Em Salvador, na Bahia, as sextas-feiras são pintadas majoritariamente por duas cores: branco e amarelo. A primeira está nas vestimentas das pessoas, que, por associação a religiões de matriz africana ou apenas simpatia por uma nova tradição, escolhem usar peças brancas no dia que fecha a semana útil. Já a segunda está nas mesas de todos os restaurantes self service da cidade. Sexta é dia de comida baiana. Sexta é dia de dendê.
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O azeite de dendê serve como base para a moqueca, o acarajé, o vatapá e o abará. O que pouca gente sabe é que o dendezeiro, palmeira de onde vem o dendê, também pode ser explorado para a produção de bebidas, mais especificamente para o chamado “vinho de palma”.
Em território brasileiro, o costume da produção se perdeu não se sabe exatamente quando. No continente africano e em países da Ásia, como na Índia, a bebida continua sendo feita de forma artesanal, principalmente, para celebrações. E, agora, nos Estados Unidos, uma empresa de biotecnologia quer lançar o vinho de palma como produto no mercado norte-americano.
A baiana Mariana Silva foi convidada para ajudar no desafio, mas não exatamente por sua familiaridade com o dendê. “Eu nunca tinha ouvido falar da possibilidade de usar seiva da palmeira, porque, quando eu penso em dendezeiro, sempre estava relacionado ao fruto. Então, nunca tinha pensado nisso”, confessa.
Ela, que é biomédica e mestra em ciências médicas, foi contratada pela Ikenga Wines como “entrepreneur in residence”. O cargo pode ser traduzido como “empresário residente”, e não é tão comum no mercado nacional.
“Tem uma ideia muito parecida com o que é realmente empreender, na vida real, com seu próprio negócio, só que dentro de um outro negócio que não necessariamente é o seu”, explica. No caso, Mariana é contratada por um determinado período para entregar sua expertise e estruturar um negócio que está em formação.
Como é feito o vinho de palma
Apesar de ser originário do dendezeiro, o vinho de palma em nada lembra o gosto das comidas feitas com dendê. A produção da bebida utiliza apenas a seiva da palmeira, que passa por um processo de fermentação até se tornar vinho. A bebida não leva uva.
“As notas originais dele se parecem muito com um vinho frutado, leve, adocicado, e a gente está criando uma coisa um pouco mais inédita, que é colocar algumas borbulhas nele. Uma efervescência, trazer uma versão champanhe que, nesse processo de fermentação original, não é possível”, adianta Mariana.
A outra diferença em relação à produção artesanal é que o vinho de palma da Ikenga terá um tempo de prateleira muito maior do que o feito de forma caseira.
O Palm Wine, na tradução para o inglês e marca adotada pela Ikenga Wines, será comercializado entre US$ 46 a US$ 65 (cerca de R$ 266 a R$ 376), por enquanto sem expectativa de expansão para o Brasil ou outros mercados além do norte-americano.
Com relação a investimento e expectativa de faturamento, Mariana evitou dar muitos detalhes e afirmou que a ideia é começar aos poucos. "Eu acho que como produto premium é isso. A gente basicamente vai sendo boca a boca, quem conhece sabe, a gente não está desesperado pra fazer essa venda acontecer, assim, magicamente. No ano que vem a gente tá planejando um evento de lançamento maior", afirma.
A profissão empreendedora
Para Mariana Silva, ser entrepreneur in residence está sendo a oportunidade para que ela desenvolva habilidades específicas do empreendedorismo. Como biomédica, ela já tinha tentado abrir seu próprio negócio, a Planty Beauty e a Planty Biotech.
A empresa começou na área de cosméticos, com foco em biotecnologia e sustentabilidade, e chegou a ter produtos vendidos em bons canais, como Carrefour e um e-commerce próprio.
“Só que o caixa ainda era muito deficitário, e eu dobrei a aposta, como empreendedora, eu abri um braço de biotecnologia para mostrar o meu plano completo”, conta Mariana.
A aposta não vingou, por falta de recurso financeiro. Nesse momento, a biomédica decidiu voltar sua carreira para levar o que sabe para outras empresas. Quando acabar o período como entrepreneur in residence na Ikenga, Mariana espera atuar novamente no mercado nacional.
Ela, porém, não descarta o retorno de um empreendimento próprio no futuro. “Acho que todo empreendedor vai empreender, ele vai encontrar o caminho de voltar”, afirma.