No segundo jogo da era Diniz, em que o Brasil superou o Peru, em Lima, foi Marquinhos quem decretou a vitória por 1 a 0, mas o roteiro da partida e o contexto de seleção demandam atenção especial a outro personagem.
Por pouco, Richarlison não rompeu com o jejum e teve um gol de cabeça anulado por impedimento. De qualquer forma, o atacante provou que ainda pode ser útil à seleção.
Adaptado à função de 9, ele se destacou por América-MG, Fluminense e até mesmo em seu começo no futebol europeu como um atacante de lado, agressivo e com muita intensidade de movimentação, atributos bastante valorizados na Premier League.
Diante da carência de centroavantes no futebol brasileiro, acabou deslocado por Tite para a referência de ataque e foi bem na última Copa do Mundo, anotando três gols, um deles em um lindo voleio na estreia contra a Sérvia. Também já havia sido artilheiro na conquista do ouro olímpico, no Japão.
O histórico de bons serviços prestados à seleção fica totalmente em segundo plano para haters que o atacam por causa da má fase no Tottenham, onde tem sido reserva mesmo após a saída de Harry Kane. Nas redes sociais, Richarlison é tratado como “bagre”, a mais nova expressão banalizada para estigmatizar todo e qualquer tipo de jogador.
Como mostrou contra o Peru – e também contra a Bolívia, para ser justo, em que pese o gol perdido no segundo tempo –, o atacante sabe se posicionar entre os zagueiros, contribui coletivamente com e sem bola e mantém bom entrosamento com Neymar desde a temporada passada.
O que tem faltado é confiança para voltar a marcar, algo que Fernando Diniz pode auxiliar. O técnico costuma bancar atletas questionados pela torcida e raramente desiste de recuperá-los. No Fluminense, por exemplo, colhe frutos após ter insistido com o antes vilipendiado Samuel Xavier, hoje titular incontestável da lateral direita tricolor.
Richarlison paga o preço por uma declaração inoportuna, quando, ao retornar à seleção, em junho, chamou a responsabilidade e disse que “a camisa 9 já é minha, não tem que ficar escolhendo”. Embora muita gente clame por mais jogadores com personalidade dos anos 80 e 90, poucos estão dispostos a abraçar esse perfil nos momentos de baixa, como acontece agora com o Pombo.
Carismático e boa praça, ele ainda recebe ódio desproporcional e oportunista por causa de seu engajamento em causas sociais, como a defesa da vacina contra a covid-19 e a luta antirracista. Para quem vive de ofender os outros nas redes sociais, jogador de futebol não tem o direito de atuar como cidadão em outros campos que não seja o esporte.
Há quem diga que a rejeição crescente ao jogador seja motivada pelo clichê “seleção é momento”, defendendo que ele não deveria ter sido convocado por Diniz devido à fase ruim no Tottenham. Nem sempre. Por esse critério, então, Ronaldo Fenômeno não teria sido chamado para a Copa de 2002, ano em que voltou de grave lesão no joelho às vésperas do Mundial justamente ao ser bancado por Felipão.
Não há qualquer comparação entre Ronaldo e Richarlison. No entanto, o futebol mudou muito nos últimos 20 anos. O que se exige de um camisa 9 hoje não são apenas gols, mas também aplicação tática e maior intensidade, virtudes que todo grande treinador da atualidade tende a apreciar.
Por incompreensão deste cenário, Gabriel Jesus também foi espinafrado após passar em branco na Copa de 2018, porém o tempo acabou mostrando que ele é um centroavante muito melhor do que boa parte da opinião pública e da torcida brasileira sentenciou há cinco anos.
Depois da vitória contra o Peru, Richarlison reconheceu que não vive um bom momento e que precisa de ajuda psicológica para dar a volta por cima. Algo que não se pode queixar dele é a disposição para dar as caras e fazer sacrifícios em prol da seleção brasileira. Nunca se omitiu nem deixou de demonstrar orgulho em representar seu país.
A imagem de Richarlison chorando no banco após ter sido substituído contra a Bolívia foi tocante não só por se tratar de uma figura humana rara para o meio, mas também por escancarar como o ambiente de críticas destrutivas e muitas vezes exageradas do futebol tem sido devastador para a saúde mental dos atletas.