A série especial Pioneiras resgata os bastidores do futebol feminino a partir do ponto de vista de várias personagens importantes para a modalidade. Conheça a história de cinco mulheres --entre elas ex-jogadoras, técnica, jornalista e familiares de atletas-- que se destacaram no mundo da bola, apesar das dificuldades de um ambiente ainda muito desigual e machista.
Elas provam que o lugar da mulher também é no futebol, seja com a bola no pé, a bandeira na mão, na beira do campo ou narrando uma partida.
• Luciana Mariano
No 1º capítulo, a narradora Luciana Mariano, que foi a primeira mulher a narrar futebol feminino e masculino na televisão brasileira, relata a dificuldade de ocupar espaço em uma área ainda formada majoritariamente por homens.
"As pessoas são muito apegadas a hábitos. Eu ouvi a vida inteira um homem narrar. Quando ouço uma coisa diferente disso, eu entendo que causa estranhamento em algumas pessoas, mas, ao mesmo tempo, a gente não pode declinar. Em 20 anos, eu narrei de 40 a 50 jogos. Nesse mesmo período, um narrador fez 8.000. Como a gente compara quem é melhor ou pior?", questionou
Em meio às conquistas, a jornalista ainda enfrenta o machismo e a desconfiança. Ela já recebeu inúmeras ameaças em suas redes sociais. Advogados e psicólogos avaliam os conteúdos enquadrados como crimes de ódio. Centenas de processos foram abertos, muitos já julgados, e revertidos em serviços sociais.
• Nadine Basttos
As primeiras gerações de mulheres na arbitragem precisaram superar preconceitos e desafios para se estabelecer no futebol. Em um cenário onde ser mulher e jogar bola era proibido por lei, a arbitragem feminina era ainda mais improvável. A ex-auxiliar de arbitragem Nadine Basttos fez parte das gerações de mulheres pioneiras da categoria e foi a segunda entrevistada da série especial de reportagens do Terra.
Por indicação de uma amiga, a catarinense iniciou o curso de arbitragem em 2007, quando sentiu o primeiro choque. Em uma turma de 30 homens, ela e a amiga eram as duas únicas mulheres. Em 2010, estreou no Brasileirão da Série A, atuou em grandes jogos e, anos depois, integrou o seleto quadro de árbitros da Fifa.
A catarinense contou que passou por inúmeras situações em que foi colocada à prova apenas por ser mulher, quando, por exemplo, foi apitar um grande clássico estadual e escutou que "não queriam mulheres no jogo". "Eu escutei a palavra desistir com muita frequência. Certa vez disseram: 'Não se estressa com isso, você não vai ter chance'", revelou.
• Francielle Alberto
A ex-jogadora Francielle Alberto, 3ª entrevistada do Pioneiras, acumula a experiência de já ter defendido a Seleção Brasileira por 14 anos com o fato de ser casada com Andressa Alves, uma das principais atacantes do grupo de Pia Sundhage. A história de Fran no futebol começou no futsal em uma escolinha de Itanhaém, litoral paulista. Ainda criança, ela foi descoberta pelo técnico Kleiton Lima.
A experiência de anos faz Fran ter um olhar atento aos avanços que as mulheres vivem no esporte. Para o Mundial da Austrália e Nova Zelândia foi anunciada pela primeira vez uma logística exclusiva, feita para a aclimatação das jogadoras que lidam com o fuso de 13 horas em relação ao Brasil. Voo fretado, roupas de viagem e delegação com número recorde de 17 mulheres são as novidades observadas pela ex meio-campista.
"Quando eu comecei na Seleção, a diária era R$ 35. Ficávamos 20 dias na Granja Comary treinando e no dia do pagamento, ganhávamos R$ 900 porque ainda havia desconto. Naquela época, para mim já era muito. Em uma viagem para a Austrália a gente fazia 12 horas de voo, ficava sete horas no aeroporto em escala, para pegar outras 13 horas, em classe econômica", lembrou.
• Rosana Augusto
No 4º episódio, Rosana Augusto lembrou do seu amor pelo futebol. Aos seis anos, a ex-lateral da Seleção já jogava bola na rua. No entanto, o contexto não era favorável. A paulistana nasceu em 1982, um ano antes da lei que proibia a prática do futebol feminino ser revogada.
"Eu era repudiada pelo meu pai, que não apoiava, até por conta da proibição que teve. Naquele momento o futebol era para meninos. Mas eu consegui quebrar essa barreira dentro de casa, comecei a jogar no futsal do colégio", afirmou.
Após a derrota no Mundial de 2007, as atletas protestaram com cartazes. Na época, o futebol feminino nacional não possuía um calendário regulado pela CBF, e as jogadoras chegaram para a Copa sem ter disputado amistosos e jogos preparatórios. "Era uma época que tinham nos prometido algumas coisas e a gente cobrou de forma pública, mas porque a gente sempre lutava por um prato de comida. Então a gente ia para as competições sempre com o pedido de que teríamos que ganhar para que a modalidade continuasse evoluindo", relembrou.
• Lindsay Camila
A nova auxiliar-técnica da Seleção Feminina sub-15 e sub-17, Lindsay Camila, fechou a série de Pioneiras revelando as dificuldades das mulheres em comandar equipes. Apaixonada por futebol desde pequena, ela foi primeira técnica mulher a ganhar uma Libertadores feminina. Na infância, jogava bola com os primos, mesmo escutando piadas pelo tamanho e por ser menina. Com sua personalidade forte, Lindsay ignorava os comentários e provava através da habilidade que podia jogar futebol.
"É muito difícil ser mulher treinadora", desbafou. Ela conta que após voltar a ser auxiliar na base da seleção, ouviu comentários que desmereceram a posição, mas isso não abalou sua confiança. "Eu vou para onde eu vou ser feliz, eu vou para onde as pessoas vão acreditar no meu trabalho."
Quando decidiu ser jogadora, Lindsay foi desestimulada pela família. Ela afirma que o único apoio que recebeu foi da mãe. Enquanto atleta, passou por clubes como Lyon e Le Puy, da França, mas acabou se aposentando cedo por causa das lesões.