Neste sábado, o goleiro Mike Maignan, do Milan, denunciou insultos racistas por parte da torcida da Udinese em jogo válido pelo Campeonato Italiano. A partida chegou a ser paralisada após o atleta francês relatar as ofensas ao árbitro, mas acabou retomada cinco minutos depois.
O protocolo antidiscriminação da Fifa, adotado em 2019, prevê que os árbitros devem acionar um mecanismo de três etapas diante de casos de racismo nos estádios: paralisar o jogo para que os torcedores sejam advertidos, interromper a partida até cessar as agressões e, por fim, a suspensão definitiva do jogo que pode resultar em perda de pontos da equipe denunciada.
Mesmo depois da paralisação do duelo contra a Udinese, torcedores do time da casa continuaram vaiando o goleiro do Milan, até então hostilizado com gritos e gestos de macaco. Maignan se pronunciou após a partida, explicando por que decidiu denunciar as ofensas. “Quando fui buscar a bola atrás do gol, ouvi grunhidos de macaco e não falei nada. Depois, aconteceu de novo, então falei com o árbitro e disse o que havia acontecido. Não é a primeira vez, não podemos jogar assim”, afirmou o francês.
Há cinco anos, a Fifa decidiu endurecer o protocolo antidiscriminação justamente pela reincidência de atos racistas no futebol europeu, sobretudo na Itália. Os zagueiros Kalidou Koulibaly e Antonio Rüdiger, por exemplo, sofreram mais de um ataque racista enquanto disputavam o Campeonato Italiano.
“Por que a imprensa, os torcedores e os jogadores se juntaram para acabar com a Superliga em 48 horas, mas, quando há abusos racistas evidentes em um estádio de futebol, é sempre ‘complicado’? Talvez porque não sejam apenas alguns idiotas nas arquibancadas”, disse Rüdiger em depoimento ao The Players’ Tribune, combatendo o discurso de que o racismo no esporte se restringe a “casos isolados”.
De fato, o racismo é um problema social complexo, porém mais visível e tolerado em estádios de futebol. Basta lembrar dos inúmeros atletas brasileiros vítimas de ataques racistas na Europa e, principalmente, no Brasil, onde ataques também têm sido normalizados há décadas. Em agosto, o caso envolvendo o goleiro Aranha, perseguido com gritos de macaco por torcedores gremistas quando atuava pelo Santos, completará 10 anos. O Grêmio – eliminado da Copa do Brasil em julgamento no STJD – foi um dos raros times punidos com perda de pontos por causa de atos racistas de sua torcida.
Agora, o presidente da Fifa, Gianni Infantino, diante da repercussão dos ataques contra Maignan, defende que clubes cujos torcedores provoquem a suspensão de uma partida devido a atos racistas devem ser punidos com derrota automática, algo previsto pelo protocolo estabelecido em 2019, mas que jamais foi colocado em prática.
Protegidos pela leniência das autoridades esportivas, a começar pela Fifa, que resistem em adotar medidas severas contra a discriminação, torcedores racistas ainda se sentem seguros em proferir ofensas discriminatórias nos estádios, cientes da impunidade – e de que os árbitros raramente são encorajados a encerrar uma partida manchada pelo racismo.
Na semana passada, Vinicius Jr. foi novamente alvo de provocações racistas na Espanha, dessa vez protagonizadas por uma parcela expressiva da torcida do Atlético de Madri, que já havia atacado o brasileiro em clássicos envolvendo os times da capital espanhola na última temporada. Quando muito, os clubes que abrigam torcedores racistas emitem uma nota de repúdio, e fica por isso mesmo.
Já passou da hora de punir o racismo no futebol com perda de pontos. Essa deveria ser a prioridade da Fifa, que, atrasada em relação a medidas de sanção e prevenção efetivas, acaba se tornando cúmplice de racistas no futebol. Punição esportiva é urgente. E a repetição de casos como os registrados nos últimos dias só reforça a necessidade de políticas verdadeiramente antirracistas no esporte.