As negociações de um acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia, que ficaram travadas por longo tempo, avançam em razão da maior vontade política para a construir a parceria, avaliam especialistas. Segundo eles, o Brasil ficou para trás no fechamento de acordos de livre comércio nos últimos anos e está perdendo mercados. Na sexta-feira, técnicos europeus e sul-americanos se reuniram em Bruxelas para apresentar mutuamente suas ofertas de acordo. A expectativa do governo brasileiro, divulgada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, é que a troca de propostas definitivas ocorra até junho.
“Tudo indica que, hoje, é uma decisão de alto nível da presidenta (Dilma Rousseff) e do Ministério das Relações Exteriores levar adiante a negociação. Nos últimos dez, 15 anos, o Brasil ficou totalmente paralisado e não negociou nenhum acordo comercial importante. Esse imobilismo está reduzindo o avanço no comércio exterior, nas exportações. (O empenho em fechar o acordo entre Mercosul e União Europeia) sinaliza que o governo está disposto a retomar a política (de fechar acordos comerciais)”, analisa o embaixador José Botafogo Gonçalves, vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).
Botafogo ressalta que, caso a Argentina, país que mais demorou a formatar sua oferta para a União Europeia, siga colocando dificuldades, existe a opção de fechar o acordo com cronogramas distintos. “Se a Argentina não tiver condições de fazer uma oferta que a Europa considere válida, existe sempre a possibilidade de negociar em nome do Mercosul e implementar (o acordo) em velocidades diferentes. Brasil, Paraguai, Uruguai implementam mais rápido e Argentina mais lentamente”, diz ele, que não considera uma solução razoável o Brasil negociar sozinho.
“A União Europeia não tem mandato para negociar sozinha com o Brasil. É um problema do quadro jurídico. Só se recomeçasse do zero”, destacou, lembrando o acordo-quadro de cooperação entre os blocos em 1995, que levou ao início das negociações para o acordo de livre comércio em 2000. Em 2004 o diálogo foi interrompido, e só foi retomado em 2010.
O advogado Eduardo Felipe Matias, doutor em direito internacional, afirma que há uma pressão do setor privado sobre o Poder Público para que o acordo saia. “A negociação ganhou nova velocidade porque o empresariado se deu conta de que está perdendo mercado no mundo todo. O governo, que não tinha isso como prioridade, passou a ter e tem pressionado inclusive a Argentina”, diz. O advogado chama a atenção para as negociações entre União Europeia e Estados Unidos, por exemplo, cujo resultado pode afunilar ainda mais o mercado internacional para os produtos brasileiros.
Para ele, os impactos na indústria brasileira com o eventual ingresso de produtos europeus devem ser neutralizados com a preocupação em proteger setores mais frágeis e estratégicos na negociação. O Brasil também deverá contornar dificuldades para colocar principalmente seus produtos agrícolas no mercado europeu, que é protegido. “É um exercício de tentar equilibrar essa preocupação (de proteger alguns setores da indústria brasileira) com a constatação de que estamos perdendo mercado (internacional)”, avalia.
Os países do Mercosul construíram propostas separadas à União Europeia, com listas de itens nos quais estariam dispostos a conceder desoneração. A Venezuela, que ingressou recentemente no bloco, não participa das tratativas com a União Europeia porque ainda está cumprindo cronograma de adequação à tarifa comum do Mercosul.