Vini Jr. acertou ao dizer que a Espanha é um país racista

Sequência de casos de discriminação racial em estádios espanhóis derruba narrativa de vitimismo usada contra brasileiro do Real Madrid

31 mar 2024 - 09h55
Vini Jr. volta a se posicionar contra casos de racismo no futebol espanhol
Vini Jr. volta a se posicionar contra casos de racismo no futebol espanhol
Foto: Gonzalo Arroyo Moreno/Getty Images / Esporte News Mundo

Em 2023, depois de sofrer pesados ataques discriminatórios no estádio Mestalla, em partida entre Real Madrid e Valencia, Vinicius Júnior foi preciso ao dizer que a Espanha “aceitou exportar para o mundo a imagem de um país de racistas”. Obviamente, nem todos os espanhóis são racistas. Mas, a partir do momento em que não só boa parte da população, mas também as instituições espanholas se mostram coniventes com o racismo, não há outra definição possível.

“País racista” é uma expressão forte, que tende a ser rejeitada por puritanos e cartesianos por supostamente generalizar uma coletividade. Entretanto, do ponto de vista político, ainda mais no desgastante contexto da luta antirracista, o termo se torna apropriado para gerar choques de consciência e chamar a atenção da sociedade para a urgência de medidas efetivas de enfrentamento ao racismo.

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Dizer que a Espanha é um país de racistas não significa negar que exista discriminação racial em outros países como o Brasil, que também sofre, de maneira até mais profunda que nações europeias, com as chagas do colonialismo e do racismo estrutural. O objetivo, no caso, é endereçar responsabilidades para a resolução do problema. Se uma comunidade não quer ser reconhecida como racista, deve, em primeiro lugar, ser absolutamente intolerante ao racismo. E essa é a mensagem de Vini Jr. que muitos espanhóis insistem em desvirtuar.

Apesar das inúmeras tentativas de culpar o craque brasileiro pelos ataques que sofre, os casos de insultos racistas nos estádios continuam explodindo pelo país, mesmo quando não joga o Real Madrid. Somente neste sábado, dois incidentes vieram à tona, a começar pela terceira divisão espanhola. O goleiro Cheikh Sarr, do Rayo Mahadahonda, foi tirar satisfação com torcedores do El Sestao River após sofrer reiterados xingamentos discriminatórios atrás do gol que defendia. A vítima acabou expulsa pelo árbitro da partida, e seus companheiros decidiram sair de campo. Já em La Liga, o lateral argentino Marcos Acuña e o treinador Quique Flores, do Sevilla, foram alvo de ofensas racistas e xenofóbicas por parte da torcida do Getafe. 

Nas redes sociais, Vini Jr. se solidarizou com as vítimas, enaltecendo a valentia de Sarr e da equipe do Rayo Mahadahonda ao abandonarem a partida. “Os racistas devem ser expostos e os jogos não podem continuar com eles na arquibancada. Só haverá vitória quando saírem dos estádios direto para a prisão, que o lugar que merecem”, escreveu o atacante ao comentar os casos deste sábado, que simplesmente desmontam a narrativa usada por seus críticos para desqualificá-lo.

Dizem que Vini só é atacado porque provoca os adversários. Pois nenhuma das vítimas atacadas neste fim de semana havia feito uma provocação sequer direcionada a rivais. Dizem que Vini só se pronuncia sobre os ataques que sofre e ignora outros casos. Pois, apenas este ano, ele saiu em defesa de companheiros de profissão na Espanha e na Itália, quando o goleiro Maignan, do Milan, foi chamado de macaco por torcedores da Udinese, em janeiro.

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Enquanto uma horda de espanhóis continuar inventando desculpas para culpar a vítima e equiparar provocações típicas do futebol a ofensas racistas, é preciso apontar que o racismo não é um produto individual, muito menos se resume a casos isolados. Como bem explica o historiador e ativista Antumi Toasijé, presidente do Conselho para Eliminação da Discriminação Racial, ligado ao Ministério da Igualdade espanhol, “a Espanha é provavelmente o país que inventou o racismo como conhecemos hoje”, remontando ao conflitos entre cristãos e muçulmanos na Península Ibérica durante a Idade Média.

Como um Estado-nação colonizador, que enriqueceu da escravatura e do genocídio negro, a Espanha tem se negado por séculos a promover políticas de reparação histórica, que deveria começar por rever a própria estrutura racista de sua sociedade. Hoje, como bem denuncia Vini Jr., a intolerância crescente no futebol expõe para o mundo a imagem de um país que rejeita imigrantes, mas acolhe, de forma cínica e desavergonhada, racistas da pior espécie.

Fonte: Breiller Pires Breiller Pires é jornalista esportivo e, além de ser colunista do Terra, é comentarista no canal ESPN Brasil. As visões do colunista não representam a visão do Terra.
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