A Copa do Mundo Feminina 2023 teve uma seleção protagonista, mesmo sem ainda conhecermos a grande campeã: As Matildas. O apelido carinhosamente escolhido em voto popular pelos próprios torcedores da Austrália, uma das sedes, ganhou visibilidade não apenas pela luta para chegar ao menos perto do pódio, mas pelo projeto vitorioso e carismático que conquistou ainda mais adeptos além da Oceania.
O motivo de tanto apoio internacional pode ser explicado pelo perfil do país que elas representam: a Austrália é um dos lugares mais acolhedores do mundo. A nação se orgulha da receptividade por causa de suas origens miscigenadas e convive de forma multicultural, dentro e fora da seleção. O desejo de ter representantes no futebol como as Matildas ultrapassou fronteiras. Elas são o exemplo de sucesso para outras nações.
Diferentemente do que foi visto na última Copa do Mundo masculina no Qatar, a representatividade estava nas arquibancadas do país, que tem mais de 29% de sua população composta por estrangeiros. Eles ajudam a democratizar a modalidade onde predominam o Rugby e o Futebol Australiano. Mas basta visitar um campo de uma escola tradicionalmente australiana para entender a influência das Matildas; o futebol é o esporte coletivo mais praticado pelas meninas.
Com uma liga profissional consolidada, A-League, e mais três divisões de acesso no futebol amador feminino, elas encontram clubes de bairros para atuar; o acesso está ao lado de suas casas. Além disso, o governo australiano fez nos últimos quatro anos um forte investimento para aumentar o incentivo à participação do futebol feminino, com direito à construção da "Casa das Matildas", um centro de treinamento de ponta inaugurado em julho desse ano, em Melbourne. O local poderá ser usado prioritariamente pela seleção feminina sempre que houver competições e custou mais de R$ 600 milhões.
Agora misture tudo isso com um nome de peso: Sam Kerr. A capitã não gosta dos holofotes, mas se posiciona sempre que necessário. O cerco da imprensa no último mês destacou a timidez da atacante do Chelsea que dentro de campo tem um comportamento bem diferente: cheio de ousadia. Jogadora destaque na Champions League Feminina, Kerr sente a responsabilidade desde nova. Aos quinze anos já estava começando na seleção principal e catorze anos depois evidenciou ainda mais o seu papel de referência. Uma lesão na panturrilha tirou a titularidade da camisa 20, mas não a liderança de Kerr.
Ela ganhou o foco das câmeras dos estádios e, sempre inquieta, usava a experiência para orientar a equipe - mesmo do banco. Para quem antes precisava fingir ser um menino para jogar na infância, agora viu garotos usando o seu nome nos uniformes. Quem não conhece Sam Kerr na Austrália possivelmente não esteve no país no último ciclo de Copa Feminina. Mesmo com os erros de finalização diante da imponente Inglaterra, deixou um gol para a eternidade dessa edição e viu os jornais não criticarem a Capitã, mas sim colocarem a culpa na agressividade do adversário que não economizou nas faltas e tanto quis atingir a heroína do país.
Resguardada em campo por Fowler, Foord e Raso, Sam Kerr teve condições de esperar a sua recuperação completa para atuar por noventa minutos seguidos, algo que apenas aconteceu na semifinal. Na derrota, ela segurou a carga do mata-mata e, mesmo com as falhas, seguiu sem apagar o feito histórico de estar na seleção que levou a Austrália mais longe em uma Copa. Mesmo quando perdeu, seguiu sendo respeitada e ainda tem a segurança da estrutura construída para as próximas gerações, sem falar da disputa do terceiro lugar numa das Copas de maior competitividade até então.
A revolução das Matildas no futebol feminino conquistou fãs - já esperados - pela certeza do projeto. O melhor é pensar que é só o começo, já que muitas futuras jogadoras querem agora entrar nesse seleto grupo verde e amarelo da Oceania. O sucesso dessa seleção está nos números: o evento mais assistido na televisão australiana desde o ouro de Cathy Freeman nos 400m dos Jogos Olímpicos de Sydney, que chamou da atenção de Sam Kerr ainda criança.
Hoje, adulta, virou co-autora de livros infantis e mesmo consagrada com mais de setenta mil pessoas nos estádios, Kerr almejava mais. Antes de se despedir dessa edição, ela destacou o potencial do futebol feminino na Austrália, pedindo ainda mais investimento para que um dia posso se igualar às outras modalidades mais consumidas no país. Sempre há espaço para evoluir, ainda mais, numa nação que respeita a principal base do esporte: a construção. As Matildas mostraram o caminho para quem espera colher bons resultados um dia.