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Trabalho no Brasil: alta recorde, menos carteira assinada

22 jan 2025 - 16h11
(atualizado às 17h02)

Percentual de quem quer trabalhar, mas não consegue, é o menor desde o início da série histórica do IBGE. O que está por trás desse fenômeno?Há muito tempo a taxa de desempregados no Brasil não esteve tão baixa. O percentual chegou a 6,1% no trimestre encerrado em novembro de 2024s, o menor da série histórica da pesquisa realizada pelo IBGE, a Pnad Contínua, iniciada em 2012.

Uma comparação com taxas de desemprego mais antigas, apuradas pelo IBGE com outra metodologia, indica que desde o começo da década de 1990 ela não foi tão reduzida como agora, segundo um estudo publicado pelo FGV Ibre.

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O número de brasileiros ocupados também está no patamar mais alto da série. São 103,9 milhões nessa situação, cerca de 21 milhões a mais do que em agosto de 2020, durante a pandemia, quanto muitos foram forçados a deixar de lado suas atividades remuneradas.

Os dados abrangem diferentes tipos de trabalho, incluindo com carteira assinada, sem carteira assinada, por conta própria, trabalhadores informais e trabalhadores domésticos. A taxa de desemprego é o percentual de indivíduos com mais de 14 anos que não estão trabalhando, mas disponíveis e tentando encontrar uma ocupação remunerada.

O que está por trás desse desempenho do mercado de trabalho brasileiro? E houve mudanças estruturais recentes? A DW conversou sobre o tema com Daniel Duque, pesquisador de economia aplicada do FGV Ibre, e o economista Lucas Assis, da Tendências Consultoria.

Após dois picos, queda consistente

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Uma análise da evolução da taxa de desemprego, medida pela Pnad Contínua desde 2012, coloca em perspectiva o momento do mercado de trabalho.

A série registra dois períodos em que a taxa de desemprego disparou. O primeiro começa no início de 2015 e dura dois anos, quando o Brasil atravessava a recessão que marcou o final do governo Dilma Rousseff. No trimestre encerrado em março de 2017, a taxa de desemprego chegou a 13,9%.

O segundo momento da piora do desemprego coincide com a pandemia e os períodos de lockdown anteriores à vacinação, começando no início de 2020 e durando cerca de um ano.

No trimestre encerrado em março de 2021, o desemprego bateu em 14,9%. Depois começou a cair, atingiu 7,9% no trimestre encerrado em dezembro de 2022, último sob o governo Bolsonaro, e agora está no piso de 6,1% - mais baixo do que no período antes da pandemia.

A comparação com séries históricas anteriores não é totalmente precisa, devido a mudanças de metodologia, mas um estudo publicado pelo FGV Ibre aponta que a última vez em que a taxa esteve em torno de 6% foi em 1991.

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Remuneração no patamar de 2020

Com o aumento do nível de emprego, cresceu também o rendimento médio do trabalhador. No trimestre encerrado em novembro de 2024, foi de R$ 3.285, próximo do recorde anterior do trimestre encerrado em julho de 2020, de R$ 3.307, ajustado pela inflação.

A alta do rendimento é um fenômeno esperado quando o mercado de trabalho está aquecido, pois os trabalhadores conseguem demandar melhores salários.

"Passamos por um momento bastante duro em termos de salário, até a primeira metade de 2022, pois principalmente não havia reajuste. As empresas ainda estavam se ajustando após a pandemia e a inflação estava bastante alta", afirma Daniel Duque. "Demorou, mas agora os trabalhadores estão em média no mesmo patamar de cinco anos atrás."

Além da alta do rendimento médio, houve uma mudança na distribuição dos rendimentos entre a população, diz o pesquisador do FGV Ibre. Os que mais aumentaram proporcionalmente foram os das faixas mais baixas, o que reduziu um pouco a desigualdade de rendimentos.

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Uma política pública que explicaria em parte esse fenômeno é a expansão do Bolsa Família. Quando a transferência de renda aumenta, sobe também o chamado salário de reserva dos trabalhadores mais vulneráveis. "Funciona assim: posso ir para o mercado de trabalhou ou depender do meu salário de reserva, que é a renda do não trabalho para os vulneráveis. Se o salário de reserva aumenta, o salário no mercado de trabalho tem que aumentar também, para bater o salário de reserva", diz Duque.

Outra variável é a política de valorização do salário-mínimo, que vincula os reajustes ao desempenho da economia e à variação da inflação, afirma Lucas Assis. "O salário-mínimo, além de ser um balizador para o rendimento dos trabalhadores formais, é também um direcionador para as negociações salariais dos informais."

Menos carteira assinada

Nesse período, também houve mudanças no perfil dos cidadãos ocupados no Brasil. Um fenômeno importante é a queda do percentual dos trabalhadores com carteira assinada e o aumento daqueles sem carteira assinada.

Em meados de 2014, 44,4% dos ocupados tinham um emprego com carteira assinada no setor privado, no setor público ou como trabalhador doméstico. Outros 43,3% trabalhavam sem carteira assinada ou proteção estatutária, no setor privado, no setor público, como trabalhador doméstico, por conta própria ou como trabalhador familiar auxiliar.

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A partir desse momento, quando começam a se agravar os problemas econômicos no final do governo Dilma, há uma queda consistente do percentual dos portadores de carteira assinada, que nunca recuperou completamente o patamar anterior.

Uma exceção ocorreu em meados de 2020, durante os lockdowns da pandemia, quando a tendência se inverteu temporariamente: nessa época, quem tinha um trabalho registrado apresentava mais chances de mantê-lo do que quem era informal ou trabalhava por conta própria.

Desde o início de 2022, houve uma pequena alta dos empregos com carteira assinada, mas distante do nível da década anterior. No trimestre encerrado em setembro de 2024, 40,6% dos ocupados tinham carteira assinada, enquanto 47,5% trabalhavam sem carteira.

"A partir de 2022, vemos uma trajetória de estabilidade nos ocupados informais e uma trajetória de alta no emprego com carteira assinada. Mas, tendo em vista que já estamos num nível muito baixo de desemprego, é difícil imaginar que haverá uma continuidade da expansão de vagas com carteira assinada. Não vai chegar no nível de 2014, pelo menos em um momento próximo", afirma Duque.

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Ele afirma que alguns processos estruturais contribuíram para essa tendência, como a migração de trabalhadores que tinham carteira assinada para o status de pessoas jurídicas que prestam serviços, a chamada pejotização. "Isso já aconteceu muito, agora é um cenário não de reversão, mas de arrefecimento".

Entre os motivos para essa migração, um forte incentivo é a menor tributação, aponta Duque. "Em geral, o emprego com carteira é mais tributado do que o emprego por PJ. Claro que também tem mais flexibilidade, mas o que mais explica essa expansão é a menor carga tributária."

Quanto à recente trajetória de ampliação dos trabalhadores com carteira, Assis avalia que também seja associada ao aquecimento da atividade econômica e à criação de vagas de melhor qualidade.

Por que o desemprego caiu?

O principal fator que tem levado à criação de empregos é a expansão da economia. O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil deve crescer cerca de 3% em 2024, após 2,9% em 2023. Em 2025, o Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que o país crescerá mais 3%.

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É um bom desempenho, considerado a conjuntura econômica mundial. No terceiro trimestre de 2024, o Brasil cresceu no mesmo patamar que a China, e à frente da maioria das economias do G20. No período mais recente, são os serviços e a indústria que têm puxado esse avanço, enquanto o agronegócio está recuando.

Mais cidadãos trabalhando, com melhores rendimentos, acaba revertendo em maior consumo das famílias, que por sua vez incentiva a economia - e pode pressionar a inflação.

"A economia está num ritmo melhor do que no pré-pandemia. Antes estávamos crescendo em torno de 1,5%, bastante baixo e sem tanto efeito no mercado de trabalho. No pós-pandemia começamos a crescer melhor", diz Duque. "E o crescimento está mais espalhado. No pré-pandemia era muito serviços e agricultura, e agora vemos uma indústria mais forte."

Ele lembra que tem havido aumento de gastos do governo, tanto no fim do governo Bolsonaro, principalmente por transferências de renda, como no governo Lula, que, além das transferências, tem feito "alguns investimentos públicos". "Isso também ajuda a gerar um cenário de demanda aquecida. Não à toa, a inflação começou a subir mais. Não que esteja fora de controle, mas passou da meta."

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Duque menciona ainda que algumas pesquisas mostraram que a reforma trabalhista e outras alterações em normas sobre o mercado de trabalho também teriam contribuído para o aumento de emprego, ao reduzir a "taxa de desemprego natural" - um patamar abaixo do qual mais emprego gera pressão inflacionária. "Há estudos que estimam que essa taxa era ao entorno de 7,5% e 8% antes da pandemia, e agora caiu para cerca de 6,5%."

O que vai acontecer daqui para frente?

No curto prazo, Assis projeta uma desaceleração da alta dos rendimentos e da queda do desemprego, sob impacto da alta dos juros, mas não vê mudanças bruscas no mercado de trabalho no horizonte: "A taxa de ocupação deve acompanhar o menor ritmo de crescimento econômico, mas devemos seguir em patamares reduzidos."

Quanto ao rendimento médio, um desafio é a inflação em alta, que pode acabar corroendo os ganhos reais. Por fim, o especialista lembra que a economia aquecida deixa mais evidentes alguns conhecidos gargalos para o crescimento sustentado, como a baixa produtividade.

A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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