Quando sambou em resposta aos racistas depois de marcar um gol no estádio do Atlético de Madri, no ano passado, Vinicius Junior despertou uma onda de solidariedade pelo mundo na esteira da campanha #BailaVini, mas, ao mesmo tempo, uma corrente de ódio de torcedores espanhóis rivais do Real Madrid que apelam ao racismo para tentar desestabilizar o craque brasileiro.
Desde então, injúrias raciais contra o jogador se tornaram cada vez mais raivosas e violentas, a ponto de amarrarem um boneco simulando seu enforcamento em uma ponte de Madri. E desde sua chegada ao time merengue, já são 20 ataques racistas registrados contra ele – o mais recente, no fim de outubro, no clássico com o Barcelona.
Ataques que dirigentes espanhóis, incluindo La Liga, preferem qualificar como “casos isolados”. No mais notório, em maio, parte da torcida do Valencia imitou e fez gestos de macaco direcionados ao atacante. Em vez de se envergonhar pelos atos de seus torcedores, o clube escancarou o racismo institucional ao culpar Vini Jr. pelas ofensas. Exigiu, inclusive, uma retratação pelo fato do jogador constatar que as agressões partiram de vários setores do estádio Mestalla.
Jornais de Valencia também se juntaram na perseguição a Vinicius, acusando-o de mentir e acusar o clube injustamente. Covardes, torcedores alegaram que não gritavam “mono” (macaco, em espanhol), mas sim “tonto”. Advogados de agressores flagrados imitando macaco por câmeras usaram o argumento estapafúrdio de que seus clientes estavam apenas “coçando as axilas”.
No país que enriqueceu da escravidão e do genocídio contra o povo preto, é justamente um jogador negro quem chacoalha os escombros do racismo enraizado na sociedade espanhola. Muitas vezes, europeus da Península Ibérica se orgulham de ter “descoberto” o Brasil e a América, como se nada existisse antes das expedições sanguinárias. Porém, ocultam que também foram os responsáveis por inventar o racismo, um produto da colonização que segue pendente de quitação na fatura dos “descobridores”.
Por mais que a Espanha resista em reconhecer o racismo como um grave problema para, assim, combater racistas, a luta de Vini Jr. já tem rendido frutos. Em outubro, torcedores do Sevilla, entre eles uma criança, apareceram na transmissão de TV imitando macacos em provocação ao atacante. Ao contrário de outros clubes, a equipe mandante identificou um dos agressores e anunciou punição imediata, expulsando-o do estádio e do quadro de sócios, além de tê-lo denunciado às autoridades.
Aos poucos, provocada pelo incansável ativismo de Vinicius, a sociedade espanhola se vê constrangida a deixar de tratar o racismo estrutural como casos isolados. Diante de tantos episódios racistas, alguns brasileiros defendem que o jogador deveria sair do Real Madrid e abandonar a liga espanhola. Entretanto, esse não é o melhor caminho.
Vini escolheu o Real Madrid, realizou seu sonho, se tornou ídolo e ama jogar pelo clube, tanto que, recentemente, renovou contrato até 2027. Todo ser humano tem o direito de trabalhar onde quiser. Se houver medida extrema, que seja o Real Madrid sair de La Liga.
É importante lembrar como a mídia inglesa costuma ser implacável com jogadores pretos e sul-americanos. Dos inúmeros casos de racismo na Copa Libertadores da América. Ou dos infindáveis e impunes ataques racistas no Brasil. Não existe espaço seguro no futebol. Por isso, Vinicius Jr. só deveria deixar o Real Madrid quando for de sua livre e espontânea vontade, não por perseguição racista.
O peso de qualquer decisão deve recair sobre instituições coniventes com o racismo, não nas costas de um jovem atleta sob ataque. A vítima nunca é culpada, como tentam fazer acreditar boa parte da mídia e dos torcedores espanhóis.
Discriminação racial existe em toda parte do mundo, inclusive no Brasil, que também precisa de medidas mais contundentes para enfrentar o racismo. Porém, a luta de Vini Jr. é ainda mais emblemática por ser travada em território europeu, levantando a bandeira antirracista no palco histórico de exploração e inferiorização do povo preto.
Fora da partida do Brasil contra a Argentina pelas Eliminatórias por causa de uma lesão, o atacante estará longe dos gramados na semana da Consciência Negra, mas certamente será lembrado como referência ao longo desses dias pela coragem de não se curvar aos racistas. Um legado maior que qualquer gol que possa marcar dentro de campo.