Morto-vivo no avião, cartas queimadas e Deus questionado: histórias do bicampeão Pepe

Canhão da Vila relembrou episódios da campanha vitoriosa do Brasil no Mundial do Chile em 1962

17 nov 2022 - 05h00
'Toca no Mané': Pepe relembra entrada do 'Possesso' e fogueira de cartas
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"Papai do céu, de novo? Será que eu não mereço?". Esse foi o primeiro pensamento de Pepe quando viu o filme de quatro anos antes se repetir e perder a vaga no time titular da Seleção Brasileira novamente uma semana antes do início no torneio no Chile. Dessa vez, foi um trauma no joelho que custou ao Canhão da Vila a oportunidade de fazer valer a titularidade que recuperou durante o ciclo de 1958 a 1962.

Assim como Feola --técnico de 1958--, o treinador Aymoré Moreira recorreu a Zagallo para começar entre os 11. Como todos sabemos, o 'Velho Lobo' é supersticioso e difícil não pensar que ele não se lembrou do resultado no Mundial anterior quando foi acionado após o infortúnio do companheiro.

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João Havelange, presidente da CBD, correspondente à Confederação Brasileira de Futebol (CBF) nos dias atuais, já tinha pedido ao novo comandante do Brasil para seguir tudo o que tinha dado certo há quatro anos. Com isso, o mesmo avião e o mesmo piloto que conduziram a equipe até a Suécia foram incumbidos de transportar os campeões mundiais até o Chile na busca pelo sonho do bicampeonato.

Durante toda a entrevista exclusiva para o Terra para o especial O Caminho da 6ª Estrela, que resgata a história de cada um dos cinco títulos do Brasil em Copas do Mundo a partir da memória dos próprios heróis, o bom humor de Pepe se destacou. O tom de voz só abaixou quando ele não conseguiu esconder a frustração de nunca ter defendido a Seleção Brasileiro em Copas do Mundo mesmo estando no grupo responsável por colocar duas das cinco estrelas na camisa amarelinha e sendo um dos grandes jogadores da história do futebol brasileiro.

"Vou ter sempre essa frustração, mas você está me entrevistado porque eu sou campeão mundial, né? E depois eu tive a felicidade de me preparar e ser bicampeão mundial jogando pelo Santos. Se eu não tivesse jogado, o Santos não teria vencido."

Pepe com a faixa de campeão mundial em 1962
Pepe com a faixa de campeão mundial em 1962
Foto: Luiz Carlos Pavão/Terra

Diferente do que aconteceu na Suécia, a Seleção chegou ao Chile com o status de favorita. O reinado de Pelé já era uma realidade. O País do futebol não era mais a Inglaterra, onde nasceu a modalidade mais popular do planeta, e sim, o Brasil. "Era praticamente a mesma Seleção, só que quatro anos mais velha", ressaltou Pepe.

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O furor era tamanho que a preparação precisou mudar de lugar. Inicialmente, o grupo estava reunido em um hotel em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro. Porém, o grande número de hóspedes, torcedores e jornalistas impedia que os treinamentos ocorressem de maneira tranquila. A solução foi levar a concentração para Serra Negra, no interior de São Paulo, em  busca de paz e tranquilidade.

A distância entre as duas Copas do Mundo pode ter diminuído o brilhantismo do Brasil, mas a qualidade era inquestionável. Para Pepe, era um grupo que sabia muito bem o que precisava fazer para vencer e como anular os pontos fortes do adversário. Mas não só isso. O time também tinha experiência para lidar com a ansiedade e os momentos de nervos à flor da pele durante o Mundial.

A busca pelo bi começou com uma vitória tranquila contra o México. A partida ficou marcada por (mais) um gol antológico de Pelé. O camisa 10 driblou todos os defensores rivais antes de estufar a rede. Seria o começo de mais um desfile do rei? Não, o destino não seria tão generoso com o craque. Na partida seguinte, ele se machucou e se despediu da competição.

O que poderia se tornar um drama, foi resolvido pelo protagonismo de um ponta habilidoso, dono de pernas tortas, mas que entortava mesmo eram os rivais: Mané Garrincha. "Toca no Mané, toca no mané...", esgoelava o lateral Nilton Santos, pedindo que a Seleção aproveitasse o talento do companheiro de Botafogo.

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"Partiu Garrincha pela ponta direita, deixou o defensor para trás. Cadê a bola? Já driblou Mané, cruzou para Vavá, é gollllll do Brasil". Essa foi uma cena que se repetiu algumas vezes no Chile. Vavá e Garrincha marcaram quatro vezes cada um e foram os grandes nomes do setor ofensivo daquela Seleção.

A vaga de Pelé no time titular ficou com Amarildo. "O Possesso entrou e deu conta do recado. Ele adorou o apelido [dado pelo escritor Nelson Rodrigues]. Ele jogou muito bem, ele era uma figura", relembrou Pepe com sorriso no rosto ao falar do antigo companheiro. "Ele estava acostumado a jogar com metade daqueles jogadores no Botafogo."

A grande exibição no Brasil ocorreu nas quartas de final contra a Inglaterra. A vitória por 3 a 1 foi tão convincente que até um cachorro quis entrar em campo. O goleiro da seleção inglesa tentou parar o animal, que conseguiu fugir e passou até por Garrincha. Coube ao atacante Jimmy Greaves tirar o cãozinho do gramado.

Na semifinal, o Brasil venceu o anfitrião Chile, que foi a grande surpresa no torneio. Na decisão, um novo encontro com a Tchecoslováquia, rival do duelo em que Pelé se machucou. Assim como em 1958, a Seleção saiu atrás do placar. Quis o destino que Amarildo fizesse o gol de empate. A virada saiu dos  pés de Zito e Vavá fechou a conta para selar o bicampeonato mundial.

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Campeão de 1962
Foto: Divulgação CBF

O assédio que já era grande ficou ainda maior após o bicampeonato. Pepe, que recebe cartas de fãs do mundo todo até hoje, ganhava muitos recados das admiradoras que conquistou com o seu talento com a bola no pé e charme com a sua cabeleireira vistosa. O Canhão teve até uma namorada peruana. "Eles adoram o futebol brasileiro no Peru", recordou. Porém, o passado galanteador virou pó após José Macia, nome de batismo do craque, oficializar a união com Dona Nélia, um ano após o Mundial no Chile. "Ela pegou todas as cartas, fez uma fogueira e colocou fogo", contou aos risos. "Fui muito feliz com a minha família."

Morto-vivo no avião

Durante a agradável conversa de quase 2 horas, com direito a uma pausa para o café da tarde com um delicioso bolo, Pepe relembrou histórias com Pelé. A longa parceira com o Rei do Futebol no Santos e na Seleção Brasileira trai a memória e não permite Canhão --atualmente com 87 anos-- precisar a data de um dos causos mais marcantes entre os dois.

Durante uma viagem, o avião precisou pousar e foi pedido para que toda a delegação deixasse a aeronave para uma limpeza. Pelé esperou todo o elenco descer e foi conversar com a aeromoça. "'Eu não posso ficar aqui? Tem muita gente lá fora, se eu descer, vai ser uma confusão, vão pedir autógrafos, entrevista...'. 'Não, o senhor precisa descer'. 'Por favor, todo mundo já foi'. 'O senhor está vendo aquele outro senhor sentado? Então, ele está morto, precisamos retirá-lo'." 

"O Pelé saiu correndo do avião, deu autógrafos, falou com todo mundo. Foi muito engraçado”, relembrou Pepe para as gargalhadas de todos os presentes na sala do apartamento do ex-jogador em Santos, no litoral de São Paulo.

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Fonte: Redação Terra
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