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'Vamos esperar tempo que for necessário': os argentinos que apoiam 'terapia de choque' de Milei durante crise

As medidas radicais do novo governo argentino para reformar a economia são amadas por alguns apoiadores, mesmo diante do aumento da inflação. Mas também há quem as odeie.

16 fev 2024 - 08h32
Membros do grupo Pibes Libertarios mostram uma bandeira de Gadsden, símbolo do libertarianismo
Membros do grupo Pibes Libertarios mostram uma bandeira de Gadsden, símbolo do libertarianismo
Foto: BBC News Brasil

Existe uma coisa que une aqueles que amam e odeiam o novo presidente da Argentina, Javier Milei: os dois lados o descrevem como "louco".

"A maioria das pessoas o chama assim. Acho que é bom", diz Axel Uhrig, de 21 anos.

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Axel faz parte dos "Pibes Libertarios" ("rapazes libertários", em tradução livre) — um grupo que se autodenomina "militante" cujo campo de batalha são as redes sociais.

Eles colam cartazes em Buenos Aires à noite com códigos QR remetendo a links para vídeos de apoio às políticas de Milei.

O novo presidente está tentando aprovar um pacote de reformas para encolher o Estado, mas está batalhando para aprová-lo no Congresso, onde não tem maioria.

Javier Milei pode ter vencido as eleições em novembro com 56% dos votos, mas os Pibes Libertarios ainda sentem que estão travando uma batalha para que as amplas reformas do presidente sejam transformadas em lei.

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Javier Milei mostrou uma motosserra em um de seus comícios para simbolizar seus planos de cortar gastos públicos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Depois de uma série de governos argentinos terem introduzido a estatização generalizada, programas sociais, preços subsidiados, leis trabalhistas e sindicatos poderosos, Axel sente que Milei deu aos que se situam na direita do espectro político uma "identidade", a libertária.

Ele faz questão de sublinhar que sua posição política é diferente da dos "liberais" no Ocidente que são "progressistas"; pessoas como ele apoiam a "libertação do Estado".

Axel está satisfeito por o presidente ter sido "louco o suficiente" para desafiar o status quo com uma abordagem diferente na economia.

Ele acrescenta que "não via futuro neste lugar" antes de Milei ser eleito e diz que seus dois melhores amigos deixaram a Argentina em busca de uma vida melhor nos EUA e na Espanha — uma tendência que é amplamente comentada aqui.

Medidas de choque

A abordagem radicalmente diferente de Milei na economia é a razão pela qual muitos votaram nele num país onde a inflação acentuada pode ser sentida como o padrão.

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O presidente argentino atribui a inflação vertiginosa do país a anos de altos gastos governamentais, elevada dívida e impressão de dinheiro para pagá-la.

Milei argumenta que são necessárias medidas de "choque" para enfrentar esse cenário.

O governo argumenta que a inflação vai piorar antes de melhorar
Foto: Reuters / BBC News Brasil

O presidente já reduziu o valor da moeda nacional, os gastos públicos e os subsídios para transportes, combustíveis e energia.

Estas medidas, por sua vez, fizeram subir os preços.

Novos números publicados esta semana mostraram que a inflação anual na Argentina atingiu mais de 250%, tornando-se a taxa mais alta do mundo.

O inflação mensal saltou para 25,5% em dezembro, depois que Milei assumiu o poder, embora desde então tenha caído para 20,6%.

Milei disse ao canal de TV La Nación + que o número era "horrível", mas "é preciso ver onde estávamos".

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O governo tem argumentado que, antes de melhorar, a inflação vai piorar.

Sacrifício a curto prazo, ganho a longo prazo?

Muitos argentinos dizem apreciar a honestidade de Milei, afirmando estarem dispostos a aguentar mais períodos sacrificantes se isso levar a uma melhora na economia a longo prazo.

Adriana Ignaszewski, 33 anos, administra uma mercearia no subúrbio empobrecido de El Jagüel.

Ela diz que, no passado, "ninguém dava uma resposta" para a inflação, mas "hoje temos alguém que nos diz como é".

Adriana Ignaszewski atualiza os preços em sua mercearia todo dia
Foto: BBC News Brasil

Os argentinos vão esperar o tempo que for necessário, acrescenta ela.

"Se é a última coisa que temos que passar, vamos passar por isso."

Adriana gosta do foco do presidente em reduzir a inflação para ajudar no custo de vida, em vez da assistência governamental, porque os preços afetam seus negócios e clientes todos os dias.

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Já a irmã dela, Silvia, de 40 anos, tem contado com programas sociais e teme não poder esperar por muito tempo.

Ela mora com a mãe e três dos cinco filhos em uma casa com cômodos pequenos onde "a geladeira está literalmente vazia".

Silvia costura acessórios de cabelo para vender em um mercado e diz que suas vendas caíram mais de 50%.

"Quando as pessoas não podem comprar comida, menos pessoas podem comprar um acessório de cabelo", diz ela.

Silvia diz que as vendas dos acessórios de cabelo que ela faz caíram por causa da inflação
Foto: BBC News Brasil

Silvia conta que fruta e carne são para ela itens de luxo e diz não ter sequer dinheiro para comprar produtos básicos como leite, arroz ou pão.

Ela acredita que os atuais aumentos de preços que os planos de Milei causaram farão com que as pessoas fiquem sem nada.

"As políticas que estão conduzindo matarão as pessoas, os trabalhadores", diz ela.

"Ele é louco."

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Porém, mesmo alguns dos que estão em dificuldades concordam com o recente argumento de Milei no Fórum Econômico Mundial em Davos de que "o Estado não é a solução, o Estado é o próprio problema".

Cristina, uma aposentada que vende roupas velhas para ter uma renda extra diz que não consegue arcar com os custos de vida com a sua pensão. Ela culpa os governos anteriores por acostumarem as pessoas a receberem assistência social.

"Eles se acostumaram com os benefícios. Muitos preferem roubar ou ficar em casa e receber benefícios sem trabalhar."

Lorena Giorgio, economista-chefe do centro de análise económica Equilibria, diz que Milei fez um bom trabalho ao explicar às pessoas por que as mudanças são necessárias.

A economista Lorena Giorgio acredita que muitos argentinos estão esperando para ver se as coisas melhoram
Foto: BBC News Brasil

Mas, acrescenta Giorgio, "o problema é que Milei lhes disse que o setor político e os mais ricos eram os que iriam pagar".

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"Isso não está acontecendo."

Ela prevê que as pessoas podem estar dispostas a esperar seis ou sete meses enquanto as coisas ficam mais difíceis.

Mas ela argumenta que, se a inflação continuar elevada e os salários e as pensões não acompanharem, poderá haver "problemas sociais" até ao Natal.

No passado, crises econômicas aqui levaram a greves, protestos e até à derrubada de presidentes.

Com gente como Silvia se perguntando quanto tempo poderão esperar, perguntei ao porta-voz de Milei, Manuel Adorni, quando é que as pessoas poderiam começar a avaliar se as medidas do presidente estavam funcionando.

Ele não se comprometeu com prazo, mas disse que em um "curto período" o governo começará a "mostrar resultados nesse combate à inflação".

A Argentina durante muitos anos "varreu o lixo para debaixo do tapete", acrescentou, "e decidimos retirar o lixo e dizer sempre a verdade".

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A popularidade de Milei é explicada em parte por um intenso rancor, especialmente dos jovens, pela crise econômica do país — e do que eles consideram ser uma honestidade do novo presidente sobre isso.

Ele tem apostado nos cortes de gastos do Estado, embora já esteja culpando os políticos da oposição — que chama de "a casta" — por não o deixarem cortar tanto quanto deseja.

Polícia fazendo a guarda do Congresso durante um protesto em Buenos Aires em janeiro
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A sua aprovação provavelmente será definida pela rapidez com que consegue apresentar resultados, enquanto o apoio governamental está sendo reduzido e alguns já se sentem no limite.

Num supermercado onde o preço da carne subiu 30% em dois meses, uma mulher, Anabela Acuña, desatou a chorar quando perguntada como está a sua vida neste momento.

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"É muito, muito difícil. Tenho três empregos e não consigo pagar as contas", diz ela.

"Muitas pessoas estão na rua. Isso parte meu coração."

"Tudo muito louco, muito louco."

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