Um dos principais ídolos do futebol brasileiro, especialmente do Corinthians, onde se projetou, Casagrande faz parte do primeiro time de comentaristas esportivos da TV. Destaca-se por posições críticas e pela coragem com que aborda temas delicados. Gravou recentemente três episódios para a Globo sobre sua relação de dependência com drogas químicas - garante que já venceu essa disputa. Nesta entrevista exclusiva ao Terra, Casagrande fala da Seleção, do futebol atual e da Copa do Mundo.
Claro, ele conta também o que o levou a fazer uma série na TV sobre seu drama pessoal.
Nos treinos da Seleção parece que os jogadores têm um chip na perna e são acionados por controle remoto para correr atrás da bola. O drible, a jogada vistosa, isso quase não se vê mais. Você tem essa percepção?
Casagrande - Sim, com certeza, é tudo mais mecânico, mais tático. O futebol mudou muito, hoje se dá bem mais valor à força física. Graças a Deus eu sou de uma geração em que se jogava bola mesmo. Você ia enfrentar o Flamengo e lá estavam Zico e Júnior. Pegava o Vasco e tinha pela frente o Roberto Dinamite. Em São Paulo também havia uma penca de craques em vários clubes. Era assim nas décadas de 70 e 80. Hoje, os caras não jogam mais bola. É tudo mecânico. Antes, havia o divertimento, uma sensação gostosa de futebol de várzea. Sinceramente, pra fazer o que se faz em campo hoje eu prefiro jogar outra coisa.
A equipe do técnico Tite se diz vacinada contra os efeitos dos 7 a 1 da Alemanha em 2014. Mas, quando começar a Copa da Rússia, o vexame vai voltar à tona, com a imprensa internacional lembrando o que se passou na Copa do Brasil. Isso pode aumentar a pressão para a Seleção?
Casagrande - Tem que se fazer melhor do que em 2014. A volta por cima vai ser jogar bem. Na última Copa não vimos isso. O Brasil não jogou bem nenhuma vez. Era um time arrastado, preso, não houve nenhum momento de futebol agradável. Vai ficar pesado sim se enfrentar a Alemanha. Porque aí a história dos 7 a 1 vai acabar voltando com mais força, com todo mundo lembrando da goleada, essas coisas. Isso acaba afetando o jogador.
Uma das críticas à Seleção em 2014 foi quanto à falta de um trabalho psicológico com o grupo. Para a Rússia, nada mudou. Você é a favor de um acompanhamento do grupo por um profissional da área?
Casagrande - Isso é imprescindível. Se eu fosse o técnico, traria um psicólogo para a equipe, sem nenhuma dúvida. Quando se aproxima a data da estreia, os jogadores não conseguem dormir direito, a ansiedade é enorme, dá um frio na barriga, eles ficam com medo de se machucar nos treinos, a cabeça começa a jogar contra. Ficam imaginando como vai ser o primeiro toque na bola. São todas essas questões em jogo. Nada melhor, portanto, que alguém da Saúde para lidar com isso e ajudá-los. O jogador não consegue resolver isso sozinho e necessita desse cuidado. Não é complicado remediar isso. Difícil mesmo é quando se trata de depressão, dependência química.
Essa ansiedade seria o principal adversário do Brasil em 17 de junho, mais até do que propriamente a Suíça?
Casagrande - Inicialmente, sim. Enquanto a bola não rola, você não sabe o que vai acontecer, o que vai ser de você na Copa. Quando começa o jogo, a perna treme e o jogador prefere até não tocar na bola. Mas quando você acerta o primeiro passe, aí se solta e vai pro jogo. Só então que passa a pensar no adversário.
Pela sua experiência como atleta, acha possível o Neymar, depois de três meses parado por causa de uma fratura num osso do pé direito, voltar à condição anterior, ainda durante a Copa?
Casagrande - Pode sim. Há tempo suficiente. Mas isso só deve se dar após a primeira fase. Agora, o momento é de avaliar se sente dores, se está com medo de fazer as jogadas. Seria importante trabalhar esse lado de autoconfiança dele. Se estiver com dores, o trabalho pode ser mais lento. Ainda assim, acredito que ele possa readquirir a forma. Sua cirurgia foi bem sucedida, a recuperação na fisioterapia, idem. A seu favor a Seleção vai ter o período da primeira fase, que leva dez dias, com três jogos. Acho que chega às oitavas inteiro.
O que levou você ao ato de desprendimento para gravar uma série que conta seu drama pessoal com a dependência química?
Casagrande - Ajudar os outros. O objetivo é esse. Quando tive a ideia de fazer isso, procurei a produção do Fantástico e eles aceitaram na hora. Levamos dois meses para planejar as cenas que deveriam ser feitas e três meses para as filmagens. São três episódios, e o segundo vai ao ar no próximo domingo (27). Estamos mostrando os riscos do uso da droga. Isso é como jogar a moedinha pro alto. Para alguns, pode nao acontecer nada e o cara ter a vida dele normal, no trabalho, em casa, etc. Mas você pode cair numa areia movediça, ficar dependente, não fazer mais nada e virar escravo das drogas. Por meio da minha história, a série conta isso, a partir do meu exemplo negativo, com a dependência, e do exemplo positivo, de ter superado o problema e poder trabalhar como faço hoje, cobrindo a Seleção brasileira.