou! Uma criança não nasce achando que um negro é inferior, bandido e pobre. Aprende isso ouvindo os pais e observando seus comportamentos, vendo os exemplos de amigos e colegas na escola, assistindo noticiário com viés branco nas TVs, ouvindo as conversas da família nos almoços de domingo.

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A grande verdade é que aceitar o outro como ele é está cada vez mais difícil. Todo mundo é cagador de regra, tem opinião sobre tudo, não aceita ser contrariado e se acha o dono da verdade. Quando pede pra ser respeitado, se esquece que cinco minutos atrás desrespeitou ou destratou alguém e tá tudo certo.

Nunca tive problemas com a cor da minha pele e com os pretos, pelo contrário. Sempre fiz questão de tratar melhor as pessoas mais humildes, ouvir, dar atenção. Trato um porteiro e um garçom melhor do que trato uma madamete metida a besta ou um coroa arrogante e reaça com seu iPhone último tipo.

Os negros tem uma energia diferente. Ver uma mulata sambar é uma das coisas mais belas deste mundo. O gingado, a malemolência, a malícia do negro que canta, dança e nos encanta é única.

Agora tente imaginar o mundo sem os negros?

Sem Pelé, Miles Davis, Louis Armstrong, Nina Simone, Milton Nascimento, Machado de Assis, Muhammad Ali, Mike Tyson, Martin Luther King Jr., Malcolm X, Maya Angelou, Angela Davis, Tina Turner, Quincy Jones, John Coltrane, James Baldwin, Ella Fitzgerald, B. B. King, Michael Jackson, Jimi Hendrix, Stevie Wonder, Ray Charles, Little Richard, Charlie Parker, James Brown, Aretha Franklin, Robert Johnson, Paulinho da Viola, Cartola, Pixinguinha, Grande Otelo, Jean Michel Basquiat, Sidney Poitier, Billie Holiday, Leônidas da Silva, Usain Bolt e tantos, mas tantos outros!!!

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Seríamos muito mais pobres e ignorantes.

Pra ver, rever, ouvir e ler

FILME: Summer of Soul (2021) - Questlove. Quando a revolução não pôde ser televisionada.

Em 1969 o mais famoso festival da história aconteceu em Woodstock, numa fazenda próxima a New York. Todos já viram e ouviram fartamente tudo o que aconteceu ali.

No mesmo ano e não muito distante dali aconteceu o Harlem Cultural Festival no Mount Morris Park no famoso bairro nova-iorquino. Durante seis semanas, a fina flor da música negra se exibiu aos seus pares numa celebração de liberdade, arte e esperança por dias melhores.

Brigas ou distúrbios passaram longe e a prefeitura da cidade, representada pelo prefeito e sósia do Paul Newman, loiro, alto e falante, apoiou tudo desde o início.

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O line up é de cair o queixo: Stevie Wonder, que abre com um solo de bateria já valendo o ingresso, Sly & the Family Stone, Nina Simone, Chambers Brothers, Mahalia Jackson e vários ícones da black music, R&B e soul.

Tony Lawrence, organizador do festival, contratou o produtor de TV Hal Tulchin pra filmar tudo. Como a verba era escassa e não havia grana suficiente para iluminação, o festival ocorreu durante o dia com o palco voltado para o pôr do sol para usar o máximo possível de luz natural.

As fitas ficaram guardadas por 50 anos num porão e nunca haviam sido mostradas ao público. Hal tentou durante anos vender o material pras TVs, mas ninguém se interessou. Somente parte do show da Nina Simone foi usado em documentários sobre a cantora.

Até que em 2004 um arquivista do Historic Films Archive, Joe Lauro, descobriu a existência das gravações e ligou para Mr Tulchin. O resultado é arte em estado puro, música da melhor qualidade feita por artistas únicos.

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O documentário já ganhou vários prêmios, inclusive Sundance no ano passado.

FILME: Marighella (2019) – Wagner Moura. A resistência kamikaze contra a ditadura.

A luta dos grupos revolucionários durante a Ditadura (1964-85) foi inglória e muitas vezes inconsequente. Carlos Marighella foi seu maior expoente. Tentava mostrar aos brasileiros o jugo e dominação dos EUA após o golpe de 64 e durante os anos de chumbo.

Fundador da Ação Libertadora Nacional (ALN), principal representante da luta armada contra a ditadura, Marighella sempre assumiu lados opostos: idolatrado como herói pela esquerda e ao mesmo tempo condenado pela direita pelos atos terroristas contra o governo.

O diretor Wagner Moura pensou o filme para o cinema. Escolheu Seu Jorge como ator, de pele mais escura, portanto maior quantidade de melanina, do que o mulato filho de pai branco e imigrante italiano e mãe baiana, negra e filha de escravos, Carlos Mariguella. Quis que a negritude do ator abarcasse todos os negros do Brasil, inclusive os mulatos e pardos, nesta luta eterna contra todas as injustiças, representado no filme pelos militares.

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O filme é baseado na biografia de Marighella escrita pelo jornalista Mário Magalhães e veio cheio de polêmicas mesmo antes de estrear nos cinemas devido a censura da Ancine, gracas à clara influência do ex-governo.

É um filme violento mostrando várias técnicas de tortura, mas de fotografia e edição primorosas. Necessário para entender a história do Brasil, do golpe, as guerrilhas e a luta de um revolucionário contra a repressão militar, a censura e o racismo.

PODCAST: Mano a Mano – um papo reto com Mano Brown

Mano Brown é a voz do rap da periferia de São Paulo e líder dos Racionais. O icônico e sempre atual “Sobrevivendo no Inferno” é aclamado como um dos melhores discos da música brasileira de todos os tempos.

O que ninguém sabia é do talento de Brown para entrevistar. Seus amigos dizem que ele sempre foi um ótimo contador de histórias. Durante o auge da pandemia surgiu a ideia de fazer um podcast. Primeiro para não enlouquecer e depois para se manter ativo e relevante.

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As conversas fluem bem, Brown é irônico, faz as perguntas certas, deixa o entrevistado falar à vontade e bota pressão quando necessário.

Nomes de peso já passaram por lá: Dráuzio Varella, Lula, Vanderlei Luxemburgo, Wagner Moura e até mesmo Glória Maria, a lendária jornalista do Fantástico.

Mano Brown foi a primeira escolha de Wagner Moura para fazer o Marighella. Seria sua primeira participação como ator principal em um filme. O tom de pele era perfeito, igual ao do revolucionário. Devido a problemas com a agenda de shows e falta de tempo para se dedicar à arte de atuar, e talvez receio em não fazer bem o papel, Brown preferiu pular fora do projeto.

O link pra acessar o podcast é este aqui

LIVRO: Abusado de Caco Barcellos (2003). Um thriller policial impossível de largar.

Comecei a ler e não consigo mais parar. Incrível a capacidade do jornalista Caco Barcellos de prender o leitor. Os personagens são jovens bandidos, alguns ainda adolescentes, que foram se criando no Morro Dona Marta em Botafogo no Rio de Janeiro. É a história do Marcinho VP, o temido chefe do tráfico e líder do Comando Vermelho.

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A história de Juliano VP, na verdade Marcinho, é contada de dentro. Um livro-reportagem que sobe o morro, descreve em minúcias os detalhes e o dia a dia dos bandidos e tenta explicar por que a maioria descamba para o crime. No caso de Juliano, o pai batia na mãe, nele e nos irmãos quando bebia. Cena mais do que comum, piorada com a situação de extrema pobreza e fome.

A criança cresce desprotegida, num ambiente em frangalhos sem se sentir amada. Fica com raiva do mundo e desconta da sua maneira. Daí para o submundo das drogas é um pulo.

A guerra contra o tráfico é uma batalha perdida. Como já mostrado no filme “Cidade de Deus”, quando a polícia mata os chefes no comando, outra geração mais jovem, menos experiente e na maioria das vezes mais violenta, toma o controle. O ciclo se repete às custas de mortes dos dois lados, dinheiro público e vítimas civis. A sociedade não espera mais nenhuma solução.

Enquanto os brancos apenas sobrevivem e rezam pra não morrer de bala perdida, durante um assalto ou perseguição, os negros tentam fugir dessa limpeza étnica travestida de combate às drogas. Triste e ineficaz.

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A solução? Legalizar as drogas, óbvio. Vender maconha, cocaína, crack, heroína, haxixe, etc. nas drogarias. Produzidas por empresas certificadas, controle de qualidade, lista de ingredientes, percentual de cada substância, bula com efeitos ao usar e colaterais e controle dos usuários. O dinheiro usado pra comprar armas e proteção acabaria. Só assim pra quebrar a espinha dorsal do crime organizado.

Já não é assim com bebidas e cigarro? Já foram ilegais e todos sabemos no que deu.

Imaginem a montanha de impostos arrecadados? Uma grande parte seria destinada à urbanização das favelas. Segurança, educação, saneamento básico, água encanada, luz, telefone, TV a cabo, internet, pavimentação, infraestrutura básica para se viver minimamente bem.

Só assim para mudar a triste realidade dessas milhões de pessoas que convivem com armamentos militares, criminosos terríveis, uma polícia cada vez mais covarde e desacreditada, na verdade acuada, pois mais se defende do que protege o cidadão.

Com educação, essas milhares de crianças terão um futuro digno. O resto é consequência. Parece utopia, mas sonhar é de graça.

O próprio Dr. Drauzio Varella diz no podcast com o Brown: "A hora que você conseguir dar escola de qualidade para todos, o Brasil vai virar um grande país. Uma hora o Brasil vai ter que dizer 'basta'".

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(*) Pedro Silva é engenheiro mecânico, PhD em Materiais, vive em Viena na Áustria, é anti racista, a favor da legalização das drogas e escreve semanalmente a newsletter Alea Iacta Est.

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