1970: desconfiança na seleção, bastidores do Esquadrão e 'nove segundos' para a glória

Clodoaldo dá detalhes sobre a preparação para a Copa do tri, a emoção ao marcar o gol de empate na semifinal e o convívio com heróis

18 nov 2022 - 05h00
Bastidores do Esquadrão: Clodoaldo relembra descrédito e mudança de técnico no tri em 1970
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Nove segundos. O que é possível fazer em nove segundos? Coisas cotidianas, como responder uma mensagem, atravessar a rua, tirar uma foto. Em casos específicos, é o suficiente para correr 100 metros rasos e quebrar um recorde mundial, como Usain Bolt. Para Clodoaldo, o tempo bastou para que o então jovem volante marcasse o gol que colocou o Esquadrão de volta na partida contra o Uruguai, na semifinal da Copa de 1970, no México, ano em que a Seleção Brasileira alcançou a terceira de suas cinco estrelas. 

Os nove segundos de Clodoaldo Tavares Santana, ou Corró para os fãs, se encaixam em um contexto muito mais amplo. À época com 20 anos, o volante --famoso pelo estilo elegante em campo-- era um dos jogadores mais jovens da comitiva que embarcou rumo ao México em busca de mais um título. E foi por telefone, a caminho de uma palestra, que o tricampeão brasileiro compartilhou sua história em uma entrevista exclusiva ao Terra para o especial O Caminho da 6ª estrela, que resgata a história de cada um dos cinco títulos do Brasil em Copas do Mundo a partir da memória dos próprios heróis. 

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Clodoaldo, que atuou como volante na campanha do Tri do Brasil em 1970
Clodoaldo, que atuou como volante na campanha do Tri do Brasil em 1970
Foto: Reprodução/CBF

"Apesar de jovem, eu vivi uma experiência muito grande de jogar pelo Santos Futebol Clube, já estava acostumado com grandes jogos fora do país. O Santos, naquela época, era o time que mais viajava o mundo. Mas é claro que isso não tira a pressão, quando você é muito jovem, isso aumenta muito a pressão." 

Além da pressão de uma Copa do Mundo, aquela edição era inédita de muitas formas. Contou  com a estreia dos cartões amarelo e vermelho, bem como das substituições de jogadores durante as partidas. O Mundial de 70 também inovou ao ser o primeiro a ser transmitido a cores, tomando o espaço das televisões em preto e branco. 

Ainda assim, para o jovem volante, a oportunidade estava resumida, em partes, à chance de jogar ao lado de seus heróis. Em meio a nomes como Gerson, Rivellino, Tostão, Jairzinho e Pelé --que viria a disputar sua última Copa do Mundo e consagrar-se, em definitivo, como o Rei do Futebol--, Clodoaldo assumiu a missão de manter o equilíbrio no meio de campo e se tornou titular absoluto no Esquadrão de Zagallo.

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Convívio e concentração 

Mesmo com um elenco tão consagrado como o que era esperado para a Copa do Mundo no México, a Seleção Brasileira se via cercada de polêmicas e desconfiança em 1970. Ao se recusar a convocar Dadá Maravilha a mando do então presidente Emílio Garrastazu Médici, o então técnico João Saldanha declarou a frase que anos depois continua sendo lembrada. "O presidente escala o ministério dele que eu escalo meu time." Saldanha acabou demitido do cargo em 17 de março, 78 dias antes do Mundial.

E quem assumiu o comando da Seleção foi Zagallo, bicampeão em 1958 e 1962. A mudança, segundo Clodoaldo, foi rapidamente absorvida pelos jogadores.

Clodoaldo, tricampeão pela Seleção Brasileira em 1970
Foto: Reprodução/Rafael Ribeiro/CBF

 “Assim que o Zagallo assumiu, por ele ser um ex-atleta, uma pessoa do futebol, houve uma adaptação bem rápida em relação ao novo comando. Foi bem surpreendente, até pelas mudanças que ele fez, colocando um meia na ponta esquerda, que foi Rivellino, passando Piazza para quarto zagueiro, para que eu pudesse jogar como volante ao lado do Gérson e do próprio Rivellino. Houve uma surpresa, né? Mas houve um entendimento bem rápido." 

Após o Brasil ser eliminado ainda na fase de grupos da Copa de 1966, a Comissão Brasileira de Desportos --atual Confederação Brasileira de Futebol (CBF)-- coordenou uma preparação de quatro meses aos atletas convocados, a começar pela apresentação no Retiro dos Padres Jesuítas, no Rio de Janeiro. Os trabalhos foram comandados pelos preparadores Carlos Alberto Parreira, o 'capitão' Cláudio Coutinho e Admildo Chirol. 

Clodoaldo e Pelé durante treino para a Copa de 70
Foto: Arquivo/Estadão Conteúdo

Para Clodoaldo, o período mais longo na concentração contou com a "compreensão de todos". "[A conquista da Copa] era nosso objetivo maior, e quem gostava de dar suas escapadas tinha que esperar o fim da Copa", disse o ex-jogador entre risadas. "Tínhamos que nos submeter aos treinamentos, ao objetivo que nós tínhamos, que era muito mais importante do que uma vida que teríamos pela frente, até para que  pudéssemos usufruir de uma possível conquista. E era dessa maneira que era administrado e respeitado em todos os momentos que passamos na concentração." 

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E o que se passa na mente de um atleta em preparação para uma Copa? Para uma estreia ou uma final? Na de Clodoaldo, "passou tudo". "Você vai viver um momento único na sua vida, na sua história como atleta, é um sonho teu e que você fica pensando naquilo que, dependendo do resultado, pode oferecer para uma nação." 

Clodoaldo e Zagallo em preparação para a Copa de 70
Foto: Arquivo/Estadão Conteúdo

Nove segundos para a glória de uma vida

A Seleção Brasileira fez sua estreia no México em 3 de junho, com vitória contra a Tchecoslováquia por 4 a 1, partida em que o Rei do Futebol tentou encobrir o goleiro adversário com um chute do meio de campo, lance que ficou conhecido como 'o gol que Pelé não fez'. A equipe canarinho também venceu a Inglaterra por 1 a 0 e a Romênia por 3 a 2, se classificando para o mata-mata. 

Nas quartas-de-finais, o Esquadrão também superou o Peru por 4 a 2, chegando às semifinais contra o Uruguai. A partida tinha sabor de revanche pela derrota ao vizinho sul-americano 20 anos antes, em pleno Maracanã, quando o Brasil viu a oportunidade de ser campeão pela primeira vez, em casa, escorrer pelos dedos, com uma derrota por 2 a 1 na final.

O retrospecto pôs uma pressão a mais nos jogadores brasileiros, que se viram perdendo a partida por 1 a 0, com um gol de Cubilla aos 19 minutos do primeiro tempo. E é com muito orgulho que Corró se lembra do tento marcado às 16h45 de 17 de junho de 1970, em Guadalajara. 

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"Eu não era de me arriscar muito, chegar à frente para fazer gols, tanto é que fiz poucos gols na minha carreira. Eu procurava dar uma retaguarda muito grande para a minha defesa, tinha uma preocupação defensiva enorme e não tinha muita oportunidade de me arriscar". E foi se arriscando que o zeloso médio-volante marcou seu único - e um dos mais especiais - gol no Mundial. 

Clodoaldo marca o gol de empate na semifinal contra o Uruguai na Copa de 70
Foto: Arquivo/Estadão Conteúdo

Com um passe milimétrico de Tostão e um corredor à sua frente, Clodoaldo acelerou até a bola numa corrida que durou cerca de nove segundos. "Levei acho que nove segundos até chegar pra chutar. Tostão deu a bola no tempo certo, me deixou na cara do gol". Clodoaldo, acostumado a correr até os colegas para celebrar os gols, se viu abraçado por seus heróis ao comemorar o tento. 

Com o empate, o Brasil teve fôlego para virar o resultado com gols de Jairzinho e Rivellino no segundo tempo. "Acho que com o meu gol nós esquecemos um pouco da história e partimos para jogar um futebol maravilhoso no segundo tempo. Fizemos 3 a 1, mas poderia ter sido quatro, cinco", relembra o volante, que já se consagrava na história do futebol brasileiro. 

Poucos dias depois, em 21 de junho, o Brasil entrou em campo no Estádio Azteca, na Cidade do México, onde mais de 107 mil pessoas se reuniram para assistir a final entre o Esquadrão e a Itália. Pelé abriu o placar - seu último gol em Copas - aos 18 minutos. Em uma jogada errada, o próprio Clodoaldo acabou perdendo a bola e cedendo o empate aos italianos. 

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Mas se redimiu ao driblar quatro adversários e dar um dos passes para o gol de Carlos Alberto Torres, o quarto do Brasil contra a Itália. Daí, veio a conquista do Tri e a glória de que poucos podem se gabar. Com a conquista, a Seleção Brasileira ergueu, pela terceira vez, a taça Jules Rimet, a primeira a se tornar tricampeã da Copa do Mundo. 

"Você vive quatro anos falando de Seleção, acompanhando. Para o atleta que joga uma Copa do Mundo e vence, ele não vive só o momento da Copa, é uma conquista eternizada na tua vida, não tem jeito, é uma sensação de dever cumprido com a sua pátria", finaliza. 

Fonte: Redação Terra
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