Diante dos inequívocos impactos das enchentes no Rio Grande do Sul sobre as equipes gaúchas, que tiveram centros de treinamento e estádios alagados, o técnico do Grêmio lança uma sugestão controversa. “Sobem quatro [da segunda divisão] e não cai ninguém”, defende Renato Portaluppi, em alusão ao descenso nesta temporada da Série A do Campeonato Brasileiro.
Ao contrário do que o treinador gremista imagina, a imunidade irrestrita contra o rebaixamento pode induzir o lobby interesseiro de clubes não impactados pelas enchentes. Renato tem plena razão ao pontuar sobre a necessidade de compensar o prejuízo esportivo e emocional dos times gaúchos afetados pela tragédia, mas a solução para o problema não é suspender a possibilidade de descenso.
Primeiro, porque geraria um estrago duradouro no campeonato, inchando em efeito cascata o número de participantes de cada divisão e, consequentemente, o calendário de jogos nas próximas temporadas. Prejuízo dobrado para as equipes gaúchas, que já precisam lidar com a sequência de partidas atrasadas.
Em outro aspecto, a imunidade antiqueda encontra ecos oportunistas nos bastidores de clubes que começaram mal no campeonato ou que têm vivido crises internas neste primeiro semestre. Mais do que aos grandes gaúchos, à exceção do Juventude, que tem como principal objetivo a permanência na Série A, é conveniente aos dirigentes desses clubes usar a suposta solidariedade esportiva como pretexto para salvar a própria pele.
Há sete anos, a Chapecoense disputou o Campeonato Brasileiro depois de perder praticamente todo o elenco em acidente aéreo na Colômbia e rechaçar o benefício da imunidade contra o rebaixamento. Terminou a competição em oitavo lugar, garantindo vaga na Copa Libertadores.
O verdadeiro baque esportivo da tragédia só foi sentido anos depois pelo clube de Chapecó. Em 2019, a equipe catarinense acabou rebaixada após sofrer um gradativo colapso nas finanças e acumular atrasos de salário, em contraste com o equilíbrio exemplar antes do desastre de avião, quando era referência como o único clube sem dívidas do país.
Pelo exemplo da Chape, percebe-se que o socorro mais urgente aos clubes gaúchos afetados pelas enchentes não é esportivo, mas sim econômico. Para evitar a sangria financeira com a reconstrução de gramados e centros de treinamento, perda de receita com bilheteria e a rotina itinerante fora do estado nos próximos meses, que compromete a sustentabilidade de médio e longo prazo, é fundamental a criação de um fundo de amparo a todas as equipes do Rio Grande do Sul.
Uma medida que teria caráter mais efetivo que a mera suspensão do rebaixamento, que, ao menos até agora, não foi oficialmente proposta pelas diretorias de Grêmio e Inter. É legítimo Renato Gaúcho cobrar assistência aos times gaúchos. Porém, sua sugestão abre perigosa brecha para que outros clubes se aproveitem da tragédia alheia.