Copa do Mundo com seis sedes em três continentes só é boa para os cofres da Fifa

Arranjo político incha o Mundial de países e seleções, visando, no fim das contas, mais uma investida bilionária do Oriente Médio

4 out 2023 - 15h29
(atualizado às 15h33)
Atual campeã, Argentina será uma das sedes da Copa de 2030
Atual campeã, Argentina será uma das sedes da Copa de 2030
Foto: AFP

Ao contrário da mensagem que Fifa e Conmebol tentam passar, ninguém sai ganhando com uma Copa do Mundo com 48 seleções, sediada por seis países em três continentes distintos. Na verdade, os únicos beneficiários da mudança anunciada nesta quarta-feira, que prevê o Mundial de 2030 dividido entre Argentina, Paraguai, Uruguai, Marrocos, Espanha e Portugal, são os cofres da entidade máxima do futebol.

Primeiro, perdem os países-sede, sobretudo os sul-americanos. A proposta da candidatura tripla de Argentina, Paraguai e Uruguai era celebrar os 100 anos da Copa do Mundo, que teve sua primeira edição decidida no estádio Centenário. Ao abrir mão do pleito, ganharam como consolo um jogo cada na rodada de abertura. Ainda assim, serão obrigados a gastar os tubos com infra-estrutura e reforma de estádios para atender ao indigesto “padrão-Fifa”.

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Em seguida, perdem os torcedores. O Mundial, por si só, é um evento elitizado, em que poucos têm condições de bancar ingressos caros, passagens e viagens para acompanhar as partidas. Se já era complicado juntar economias e se planejar para uma Copa em apenas um país, imagine para seis sedes em três continentes diferentes e distantes um do outro… Sem contar que a concentração de jogos na Europa deve inflacionar ainda mais os ingressos em países sul-americanos e no Marrocos.

Por fim, perdem os atletas e o futebol como um todo. A partir de 2026, nos Estados Unidos, Canadá e México, o Mundial passará a abrigar 48 seleções. Com isso, a equipe que chegar à final disputará oito jogos – e não mais sete – em quase 40 dias de competição. Mais um inchaço no já extenuante calendário dos jogadores, que afeta também as Eliminatórias.

Além de ter criado um playoff para seleções que não consigam vaga direta na Copa, aumentando o número de jogos na repescagem, a Fifa agora esvazia o apelo de torneios eliminatórios e os transforma praticamente em compromissos protocolares. Em 2030, todos os seis países-sede terão vaga garantida no Mundial. Sendo assim, as Eliminatórias da América do Sul, por exemplo, naturalmente enfadonhas, viram uma disputa de sete seleções por três vagas diretas e uma no playoff.

O lucro do novo formato, que surgiu sob o pretexto de “democratizar” a Copa do Mundo, vai todo para o bolso da Fifa e suas confederações. Mais jogos significam maior exposição, mais propriedades comerciais e mais dinheiro em caixa. Mais países-sede turbinam as possibilidades de ganho, inclusive no campo político.

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Gianni Infantino, atual presidente da Fifa que sucedeu cartolas derrubados por esquemas de corrupção, encontrou na tal democratização, que nada mais é que um pretexto barato para monetizar a Copa ao extremo – ainda que isso represente um enorme custo técnico ao torneio –, a fórmula perfeita para agradar o maior número possível de aliados, se consolidar no poder e capitalizar o apetite do Oriente Médio sobre o futebol.

Depois do Catar, que sediou o último Mundial após vencer uma candidatura repleta de indícios de suborno e compra de votos, agora é a Arábia Saudita quem pleiteia organizar o Mundial reservado para Ásia e Oceania, em 2034. Ao parir a “Copa Frankenstein” com seis países-sede, a Fifa limpou o terreno de possíveis concorrentes para contemplar ao anseio dos petrodólares sauditas, que movimentaram quase 1 bilhão na janela de transferências mais recente para atrair estrelas como Neymar, Cristiano Ronaldo e Benzema ao futebol local.

Uma jogada e tanto da Fifa, cada vez mais rica e poderosa, imune aos escândalos que vieram à tona na década passada e foram rapidamente esquecidos. Os únicos que celebram o que restou da Copa do Mundo são aqueles que se beneficiam do jogo tratado como mero negócio.

Fonte: Breiller Pires Breiller Pires é jornalista esportivo e, além de ser colunista do Terra, é comentarista no canal ESPN Brasil. As visões do colunista não representam a visão do Terra.
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