Filho de Dorival na seleção simboliza o Brasil que não deu certo

Técnico fica de fora da preleção final antes da disputa de pênaltis contra o Uruguai, em eliminação nas quartas da Copa América

7 jul 2024 - 11h11
Enquanto filho dá preleção final, Dorival fica à margem de jogadores antes dos pênaltis
Enquanto filho dá preleção final, Dorival fica à margem de jogadores antes dos pênaltis
Foto: Reprodução/Globo

Em 2014, o então coordenador da seleção brasileira, Carlos Alberto Parreira, proferiu uma frase que jamais se descolará de sua biografia. “A CBF é o Brasil que deu certo”, disse o técnico tetracampeão do mundo, pouco antes de o país sofrer a goleada mais dura da história, o 7 a 1 para a Alemanha, que completa uma década nesta segunda-feira.

Não só a queda traumática na Copa do Mundo, mas também os seguidos escândalos de corrupção e integridade na confederação logo mostraram que Parreira estava equivocado. A CBF não é nem nunca foi exemplo de nada. E continua não sendo. Pelo contrário, é o símbolo perfeito do Brasil que não dá certo.

Publicidade

Uma amostra disso foi a imagem que marcou a eliminação da seleção brasileira nas quartas de final da Copa América, diante do Uruguai. Antes da disputa de pênaltis, o técnico Dorival Júnior fica de fora da rodinha de jogadores, que recebem os comandos da preleção final de seu filho e auxiliar, Lucas Silvestre.

A imagem é simbólica por dois motivos. Primeiro, ao representar o vácuo de lideranças na seleção. Com três treinadores diferentes desde a última Copa, o time carece de hierarquia em todas as esferas, desde a presidência da CBF, agora ocupada pelo inábil Ednaldo Rodrigues, passando pelo técnico, que não vê problema em terceirizar a definição de batedores de penalidades para o filho, até chegar ao grupo de jogadores.

Na véspera da partida, o Uruguai usou falas de atletas brasileiros em um vídeo motivacional. Com dificuldade de reconhecer o favoritismo uruguaio, Andreas Pereira e Wendell endossaram o discurso batido remetendo à tradição e ao passado do Brasil. Ambos foram reservas no jogo, mas, ainda assim, não hesitaram em dar declarações públicas em tom de superioridade.

Depois do jogo, o lateral Danilo, um dos mais experientes do elenco, colocou em xeque seu futuro na seleção. Endrick, o mais jovem, foi um dos primeiros a falar com a imprensa na saída do campo. Marquinhos, reconhecido internamente como líder, não constou na lista de batedores contra o Uruguai após ter perdido o último pênalti brasileiro na eliminação da Copa do Mundo diante da Croácia.

Publicidade

Fora a sensação de barco à deriva sem comandantes, a imagem de Dorival apartado da roda de jogadores ainda carrega o peso de uma seleção que dá pouca importância às mensagens que passa aos brasileiros e aos princípios éticos que deveriam servir como referência de um Brasil que dá certo. Pela segunda vez seguida, a equipe nacional tem uma comissão técnica permanente em que o auxiliar é filho do treinador.

Uma seleção que se dá o respeito não pode ter Matheus Bachi, filho de Tite, passando instrução a jogadores à beira do campo em uma prancheta virtual, como aconteceu nos últimos ciclos de Copa. Tampouco pode ter Lucas Silvestre, filho de Dorival, definindo cobradores antes das penalidades decisivas. Por mais que a justificativa seja o fato de Silvestre ter acompanhado de perto os treinos de pênaltis, o recado transmitido ao torcedor brasileiro é o pior possível.

Ao permitir que um técnico leve o filho para a seleção sem fazer ponderações ou qualquer questionamento, a CBF apequena a seleção. Em 2016, pressionada pelos escândalos de corrupção, a entidade estabeleceu um Código de Ética que proibia a contratação de parentes de funcionários em quaisquer níveis hierárquicos.

No entanto, no mesmo ano, a confederação se viu obrigada a remendar o estatuto e abriu exceção para integrantes do departamento de futebol e comissão técnica. Foi assim que o filho de Tite acabou admitido na seleção principal. Por mais preparados que se considerem, filhos de técnicos ocupando cargos de prestígio expõem um dilema ético que qualquer instituição que se guie por princípios de governança e integridade deveria evitar.

Publicidade

Silvestre, por exemplo, é o responsável pelo treinamento de cobranças de pênalti na seleção. Se houver a conclusão de que os treinos são mal executados ou de que o auxiliar se equivocou ao definir os batedores, Dorival teria distanciamento emocional e discernimento profissional para demitir o próprio filho? Dificilmente.

O Brasil não caiu na Copa América só por isso. Mas também por isso. Mais do que uma crise técnica, a seleção vive, sobretudo, uma crise de imagem e credibilidade. O torcedor já não confia no time, muito menos na capacidade da CBF de virar o jogo. Enquanto se submeter a situações como o nepotismo disfarçado em cargos de confiança, será difícil acreditar que, tal qual na longínqua época em que Parreira ainda era treinador, o futebol brasileiro voltará a ser protagonista no cenário mundial.

Fonte: Breiller Pires Breiller Pires é jornalista esportivo e, além de ser colunista do Terra, é comentarista no canal ESPN Brasil. As visões do colunista não representam a visão do Terra.
Curtiu? Fique por dentro das principais notícias através do nosso ZAP
Inscreva-se