O que um estudante, uma marisqueira, um profissional autônomo, uma professora e artista plástica e um gestor hospitalar têm em comum?
Cada um demonstra seu amor e vivencia o São João por meio das brincadeiras de Bumba Meu Boi.
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O Terraiá é o São João oficial do Terra, patrocínio master de Amazon e com cobertura patrocinada por Kwai, Loterias CAIXA, Garnier e Azulzinha, maquininha da CAIXA.
Uma das mais fascinantes manifestações culturais do Maranhão, o bumba meu boi é reconhecido como Patrimônio Cultural no Brasil pelo IPHAN desde 2011 e da Humanidade pela Unesco desde 2019.
O som das matracas, pandeirões e orquestras são o aviso de que o São João chegou para os maranhenses de todas as idades.
Um grupo de boi finaliza a apresentação em um dos muitos arraiais pela capital São Luís. A multidão que assistia vai dispersando.
Aproveito para conversar com algumas pessoas sobre essa paixão que os maranhenses têm quando se fala em Bumba Meu Boi.
Conheço Tiago Brenha, 35, que fala com saudosismo da época que acompanhava o boi. O emprego como gestor hospitalar toma muito seu tempo e ele já não se dedica como antes ao cortejo.
Acompanhar o boi é seguir um determinado grupo em suas apresentações durante uma noite inteira. Você “simplesmente se junta com o boi e vai”, conta Tiago. “A primeira vez que fui foi com uma amiga. Me apaixonei.” O grupo escolhido por ele foi o Boi de Maracanã, sotaque de matraca. Tiago e a amiga acompanharam o grupo desde a noite do dia 28 junho por diversos arraiais espalhados pela capital São Luís.
Foram até a última encenação, feita na Capela de São Pedro, por volta das sete horas da manhã: “Olhar as apresentações é lindo, mas você vivenciar, acompanhar o boi, estar no meio, parece que a paixão cresce, é incrível”, afirma o gestor.
"Somos boieiros"
Já a professora e artista plástica, Socorro Pinheiro participava literalmente do Boi de Maracanã: “Tocava matraca, pandeirão, não perdia batizado, seguia para todo lugar. Era minha vida", conta.
Com 65 anos, Socorro estava acompanhada de seu filho, Hector de 36 anos. A família inteira 'brinca no boi': “Desde os anos 90, somos boieiros, eu, meu pai, ela, somos adoradores da cultura maranhense”.
Não vão mais com a mesma frequência, mas ainda vão aos arraiais mais próximos de casa. Isso porque Socorro perdeu a visão há quase dois anos. Fazia acompanhamento médico e descobriu após um exame que tinha catarata. Viajou para Belém, São Paulo, Salvador para fazer tratamentos, tudo em vão. Ficou cega.
“Me emociona não poder mais ver as brincadeiras, nem participar, gostava muito. A minha vida parou 100%”, lamenta a professora.
A mudança foi repentina: “Foi uma coisa nova, eu era saudável, muito ativa e aí veio a doença, foi devastador. Mas tô aí, enfrentando a depressão, tentando ser forte”, desabafa Socorro. Seu filho Hector, funcionário público, pediu licença do serviço para cuidar da mãe. Ele sabe o quanto ela amava participar do boi.
Por isso insiste para que ela continue indo nas apresentações juninas: “Acredito que a cultura, a paixão dela, pode ser, de algum modo, uma força para superar esse momento”, afirma o jovem.
Rotineiro
Em outro ponto da festa, o autônomo Fernando Silva, 63 anos, com seu tambor-onça (instrumento da família da cuíca, feito de pele e uma haste de bambu no centro que emite som ao ser friccionada por uma flanela úmida) na mão, não segue somente um boi.
Como todo bom maranhense que ama Bumba Meu Boi, também já acompanhou alguns grupos várias vezes quando novo: “Isso já faz muito tempo minha filha, desde os 19 anos. Na época eram poucos ônibus, a gente ia em caminhão entendeu?”, retruca ao responder.
Atualmente é mais tranquilo até para encontrar com o boi: “Você pega o itinerário do boi na internet, aí em algum lugar vai fazer a tocada com ele”, conta o brincante.
Encontro com outro grupo de Bumba Meu Boi no caminho. É o Boi de Iguaíba. Mais um boi com o sotaque de matraca.
As matracas são dois pedaços de madeira retangulares, podem ter diversos tamanhos, que ao serem batidas umas às outras, ecoam um som agudo e forte.
Usando chapéu e roupas bordadas, o estudante Joelson Silva de 17 anos, brinca e convive no grupo desde criança, sempre acompanhando da família. Ele faz parte da equipe principal.
Começou como o “miolo do boi”, aquele responsável por carregar a armação de madeira que retrata o boi. É ele quem faz o boi “viver” e “dançar” nas brincadeiras.
Este ano foi convidado para ser um dos cantadores do boi de Iguaíba: “Não acreditei, sonhava em ser, em participar e hoje tô aqui. Consegui", conta com um sorriso enorme no rosto.
O cantador não é somente quem canta as “toadas”, as músicas do boi. Além de compor, ele tem a obrigação de construir uma ligação com o público através da poesia que interpreta.
"Quando o povo está perto, no meio da gente, o calor humano aumenta ainda mais a emoção”, conta Joelson. E é responsabilidade do cantador manter essa conexão com o público.
Tradição
O Boi de Iguaíba tem 172 anos de existência e é conhecido como “matraca de ouro da Ilha”. Onde o grupo chega a multidão se concentra.
No meio de vários integrantes, cruzo com Kátia Silene, marisqueira de 54 anos. Também acompanha o Boi de Iguaíba desde criança. “É de família”, afirma.
O avô era cantador do grupo, Domingos Coxo, um dos mais famosos que o boi teve. Que inclusive estava sendo homenageado.
“Está no sangue”, diz orgulhosa com as matracas de mais ou menos 50 centímetros nas mãos.
"Ver a frente do boi, quando todo mundo tá dançando, aquilo é muito bonito. O traçado, o gingado, é bonito demais”, reitera a marisqueira.
Alguém grita: “Vamo Boi de Iguaíba. Matraqueiros, índios...” e segue chamando por todas as alas de brincantes.
O cantador avisa que o Boi de Iguaíba está entrando e chama todo mundo pra brincar. E o povo aceita o convite.
De repente me vejo no meio de tudo. Uma multidão de integrantes e espectadores. Tão lotado que quase não consigo mexer o braço para registrar tudo.
As matracas, junto aos maracás, pandeirões e tambores-onça, ditam o ritmo do boi que, sem muito esforço, fazem a multidão participar de cada toada.