O futebol brasileiro se dividiu nos últimos dias em receber e não receber os jogos da Copa América 2021, que a Conmebol acertou com a CBF e com o governo de Jair Bolsonaro de serem realizados no País a partir do dia 13 de junho. Alguns Estados não concordam em abrigar as partidas do torneio e não se colocam como opção de sede por causa do aumento da pandemia de covid-19 e a falta de controle da doença. Outros Estados não viram problema porque o futebol está sendo jogado de norte a sul do País, em todas as suas divisões, com protocolos de saúde rígidos e sem público. O torneio será disputado em quatro sedes: Rio, Mato Grosso, Goiás e Brasília, conforme anunciou Bolsonaro.
Essa condição dividiu opiniões. Mas se o futebol está sendo jogado no Brasil, por que então não receber mais uma competição de seleções nos estádios do País? A pergunta é pertinente e traz algumas explicações sobre o momento do Brasil em sua luta contra a pandemia, que não acabou. Talvez esse seja o único problema para o questionamento da Copa América.
Quando um país se torna sede de uma competição com chancela da Fifa ou da Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol), ele precisa se preparar muito antes para receber os times. Isso em condições normais, sem uma pandemia na porta. Há de se pensar em hotéis, centros de treinamento, estádios, traslados, possível torcida nas ruas, tempo de estadia dentro do país, aeroportos, voos, descansos, alimentação, saúde. Tudo isso implica em colaboradores dispostos a ajudar, contratados para todos os serviços necessários.
É preciso acompanhar ainda a entrada de estrangeiros no País, por terra e ar. Não se tem controle nas fronteiras porque o Brasil é aberto aos seus vizinhos. Os testes contra a covid-19 agora são exigidos. Com estrangeiros circulando, existe a possibilidade de novas cepas do vírus serem desenvolvidas. Infectologistas e boa parte dos especialistas da saúde sempre se colocaram contrários à realização do futebol com a pandemia em alta e os hospitais cheios. Uma outra parte defende que ele é seguro com os protocolos e exames regulares.
Mas há outras preocupações com a Copa América de ordem prática neste momento do Brasil: a falta de leitos nos hospitais ou a lotação das UTIs na casa dos 80% em determinadas cidades e Estados, inclusive em hospitais privados.
Portanto, o país-sede de um torneio de seleções teria mais um entrave para atender clinicamente 650 astros das equipes sul-americanas, inclusive a do Brasil, contando jogadores, treinadores e membros das comissões técnicas numa pandemia. Há atletas vindo dos principais clubes da Europa. Alguns já vacinados. A abertura de novos leitos implicaria em novos gastos e também na escolha de quem deveria ser atendido.
Esta, aliás, é uma preocupação dos japoneses em relação aos Jogos Olímpicos, claro, numa condição diferente e para uma massa de atletas estimada em 11 mil no Japão. Em Tóquio, existe a preocupação de os médicos atenderem possíveis casos de covid-19 da comunidade olímpica e virar as costas para sua própria gente. Lá, como no Brasil, a vacinação anda de forma lenta.
O futebol brasileiro está sendo jogado no Brasil numa toada caseira, com os clubes se precavendo por conta própria, em muitos casos, com voos fretados, e hotéis conhecidos e por períodos curtos, de no máximo três dias. As regiões são mais bem demarcadas porque todos se conhecem e conhecem bem o País. Isso ajuda na proteção do futebol. Os exames nos atletas são feitos até três vezes por semana. Há uma série de procedimentos que já entrou na rotina dos profissionais da bola. É muito fácil apontar quem sai desse roteiro, como o zagueiro Arboleda, do São Paulo, pego em festa clandestina na madrugada da semana passada. Ele foi multado e afastado do clube. No caso de seleções chegando ao Brasil, toda essa rotina mudaria. Não é a mesma coisa de Libertadores ou Brasileirão.
Os times brasileiros dos Estados escolhidos poderão perder lugar em suas arenas. Teriam, portanto, de fazer um outro caminho. Mudar a rotina. De qualquer forma, esses clubes terão compensação financeira paga pela Conmebol. Os investimentos da Copa América estão na casa dos R$ 650 milhões. Ele é rentável, mas praticamente empata seus valores, de acordo com informações oficiais da Conmebol. O time campeão leva R$ 52 milhões de prêmio.
NÃO HOUVE DISCUSSÃO
É inegável que boa parte da reação dos brasileiros sobre a Copa América no Brasil foi provocada pelo sentimento de que a CBF e a Conmebol, juntamente com o presidente Jair Bolsonaro, tomaram a decisão muito rapidamente, sem consultas ou discussões prévias, quando o País estava preocupado com seus problemas caseiros, inclusive a pandemia, mas também a falta de emprego, o aumento da energia elétrica...
E de repente apareceu um torneio de futebol no seu caminho. Receber a competição de sopetão tem um significado simbólico em meio à luta contra a covid-19. Torneio certo em hora errada. O brasileiro pode baixar a guarda contra a covid-19, como temos vistos em algumas festas clandestinas. Bolsonaro sempre disse "sim" ao futebol desde que assumiu a presidência. Esteve em estádios, usou camisas de diferentes times, recebeu os dirigentes da CBF e da Conmebol, tem apreço pela seleção brasileira, pegou para si o verde e amarelo e usa o futebol para ajudá-lo em seu trabalho.
Num Brasil que coleciona mortos, quase meio milhão, e volta a lotar hospitais e a fechar cidades, uma decisão como essa de trazer mais um campeonato de futebol gera desconfiança, sugere falta de foco e aponta para prioridades que não estavam na lista do brasileiro. Agora, as partes tentam traçar os caminhos para a regulamentação. "Se depender de mim, haverá (Copa América)", disse Bolsonaro, dando o tom do que foi combinado com seus pares da CBF e Conmebol. No fim da tarde desta terça-feira, o presidente confirmou as quatro sedes: Brasília, Goiás, Mato Grosso e Rio. Vai ter Copa.