O jogo entre os melhores times e maiores campeões da atualidade no Brasil começou muito antes da bola rolar, com o Palmeiras tentando emplacar a infame narrativa de perseguição da arbitragem e o Flamengo contra-atacando com alertas sobre como o protesto do rival poderia interferir no duelo deste sábado.
Em que pese o grande embate tático entre os técnicos Abel Ferreira e Jorge Sampaoli, qualquer avaliação a respeito da partida já nasceu condicionada ao apito, ainda mais com o roteiro previamente determinado pela postura do Palmeiras, que outra vez vetou atletas e comissão técnica de concederem entrevistas após o jogo.
Aos 32 minutos do segundo tempo, Everton Ribeiro sofreu carga nas costas de Richard Ríos e caiu dentro da área. O árbitro Ramon Abatti não deu pênalti e o VAR — seguindo o protocolo — não revisou a jogada, por se tratar de lance interpretativo. Ocorre que, uma semana atrás, o Palmeiras teve penalidade marcada a seu favor diante do Botafogo em lance semelhante: empurrão de Di Plácido nas costas do atacante Flaco López.
Voltemos ao último jogo no Allianz Parque. Quatro minutos depois de o VAR acertar por não revisar o pedido de pênalti do Flamengo, a arbitragem de vídeo analisou um impedimento de Rony marcado pelo auxiliar e confirmado pelo árbitro. Como a defesa rubro-negra parou diante da marcação, o atacante ficou livre para empurrar a bola para o gol. Entretanto, se o jogador palmeirense estivesse em condição legal, o VAR arrumaria confusão por revisar jogada interrompida em campo.
Com esses ingredientes no pacote, a diretoria do Flamengo já promete reclamar formalmente da arbitragem na CBF, repetindo a prática batida do toma lá, dá cá. Se na semana passada era o Palmeiras quem acusava o sistema de tentar brecar sua trajetória vencedora, agora é o Flamengo que se coloca na posição de vítima.
Ironicamente, cabe frisar, os dois clubes mais vencedores e com maior poderio financeiro da última década no futebol brasileiro. Imagine se os outros 18 clubes da Série A resolvessem denunciar o “sistema” que nem a comissão de Abel Ferreira ou montar dossiês com erros de arbitragem como tem feito o Flamengo sob a gestão de Rodolfo Landim?
Muito além do empate, que acabou sendo ruim para ambos os times, distantes do líder Botafogo na tabela, o grande problema do que aconteceu no Allianz é o estímulo ao comportamento cínico de dirigentes.
Do lado palmeirense, por ora alimenta-se a certeza de que bastou reclamar para que o time não fosse mais prejudicado por erros de arbitragem, ainda que a torcida tenha chiado pelo gol corretamente anulado de Murilo, por impedimento.
Já do lado rubro-negro, o comando do futebol vai se armar da mesma forma que o Palmeiras, reforçando a necessidade de gritar mais alto e acirrar o jogo de narrativas e bastidores para pressionar a arbitragem antes dos jogos.
Assim como a partida no Allianz, esse duelo mesquinho, no fim das contas, não tem vencedor. O despreparo, os gargalos estruturais e a falta de profissionalização da arbitragem seguirão longe de discussão. Tal qual o Palmeiras, ninguém se pronunciará quando uma decisão interpretativa do árbitro ou equívoco do VAR pesar a seu favor.
Um desserviço por parte dos dois principais clubes do país, que, mesmo empilhando taças e conquistas, ainda parecem acreditar que serão destronados a qualquer momento por um suposto sistema, em vez de unirem forças fora do campo para lutar contra os verdadeiros problemas do futebol brasileiro.