Ídolos viram executivos em 'nova turma' de ex-jogadores que ainda busca profissionalização

Victor, do Atlético-MG, avalia experiência na função em conversa com o 'Estadão'; projeto que regulamenta a profissão está parado desde 2022 no Senado

24 set 2024 - 09h40
(atualizado às 12h32)

Tão logo encerrou a carreira, em partida pelo Campeonato Mineiro, em fevereiro de 2021, Victor Bagy foi anunciado como gerente de futebol do Atlético-MG. Foram 424 jogos na meta atleticana, decidindo com as mãos - e por vezes o pé esquerdo, como em 2013, na Libertadores.

Três anos depois, Victor foi promovido a diretor de futebol. Para o desafio ser ainda maior, ele substituiria Rodrigo Caetano, nome forte do Atlético-MG e chamado a prestar seus serviços para a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) em fevereiro.

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"Foi um dos grandes pontos para tomar a decisão de encerrar minha carreira. Foi um processo rápido, mas que não me pegou desprevenido, porque eu já vinha me especializando. E sempre tive a referência do Rodrigo Caetano para poder adquirir conhecimentos específicos da função. Foi um processo não tão traumático, foi natural, porque eu realmente me preparei. E estava em um clube com o qual eu me identificava e já conhecia o dia a dia, a cultura do futebol do clube", conta Victor ao Estadão. Aos 22 anos, ele havia se formado em Educação Física e, antes de assumir o primeiro cargo, ele fez o curso de executivos da CBF.

Ainda em 2021, o ambiente do Atlético-MG favoreceu. Para Victor, contudo, isso não é garantia de sucesso. "O fato de você ter uma ligação forte com o clube é um caminho que te abre. Isso é inegável. Mas, se você não estiver preparado, você não se sustenta. Uma coisa é você ser atleta, outra é estar preparado para assumir", pondera.

O que também facilitou para o ex-goleiro foi contar com um dos principais nomes no mundo dos executivos do futebol, quem ele acabou substituindo neste ano. "Foi quase um estágio com o Rodrigo. O fato de ele ter me indicado e ter validado a minha efetivação me deu muita tranquilidade, porque foi a palavra dele, que tem um peso", lembra.

Já um obstáculo foi a transição rápida. Victor assumiu como gerente e foi do vestiário para a administração, exigindo uma mudança em relação aos ex-companheiros de elenco. "Eu tive essa dificuldade de me distanciar e comunicar para os atletas que eu estava numa outra função, num nível de comando. Para não perder também a boa relação, porque eu tinha jogado com todos, afinal de contas. Até hoje é algo que eu tenho, essa preocupação de ter um ótimo relacionamento com os atletas", comenta.

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Ele considera que tomar decisões que podem não agradar "faz parte da função", mas comemora o modo de trabalho do Altético-MG. "Aqui nós temos uma comunicação muito direta com a diretoria, com os donos do clube. Funciona muito bem toda a tomada de decisão, que nunca é feita de forma isolada. Sempre é compartilhada e debatida. Quando acerta, acertam todos. E quando você tem essa coletividade facilita bastante" avalia.

Senado analisa regulamentação, e formação vai de R$ 370 a R$ 13,5 mil

Não é exatamente uma novidade que ex-jogadores ocupem função de dirigentes. Edu Gaspar tem carreira desde 2012, entre Corinthians, seleção brasileira e Arsenal. Raí é outro exemplo, que foi diretor-executivo do São Paulo entre 2017 e 2021. Entretanto, mesmo com nomes conhecidos, a profissão aguarda regulamentação desde 2017.

Um projeto de lei (PL 7396/2017) tramitou lentamente pela Câmara dos Deputados e foi aprovado em 2021, chegando ao Senado somente em 2022. De modo geral, a proposta institui a profissão formalmente, estabelece atividades do executivo de futebol, além de tornar obrigatória a formação em cursos reconhecidos para a função.

A matéria está, desde março, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, sob relatoria de Cid Gomes (PSB-CE). Após relatório, o texto ainda vai tramitar nas comissões de Assuntos Sociais, Assuntos Econômicos e Educação e Cultura, mas não há data prevista para a finalização da primeira análise.

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A regulamentação é uma pauta defendida pela Associação Brasileira dos Executivos de Futebol (Abex). Atualmente, a entidade conta com 112 filiados, dos quais 12 são ex-jogadores. Para filiar-se, não é cobrada taxa, mas há cobrança de uma anuidade a depender da categoria.

  • Gerentes, supervisores e coordenadores e profissionais sem clube: R$ 990.
  • Executivos empregados: R$ 1.980.

A Abex lista cursos recomendados para a formação em gestão do futebol. São citados programas nacionais, como da Universidade do Futebol e da CBF Academy. As aulas são online e valores que variam de R$ 372 a R$ 13,5 mil.

A formação em gestão de clubes da Universidade do Futebol, por exemplo, é a mais barata e prevê oito aulas que somam 15 horas. Ela é recomendada a quem já atua no esporte. Mais amplo e sem recomendação de público, o Programa Gestão de Clubes de Futebol, da mesma instituição, oferece 143 aulas onlines, somando 170 hora, por R$ 2.590.

A CBF Academy é mais exigente. É preciso que os interessados já tenham experiência como executivo ou função similar; atleta ou treinador; graduação em Educação Física, Esporte ou Administração (ou correlatos; graduação em qualquer curso de Graduação e possuir Certificado de Conclusão do Curso de Gestão de Futebol da CBF Academy.

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O curso "Gestão de Futebol" tem 160 horas, divididas em oito módulos. O custo é R$ 13,5 mil. Para participar, é preciso esperar abertura de turmas. A próxima começa em outubro e irá até setembro de 2025.

Para o mestre em Direito Internacional do Esporte e autor do livro "Direito aplicado à gestão do esporte", Cristiano Caús, a regulamentação, por si só, não garante profissionalização, mas se juntaria a um escopo de leis que caminha nesse sentido

"Foi o que ocorreu, por exemplo, com os serviços oferecidos aos consumidores esportivos, que tiveram enorme salto de qualidade a partir 2003, quando foi publicado o Estatuto do Torcedor. Também notamos grande avanço na relação patrocinador-entidade esportiva após a edição da Lei de Incentivo ao Esporte, em 2006, o que culminou no fortalecimento do esporte olímpico brasileiro.", avalia.

"Os novos investidores que aportaram no país recentemente, estimulados em grande parte por outra lei, a da SAF, encontraram um ambiente profissional muito mais maduro e capacitado, tanto que com exceção das posições técnicas, dentro de campo, não se vê muitos estrangeiros ocupando cargos de gestão", conclui o advogado, que defende que o ambiente de formação, organizações como o Abex e o intercâmbio de conhecimentos com outros países se complementam na evolução da gestão.

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