Desde que foi preso há pouco mais de um ano, em Barcelona, Daniel Alves compreendeu, dia após dia, que dificilmente escaparia da condenação. A sentença emitida pela Justiça espanhola nesta quinta-feira impôs pena de quatro anos e seis meses de prisão ao ex-lateral por violência sexual contra mulher em uma boate. Ainda cabe recurso em segunda instância.
Trata-se do segundo jogador brasileiro com histórico de seleção e participação em Copa do Mundo condenado por estupro na Europa. Em 2022, Robinho foi sentenciado em última instância pela Justiça italiana a nove anos de prisão, mas segue em liberdade no Brasil.
A condenação de Daniel Alves, no entanto, tem contornos diferentes e deixa lições para os homens do futebol, dos dirigentes aos atletas. A primeira delas é que a sociedade já não tolera a condescendência com estrelas e celebridades acusadas de crimes sexuais.
Com base no caso Robinho, a Justiça espanhola decretou a prisão imediata de Daniel Alves para evitar o risco de fuga da Espanha, já que a condição privilegiada do jogador possibilitaria a saída do país e a senha para a impunidade. Antes, na noite em que foi acusado de estupro, a boate acionou o protocolo conhecido como “Não se calem”, fruto de uma lei criada na Catalunha em 2018 para combater assédio e violência sexual em bares e casas noturnas.
O episódio envolvendo Daniel Alves inspirou uma lei (“Não é Não”) semelhante no Brasil, aprovada pelo Congresso Nacional no fim do ano passado e que entra em vigor a partir do segundo semestre. Pela nova legislação, bares e boates devem oferecer treinamento para que funcionários saibam identificar suspeitas de violência contra a mulher, além de acolher e orientar vítimas sobre o encaminhamento de denúncias.
Essa proatividade foi fundamental para que os seguranças da boate iniciassem os procedimentos de coleta de evidências e chamado da polícia que encorajaram a vítima a denunciar Daniel Alves em Barcelona. Mesmo sendo um atleta famoso, o então lateral que havia acabado de disputar a Copa do Catar com a seleção brasileira não foi poupado do rigor das autoridades locais.
Apesar de a lei ainda não vigorar em território nacional, o Brasil também já observa exemplos de uma mudança geracional que tem enfrentado a cultura histórica de relativizar a violência contra a mulher. No ano passado, por exemplo, o técnico Cuca foi rejeitado por boa parte da torcida do Corinthians por causa da condenação por abuso sexual de uma garota de 13 anos — a sentença acabou anulada pela Justiça suíça no início deste ano.
Evidentemente, o futebol não é o único meio a abrigar homens agressores. Todavia, fica claro que, por conservar uma estrutura patriarcal e masculinizada, o esporte continua falhando na formação cidadã dos jogadores e imerso em uma bolha que resiste em recriminar comportamentos machistas, das torcidas e do público que o consome nas redes sociais às categorias de base.
Desde cedo, jovens jogadores são incentivados a se impor na base da força e da hipercompetitividade, muitas vezes desproporcionais para uma criança. Existe uma espécie de licença para que o atleta em formação, antes mesmo de se tornar uma estrela, se sinta autorizado a reproduzir violências, principalmente contra mulheres.
São instruídos por um entorno que os trata como mercadorias a enxergar pessoas do sexo feminino como potenciais inimigas e aproveitadoras, mas com quem devem usufruir dos privilégios da fama mesmo se não houver consentimento.
É aí que o futebol molda sua cultura do estupro particular, potencializada por uma rede de homens que se acostumou a banalizar a violência machista e, por tabela, a violência praticada por astros da bola. Os casos recorrentes de assédio e estupro protagonizados por jogadores deveriam servir de alerta para mudanças profundas no meio, a começar pela implosão da estrutura de comando do futebol, ainda dominada pelo monopólio masculino.
Mudar a cultura desde a base exige o reconhecimento do problema, ação permanente e postura menos reativa dos dirigentes, que não podem achar normal que tantos atletas sejam mais reconhecidos pela mancha da violência machista do que pelo talento em campo.
Ninguém deve lamentar pela biografia de Daniel Alves, muito menos pelo fim de sua carreira. Até que a Justiça prove o contrário, a única vítima da história é a mulher que teve o azar de conhecê-lo naquela fatídica noite na boate. De qualquer forma, o caso do ex-lateral pode ser lembrado como um choque de realidade necessário para a comunidade do futebol masculino.
Já passou da hora de assumir que o esporte não tem feito o suficiente para romper o pacto umbilical com agressores de mulheres. E assimilar essa lição é mais do que urgente para evitar novas vítimas e, consequentemente, os seguidos escândalos policiais em meio ao noticiário esportivo.