F1: Meu amigo Wilsinho Fittipaldi

Neste dia de homenagens, é hora também de mostrar um pouco da pessoa Wilson Fittipaldi Jr e nada melhor do que alguém que esteve perto

23 fev 2024 - 23h20
Wilsinho e Ialdo em Interlagos
Wilsinho e Ialdo em Interlagos
Foto: Ialdo Belo

Nunca é fácil descrever uma perda. A de um amigo, então…

Àqueles que me conhecem sabem do carinho, amizade e respeito que tenho por toda a família Fittipaldi.

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Mas pelo Wilsinho era ainda mais especial.

Por quê? Porque o Wilsinho era assim: ou ele gostava de você ou não, meio termo não existia. De personalidade forte, Wilsinho muitas vezes era temido, só pelo olhar. Não fazia firulas quando queria expressar suas opiniões. E por isso era admirado.

Lembro de uma das muitas entrevistas que fiz com ele. Fiz questão que a esposa Rita também participasse. Rita me contou da impaciência dele quando ela conduzia o carro devagar: “Acelera isso, você é uma Fittipaldi!”, berrava exasperado. E ela ria.

Acho que a melhor homenagem que posso fazer a Wilsinho é contar algumas das histórias que presenciei ou ouvi diretamente dele.

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Quando perguntei sobre o surgimento da Fórmula Vê: “Eu estava com o Ricardo Divila e o assunto surgiu naturalmente. Então disse “vamos fazer” e quando vimos estava criada uma das categorias de monopostos de maior sucesso da história do automobilismo brasileiro”.

Este espírito empreendedor, aliás, foi uma das principais características da personalidade de Wilsinho e o acompanhou atté o fim.

Foi assim com o Fitti-Porsche, o Super Fusca e nos últimos anos no seu envolvimento no retorno da rebatizada Fórmula Vee e com a ideia de criar, em conjunto com Divilla, a Fórmula 4 brasileira.

Em um almoço para poucas pessoas, de comemoração ao seu aniversário, num 26 de dezembro, quando o presenteei com um capacete comemorativo ao tetracampeonato de Sebastian Vettel, um dos presentes falou que tinha a vontade de criar uma categoria de base. Wilsinho respondeu no ato: “Monte o plano que irei pessoalmente buscar apoio junto às fábricas”. Por algum motivo a categoria foi criada, mas Wilsinho e eu não fizemos parte do projeto.

Sobre o inacabado filme “Nas asas de Ícaro”, que conta a história da equipe Fittipaldi de F1, Wilson demonstrou para mim sua insatisfação com o nome. Eu e Rita concordamos e sugeri: “Acho que deveria se chamar ‘Equipe Fittipaldi: a conquista de um sonho”. Wilsinho concordou na hora com um largo sorriso de aprovação.

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Nos anos 60, os Fittipaldi moravam no bairro do Morumbi, em São Paulo e Wilsinho ganhou um Porsche, exclusivíssimo, de uma concessionária. Chegou em casa mais feliz do que pinto no lixo, quando apareceu o irmão mais novo, Emerson, pedindo pra dar uma volta na máquina. Embora relutante, Wisinho cedeu. Após algum tempo, a demora no retorno de Emerson com o carro não sugeria boa coisa… Dito e feito! Ao ir atrás do irmão, Wilsinho o encontrou com o Porsche destruído e a única reação possível, de acordo com ele, que contava a história às gargalhadas, foi dar uma surra no caçula.

Nos últimos anos, os brasileiros de um modo geral e a imprensa, finalmente, reconheceram o feito heroico de Wilsinho com a jornada da Equipe Fittipaldi, mas este era um assunto ao qual ele era muito sensível. Carregava com razão uma dor causada pelos deboches infundados, em grande parte, de acordo com um dos maiores nomes do jornalismo automobilístico brasileiro que presenciou o fatos, por questões políticas. Nos anos 70 a imprensa não viu com bons olhos o lançamento do FD-01 ser realizado em Brasília, com a presença do General Geisel e resolveu pegar no pé. O fato, absolutamente normal, da falta de resultados iniciais positivos botou mais lenha na fogueira. Lembro de um Wilsinho me contando em lágrimas o dia em que o carro, patrocinado pela Copersucar à época, ser chamado de “açucareiro” pelo narrador da prova ao terminar nas últimas posições.

Apresentação do Fitti FD-01 no Salão Negro do Congresso Nacional, com presença do Presidente Ernesto Geisel
Foto: Dana / Divulgação

Falar aqui sobre a vitoriosa carreira de Wilsinho para mim é retundante. Veículos de comunicação do mundo inteiro já fizeram isso hoje com as devidas e merecidas homenagens. Ms perguntei uma vez a Wilsinho qual foi seu grande rival nas pistas e ele respondeu sem pestanejar: “Niki Lauda”. Wilsinho disputou com Lauda a F2. No Brasil, é impossível não pensar em Bird Clemente.

Wilsinho teve tudo para fazer uma carreira internacional mais cedo, mas foi, de acordo com suas própriaas palavras, boicotado pela direção da equipe Willys do Brasil. Me contando de uma forma resumida, e nem podia ser diferente, Wilsinho embarcou em 1966 para correr na Europa, três anos antes do que o irmão Emerson. Chegando lá foi se apresentar para os testes e simplesmente foi informado que não poderia ir para a pista. Ordens superiores.  Assim, seco e direto! Não houve outra alternativa a não ser retornar para o Brasil. Wilsinho nunca perdoou os envolvidos.

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O amigo, ídolo, que perdi hoje é reconhecido no mundo inteiro como um dos grandes do automobilismo. Poderia ter ido mais longe se não fosse tão injustiçado. Mas como homem alcançou sua plenitude como pai da Roberta e do Christian, como marido da Rita, como avô da Manu, como filho de Juze e Wilson, como irmão de Emerson.

Deixa uma multidão de amigos dentro e fora das pistas e um legado que se perpetuará, disso, não tenham dúvidas.

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