Quando comprou o Cruzeiro, na virada de 2021 para 2022, Ronaldo prometeu tocar um projeto de longo prazo para devolver o clube que o revelou aos tempos de glória. Acontece que, pouco mais de dois anos após sacramentar o negócio, o ex-jogador agora revende as ações da SAF para o empresário Pedro Lourenço.
Na época, a transação fez barulho no mundo do futebol por se tratar do primeiro time grande vendido para a iniciativa privada no Brasil. Anunciada como um negócio bilionário, em que, além de assumir a dívida, Ronaldo se comprometeria a injetar 400 milhões de reais no Cruzeiro, a aquisição foi interpretada por muitos cruzeirenses como um gesto de carinho do ex-craque, por ter assumido o clube em meio à sua maior crise esportiva e institucional.
Entretanto, a revenda oficializada nesta segunda-feira desmonta a falácia de que empresários investem por amor – seja no futebol ou em qualquer outro ramo. Hoje, Ronaldo não é simplesmente um ex-atleta. É um homem de negócios que, como todo investidor, acima de tudo, se guia pelas oportunidades de mercado e pelo lucro.
Ronaldo foi hábil ao farejar a oportunidade no Cruzeiro e usar sua credibilidade de ídolo como moeda para fechar o negócio sem concorrência. Pegou o clube na baixa, a caminho do terceiro ano consecutivo na segunda divisão e sob a ameaça de falência por causa de uma dívida na casa de 1 bilhão de reais.
Como bom investidor, enxugou as contas e, com uma gestão eficiente, conseguiu reestruturar o time sem gastar muito. Na prática, precisou tirar pouco dinheiro do bolso, diminuindo o risco do negócio ao amarrar o compromisso de investimentos no contrato de aquisição a “receitas incrementais”, que, basicamente, sairiam do faturamento do próprio clube.
Na revenda estimada em 600 milhões de reais, agentes do mercado financeiro envolvidos no processo de aquisição da SAF por Ronaldo calculam que o ex-jogador sairá com um lucro quase 10 vezes maior que o montante investido no Cruzeiro. Um negócio excepcional para os cofres do Fenômeno, já tratado como case de investimento empresarial no futebol.
Logo, Ronaldo não será lembrado como um “salvador da pátria” no Cruzeiro. Tirar o clube do atoleiro era missão obrigatória para o segundo e mais decisivo passo do negócio: o timing para se desfazer das ações. Com a equipe na primeira divisão e minimamente reorganizada, o dono sabia que o valor de mercado do ativo se multiplicaria, deixando-o na posição confortável de escolher o melhor comprador – chance que a antiga associação não teve ao ser vendida pela primeira vez.
Nesse caso, o comprador é um conselheiro cruzeirense que, embora seja um empresário bem-sucedido à frente da rede Supermercados BH, tem ligação sentimental com o clube, além de figurar entre os maiores credores da instituição. Pedrinho, como é conhecido em Minas Gerais, já havia se tornado sócio de Ronaldo ao injetar 100 milhões de reais na Raposa, que, consequentemente, serão convertidos em parte das ações que passa a deter.
O empresário afirma que não está “comprando um negócio, mas sim uma paixão”. De fato, é impossível duvidar que o novo dono do Cruzeiro se trata de um cruzeirense apaixonado. Porém, assim como Ronaldo, Pedrinho também é um homem de negócios guiado, acima da paixão, pela lógica do lucro. Se um dia entender que o melhor para o seu bolso é vender o clube, não haverá apego sentimental que o detenha.
A realidade das SAFs transforma o futebol cada vez mais em um negócio, a ponto de criar a figura dos donos de clube traders, como são conhecidos no mercado os operadores que visam lucrar em curto prazo com ações de compra e venda. Mesmo criticado por maus resultados recentes, Ronaldo sai no lucro do Cruzeiro. Não se pode dizer o mesmo dos torcedores que ainda se iludem com a bravata de que existe amor no negócio do futebol.