Início glorioso e queda vexatória: relembre a 2ª Era Felipão

14 jul 2014 - 18h45

Luiz Felipe Scolari deixou, nesta segunda-feira, o comando técnico da Seleção Brasileira pela segunda vez na carreira. Diferente da saída de 2002, quando foi treinar Portugal com status de herói nacional e como um dos principais responsáveis pela conquista do pentacampeonato mundial, porém, Felipão abriu mão do cargo em 2014 praticamente arrasado junto à opinião pública e à imprensa. Do início glorioso com o surpreendente título da Copa das Confederações, no ano passado, ao fim melancólico com a queda vexatória para a Alemanha na Copa do Mundo, há uma semana, relembre como foi a segunda passagem de Scolari na Seleção mais vitoriosa do planeta.

Apostas e montagem do time

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Anunciado em 28 de novembro de 2012 como substituto de Mano Menezes no comando da Seleção Brasileira, Luiz Felipe Scolari começou sua segunda passagem à frente do time nacional com a responsabilidade de formar, em um ano, uma equipe capaz de conquistar a Copa do Mundo dentro de casa. O atual treinador do Corinthians já havia feito o processo de “garimpagem” e renovação após a eliminação do Mundial de 2010, e Felipão assumiu o Brasil com uma base relativamente construída.

O primeiro compromisso verde e amarelo na segunda passagem de Scolari foi diante da Inglaterra, em amistoso disputado no mítico Estádio Wembley. Ronaldinho, Fred, Luís Fabiano, Miranda e o goleiro Júlio César foram as novidades de uma Seleção que não tinha mais Kaká, que vinha sendo constantemente convocado por Mano. O time canarinho caiu por 2 a 1, após falha do volante Arouca e pênalti perdido por Ronaldinho, mas Felipão não se deixou abater.

“Fui treinador do Kuwait, empatei o primeiro jogo. Fui treinador do Brasil, perdi o primeiro jogo. Fui treinador de Portugal e perdi o primeiro jogo. Volto à Seleção e perdi de novo. Isso equivale dizer que nas competições seguintes meu time ganhou. Então provavelmente a gente vai ganhar alguma competição”, previu o comandante, na ocasião.

<p>Felipão não venceu amistosos antes da convocação para a Copa das Confederações, mas montou a base que seria campeã do torneio</p>
Felipão não venceu amistosos antes da convocação para a Copa das Confederações, mas montou a base que seria campeã do torneio
Foto: Mike Hewitt / Getty Images

Depois deste jogo, só haveria mais uma convocação para partidas oficiais antes do chamado para a Copa das Confederações. Os amistosos foram contra Itália e Rússia. Felipão deixou Ronaldinho de lado, lembrou-se de Kaká e surpreendeu ao convocar o então pouco conhecido Diego Costa. “É uma observação que venho fazendo desde que assumi a Seleção. É um jogador muito forte, que sabe guardar posição e faz com que atletas que joguem ao seu lado desfrutem de oportunidades, porque ele luta muito mais do que é imaginado”, elogiou, na época.

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Diego Costa foi reserva, só jogou 33 minutos nas duas partidas somadas e viu a Seleção Brasileira empatar por 2 a 2 com a Itália e por 1 a 1 com a Rússia. Kaká não agradou, mas Fred se firmou como principal centroavante da equipe. O Brasil parecia ter achado o camisa 9 que vinha sendo tão evitado por Mano Menezes. Não havia, porém, vencido sob o comando de Scolari. Assim o experiente treinador ia para a Copa das Confederações.

Equipe de confiança e tarde gloriosa sobre a Espanha

Para o único torneio que disputaria antes do Copa do Mundo, Felipão convocou algumas novidades. Deixou os experientes Kaká e Ronaldinho de fora e chamou o garoto Bernard. “Ele é jovem, com muita qualidade. E pela idade vai se superar para continuar sendo convocado. É a chance de conviver na Copa das Confederações como um passo importante para a Copa do Mundo”, elogiou Scolari, na ocasião. “Esses que estão na lista: joguem, apresentem o futebol, se dediquem, porque podem estar plantando a semente para o Mundial”, clamou.

E o pedido foi atendido. Com marcação pressão, inícios de partidas arrasadoras e aplicação tática surpreendente, a Seleção Brasileira faturou o tetracampeonato da Copa das Confederações de maneira contundente. Luiz Gustavo e Paulinho deram consistência ao meio de campo ainda nos amistosos antes do torneio (2 a 2 com Inglaterra e 3 a 0 sobre a França), e Neymar ganhou a camisa 10 para se sentir ainda mais como o principal jogador do time.

Logo de cara, o astro anotou um golaço e liderou o Brasil à vitória sobre o Japão por 3 a 0 na estreia, em Brasília. “O Neymar é um grande jogador. Em um ou outro momento pode não estar tão bem, mas no geral é craque e vai fazer a diferença”, afirmou Felipão. “O que mais me satisfez no jogo foi a evolução tática da equipe. A forma como ela se comportou desde o início", elogiou.

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Para fechar a primeira fase, o Brasil seguiu contando com o brilho de Neymar para superar o México por 2 a 0 e a Itália por 4 a 2. Fred também havia voltado a balançar as redes. “Alguns críticos falam que o Neymar é muito ruim, que eu sou cabeça dura. Sou mesmo. Porque acredito nos meus jogadores. O Fred me dá tudo o que eu peço. Ele não seria substituído nem se tivesse tropeçando na bola ou ficasse só com uma perna”, disse Scolari, logo após o camisa 9 balançar as redes duas vezes na boa vitória sobre os italianos.

Técnico conquistou a Copa das Confederações e foi idolatrado pela torcida brasileira no Maracanã
Foto: Stuart Franklin / Getty Images

“Penso que a Seleção, com esse resultado, ganha confiança e adquire mais empatia com o torcedor. Vamos vendo onde estamos errando e, para quando jogarmos contra grandes times como a Itália, o que temos que melhorar. E é importante não nos empolgarmos, porque ganhamos hoje, mas temos que saber que estamos no caminho. Falta muita coisa, mas estamos no caminho certo”, decretou.

Na semifinal, vitória por 2 a 1 sobre o Uruguai, com show de Júlio César, que defendeu um pênalti de Forlán quando o placar ainda não havia sido aberto. O goleiro vinha sendo muito criticado desde que Felipão voltou à Seleção e lhe deu a chance de vestir a camisa verde e amarela. O treinador, porém, se irritou com a emissora ESPN Brasil logo após o duelo. “Tem uma televisão que joga contra o Brasil. Que só induz o árbitro, que o Neymar faz isso. Que nosso time bate, isso e aquilo. É hora de canalizar esforços para o Brasil. E não contra o Brasil”, pediu.

A final seria contra a então campeã do mundo, Espanha, no Maracanã. “Não considero a Espanha favorita. É espetacular, mas tem alguns defeitos, como qualquer outra seleção", disse Scolari, na véspera do duelo. E ele não queria o triunfo somente para conquistar o título. “Mandamos uma mensagem com a vitória amanhã: que estamos no caminho para disputar o título de 2014 com mais sete ou oito seleções em igualdade de condições”, afirmou.

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O título veio. E a mensagem também. O Brasil não deu chances à então melhor seleção do planeta, venceu por 3 a 0 com surpreendente facilidade e se credenciou, após uma tarde maravilhosa, como favorita à Copa do Mundo. “Agora tem situação favorável, um ambiente positivo, porque o que o povo tem feito por nós dentro do campo é algo fantástico, maravilhoso”, declarou Scolari, logo após a conquista. Ele também fez um alerta. “Temos que saber que vamos enfrentar um campeonato mais difícil do que esse que disputamos”.

Tranquilidade e rixa com Diego Costa

O tetracampeonato da Copa das Confederações deu enorme tranquilidade à Luiz Felipe Scolari nos 12 meses que antecederam o Mundial. Com o público ao seu lado, Felipão foi pouco questionado e manteve os bons números com vitórias em amistosos contra seleções teoricamente fracas. As únicas exceções foram o 3 a 1 contra Portugal e o 2 a 1 contra o Chile.

De resto, triunfos diante de Honduras, Zâmbia, Coreia do Sul, África do Sul e Austrália. O único tropeço foi sofrido diante da Suíça, por 1 a 0, no jogo seguinte ao 3 a 0 ante os espanhóis. “O resultado foi normal porque não tínhamos condições de enfrentar uma seleção em melhor condição física”, justificou Scolari, na época. “Claro que queríamos mais, a vitória. Mas o primeiro tempo está dentro do normal”, ressaltou.

Felipão não conseguiu fazer com Diego Costa optasse pela Seleção Brasileira em detrimento da espanhola
Foto: Daniel Kopatsch / Getty Images

Com a Seleção nos trilhos, o único tema que fazia o treinador se irritar era Diego Costa. Destaque do Campeonato Espanhol, o atacante, que não havia mais recebido chances de Scolari, era pretendido pela seleção do país europeu. A Real Federação de Futebol Espanhola (RFEF) enviou um pedido à Fifa, requisitando a liberação do atacante para atuar pelo selecionado nacional, e Felipão passou a ser pressionado para convocá-lo à Seleção Brasileira. Ainda mais porque Fred passou a batalhar contra lesões no fim do ano passado. Robinho e até Alexandre Pato foram testados no período.

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Depois de cair em um trote de uma rádio espanhola, quando achou que estava conversando com o presidente da RFEF e admitiu que chamaria Diego Costa para o time brasileiro, Scolari de fato convocou o atacante para os amistosos contra Chile e Honduras. O jogador, porém, escolheu vestir as cores da seleção espanhola, tirando o treinador do sério.

“Um jogador brasileiro que se recusa a vestir a camisa da Seleção Brasileira e a disputar uma Copa do Mundo no seu país só pode estar automaticamente desconvocado. Ele está dando as costas para um sonho de milhões: o de representar a nossa Seleção pentacampeã em uma Copa do Mundo no Brasil”, afirmou Felipão, na época, em um vídeo gravado pela Confederação Brasileira de Futebol.

Excesso de confiança, pressão e vexame

Depois de meses sendo perturbado apenas por um assunto que pouco tinha a ver com o futebol jogado dentro das quatro linhas, Felipão enfim chegou aos 30 dias mais importantes de sua vida no dia 12 de junho de 2014. Antes dele, divulgou o nome dos 23 convocados para a Copa do Mundo sem ser muito criticado. A lista foi baseada no grupo campeão da Copa das Confederações. A única surpresa foi o zagueiro Henrique, do Napoli, que tomou a vaga de Miranda, em melhor fase no Atlético de Madrid.

No dia da convocação, o técnico explicou como seria o processo de concentração na Granja Comary. "Não vamos proibir muita coisa, mas vamos tentar organizar da melhor forma possível. Isso de visita todo dia, vai pai, mãe, filho, tio, cachorro... Não, não, não. Vai ser organizado. Quem gostar, gostou. Quem não gostar, ou cumpre ou sai da Seleção, vai para casa com o cachorro e faz o que quiser", afirmou.

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"A parte física é onde vamos focar o início do trabalho, deixar todos equilibrados na parte física, porque a parte técnica ninguém perde. A parte técnica também será trabalhada na medida em que os exames da parte física forem observados e eu tenha os dados para que eu possa trabalhar um pouco mais ou um pouco menos”, acrescentou.

Luiz Felipe Scolari comandou poucos treinos táticos e técnicos com os titulares na Copa do Mundo
Foto: Buda Mendes / Getty Images

E foi aí que a Seleção Brasileira, para muitos, comprometeu o seu melhor desempenho na Copa do Mundo: Scolari comandou poucos treinos táticos e técnicos e deu mais ênfase à recuperação física dos atletas. Resultado? O time mostrou pouca versatilidade e se provou refém de um estilo de jogo que só deu resultado por um mês na Copa das Confederações.

Na estreia da Copa, vitória sofrida e polêmica sobre a Croácia por 3 a 1. O pênalti sobre Fred, que originou o gol da virada brasileira, irritou o técnico croata, Niko Kovac, e fez Felipão mandar indiretas a ele na entrevista coletiva. “Brasil tem cinco títulos mundiais... então foram cinco circos mundiais?”, disse, em resposta à declaração de que a partida teria sido um circo. “Joguei duas (estreias de) Copas. Na primeira, pela Seleção, em 2002, foi um sufoco com a Turquia. Na segunda (em 2006), por Portugal, contra Angola foi difícil. Todos achavam que íamos atropelar”, acrescentou.

A confiança no hexacampeonato era imensa. A todo o momento, Felipão e Parreira deixavam claro que o Brasil era, sim, o principal candidato ao título e que qualquer outro resultado seria decepcionante. O segundo jogo no Mundial terminou com empate por 0 a 0 com o México e, na entrevista coletiva, o treinador se mostrou mais preocupado em reclamar da arbitragem do que em focar nas falhas do time. “Não tem mais pênalti a favor do Brasil?", questionou, referindo-se a um lance do lateral esquerdo Marcelo no fim do jogo. Saiu “bufando” do estádio.

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A classificação às oitavas veio com triunfo relativamente tranquilo por 4 a 1 sobre Camarões, em Brasília. O rival na primeira fase do mata-mata seria o Chile, que eliminara a então campeã mundial, Espanha. Na véspera do jogo, Felipão apresentou semblante abatido e até cogitou a possibilidade de a Seleção cair no Mineirão. “Do outro lado tem oponente que faz trabalho com qualidade. Se forem melhores que nós, não podemos ficar com a cabeça baixa. Não pode se jogar no poço, tem de seguir a vida e temos de valorizar o adversário”, disse.

No fim, o Brasil eliminou os chilenos de maneira dramática nos pênaltis e avançou para enfrentar a Colômbia. O descontrole emocional da Seleção, que já havia sido constatado nas execuções do hino nacional e foi evidenciado no choro do capitão Thiago Silva antes das cobranças de penalidades, porém, fez o treinador se preocupar. A psicóloga Regina Brandão foi chamada para conversar com o elenco, e Felipão se reuniu com cinco “jornalistas amigos” para ter um bate-papo. Nele, teria deixado subentendido o arrependimento na convocação de um atleta.

Principais nomes do Brasil mostraram estar extremamente sensibilizados durante a Copa do Mundo
Foto: Fabrice Coffrini / AFP

O fato, contudo, não interferiu negativamente no desempenho brasileiro. A Seleção jogou melhor contra a Colômbia, venceu por 2 a 1 e avançou à semifinal. Porém, perdeu Neymar, machucado após fraturar a terceira vértebra lombar em dividida com Zuñiga. O próximo desafio seria contra a poderosa Alemanha, e Felipão disse que a ausência do camisa 10 não faria mal ao psicológico do time. “É claro que o Neymar nos deixa muito dele conosco e levou um pouco da gente. Já terminamos essa fase de envolvimento deste aspecto”, declarou.

Na véspera do duelo, Scolari explicou os critérios que seriam adotados para decretar a escalação. “Tenho um grupo espetacular trabalhando comigo. O (Alexandre) Gallo e o Roque Jr. estão seguindo os nossos rivais, olhando os jogos na TV e nos passando detalhes. As informações que nos passaram nos deu a confiança daquilo que vamos fazer amanhã é o correto”, disse.

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O relatório entregue pelos dois observadores técnicos pedia para o treinador povoar o meio de campo, mas ele preferiu escalar Bernard, jovem e franzino, no lugar do machucado Neymar. A escolha se mostrou desastrosa, e a Alemanha simplesmente alugou as intermediárias do Mineirão. Fez quatro gols em seis minutos, e sete em 90. Triunfou por 7 a 1 e eliminou a Seleção Brasileira da Copa do Mundo de maneira impressionante. Foi o maior vexame da história do selecionado pentacampeão mundial.

Scolari, entretanto, disse que a goleada foi atípica. “Não estamos atrasados, perdemos um jogo. Fomos derrotados por uma seleção que teve a capacidade de em seus minutos definir um jogo. Deu pane depois do primeiro gol”, explicou. “As escolhas, a parte tática e a forma de jogar, sou eu que faço e defino. O resultado e quem foi o responsável fui eu", acrescentou. O discurso foi mantido até mesmo no dia seguinte ao duelo, quando ele concedeu entrevista coletiva ao lado de outros seis membros da comissão técnica.

Na véspera da decisão do terceiro lugar, contra a Holanda, em Brasília, Felipão mostrou que não havia esquecido o 7 a 1. Em conversa vazada no sistema de transmissão interna da Fifa com Thiago Silva e o assessor da CBF, Rodrigo Paiva, o técnico disse: “a Alemanha chegou sete vezes e marcou cinco gols. Nos dez primeiros minutos do segundo tempo nós criamos quatro chances de gol. Se nós tivéssemos acertado as quatro, ia estar 5 a 4 em dez minutos”.

O último jogo da Seleção na Copa (e de Felipão à frente do banco de reservas verde e amarelo) terminou com vitória holandesa por 3 a 0, e a quarta colocação ao time da casa. A entrevista coletiva do treinador foi interrompida por Neymar, que deu um longo abraço no comandante. Já ciente de que estava “balançando”, Scolari entregou o cargo à CBF e, em suas últimas palavras como técnico nacional, decretou: “não jogamos mal, e os jogadores merecem, sim, que sejam valorizados pelo que fizeram".

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Pentacampeão mundial deixa a Seleção com uma mancha enorme no currículo
Foto: Ueslei Marcelino / Reuters
Fonte: Terra
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