Parte do prejuízo poderia ter sido prevenido se houvesse mais recursos para prevenção e comitês para planejamento relacionados a eventos climáticos e desastres ambientais.
Qual é o custo de um desastre como o que deixa o Rio Grande do Sul debaixo d'água há mais de uma semana? Os governos federal e estadual já estão alocando recursos para reconstruir as cidades afetadas pelas enchentes. E de onde saem os números que direcionam esse repasse?
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Especialistas explicam que ainda não é possível chegar a um valor concreto dos danos nos municípios. Pelo menos enquanto a água não tiver escoado por completo, a dimensão do que foi perdido poderá apenas ser estimada. E é assim que o envio de recursos tem sido feito.
"É como se partisse do zero. Onde essas pessoas vão morar? Então, você vai ter dinheiro da habitação, vai ter dinheiro do transporte, de saneamento, em saúde, em educação, porque escolas, infraestruturas todas foram perdidas. E são várias cidades. É mais de 80% do Estado que está sofrendo. Então, esse redimensionamento, eu acredito que nós ainda não temos noção", afirma a professora Fabrícia Silva da Rosa, chefe do departamento de Ciências Contábeis da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Há casos em que as contas são feitas de forma mais concreta. Por exemplo, o governo do Rio Grande do Sul anunciou a destinação de R$ 118 milhões para reconstrução de estradas no Estado. A esitmativa é mais próxima do real porque dá para calcular por quilômetros e contabilizar quantas estradas foram perdidas.
O professor Cláudio Soares, da Escola de Negócios da Faculdade de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul (FADERGS), complementa que as estimativas, com base em situações anteriores vividas no Estado, servem e continuarão servindo de base para calcular o prejuízo causado pelas enchentes.
"Ou seja, na situação tal, o desembolsado foi tanto, e aí estima-se que atingiu mais pessoas, então vai dar tanto. É mais ou menos nesta situação em que se estabelece o custo do dano causado. E depois, se tiver toda uma necessidade em termos de investimentos, eles serão de curto prazo ou longo prazo", afirma o professor.
O prejuízo era evitável?
Doutor em Desenvolvimento Regional, Cláudio Soares acompanhou de seu apartamento, um local seguro, os efeitos das enchentes em Porto Alegre. Ele ficou sem luz, água e internet, mas não perdeu bens por causa das fortes chuvas. Para ele, é evidente que parte da catástrofe poderia ter sido evitada.
"Nos últimos 12 meses, esse é o terceiro evento climático de proporção fora dos padrões. E a gente sabe que existe a necessidade do governo dispor de recursos orçamentários para prevenir desastres ambientais", afirma.
Soares diz, porém, que analisou dados do Ministério do Planejamento e viu que o envio de verbas para prevenção de desastres ambientais em 2024 foi de R$ 1,9 bilhão, enquanto que em 2014 esse valor foi R$ 4,3 bilhões.
"Com o passar dos anos, os eventos climáticos vão aumentando e os recursos destinados para a prevenção vão reduzindo?", questiona.
Além do pouco orçamento, Soares considera que a falta de um comitê voltado para a prevenção de desastres climáticos gera a desorganização percebida.
"É inadmissível a gente, em setembro, ter um desastre, as pessoas estão se recuperando, aí vem outro em cima, e agora, em maio outro novamente, e as pessoas começarem a se debater, entre aspas, no sentido de tentar encontrar uma solução. E essa solução, a princípio, já deveria ter sido estudada, pensada, determinada, para justamente poder agir em tempo recorde", enfatiza.
A professora Fabrícia Rosa, que atua na área de contabilidade gerencial ambiental, dá como exemplo algumas medidas que conhece que foram adotadas em seu estado, Santa Catarina, e que poderiam ser interessantes de serem analisadas pelo vizinho Rio Grande do Sul. Por exemplo:
- Sistema de urbanização;
- Controle ambiental da mata ciliar de rios;
- Assoreamento de rios
"Ou seja, tem várias medidas de prevenção que devem estar no orçamento, que não é só para quando acontece a emergência", conclui.
Até quando devemos continuar doando?
À medida que as notícias sobre a tragédia no Rio Grande do Sul se tornavam mais frequentes, um fenômeno começou a surgir nas redes sociais: mobilizações individuais e descentralizadas de doações para o Estado. Por não serem unificadas, será ainda mais difícil entender a que dimensão monetária as doações chegaram e qual foi a destinação dada a elas.
Segundo os especialistas, este é mais um problema que poderia ser suprido se houvesse organização prévia do Estado.
"Cada entidade está fazendo a sua ajuda de forma deliberada, sem nenhuma coordenação. Cada um faz do seu modo. E se eu tenho uma gestão que centralize, se torna bem mais prático. Eu tenho visto grupos de WhatsApp: 'Olha, determinada entidade está com um salão aguardando o pessoal que foi resgatado, mas não está aparecendo ninguém. Divulguem'. Todo mundo querendo fazer e, de repente, a gente se perde nesse caminho", afirma Soares.
De volta à questão inicial do texto, por ainda não ser possível determinar o valor total do estrago, também não é possível inferir um teto para as doações. Sem unidade, não dá para definir quando as arrecadações devem chegar ao fim.
Quanto às doações que foram enviadas para o governo federal, estado e municípios, Fabrícia Rosa espera que seja possível acompanhar o destino que foi dado a elas, por meio do Portal da Transparência.
"Isso é muito difícil a gente acompanhar no Brasil, eu reconheço. A gente não tem muito hábito de acompanhar doações. Eu acho que é um desafio. Não sei como vai ser essa, porque é uma dimensão muito grande. Mas pelo menos o governo do estado do Rio Grande do Sul, o importante é acompanhar através dos portais. E fazendo essa pergunta diretamente à Secretaria de Finanças, porque é o próprio governo que está arrecadando e gerenciando", acrescenta.
Nesta quarta-feira, 8, o Ministério do Planejamento e Orçamento anunciou que vai criar um identificador para dar transparência e especificar as despesas que serão direcionadas à calamidade pública no Rio Grande do Sul.
As ações orçamentárias que constarão dos créditos extraordinários serão diferenciadas do Orçamento normal, a partir do localizador de gasto que será, exclusivamente, no Estado do RS e acompanhado de um código e um nome padronizado, conforme explicou o subsecretário de Programas de Infraestrutura da SOF, Zarak Ferreira.