Primeira técnica mulher a ganhar uma Libertadores feminina, Lindsay Camila é apaixonada por futebol desde pequena. Na infância, jogava bola com os primos, mesmo escutando piadas pelo tamanho e por ser menina. Com sua personalidade forte, Lindsay ignorava os comentários e provava através da habilidade que podia jogar futebol.
“Não lembro de um segundo da minha vida em que não tivesse a palavra futebol nela” afirmou a técnica em entrevista ao especial Pioneiras, do Terra.
Atualmente, Lindsay está como auxiliar-técnica da Seleção Feminina sub-15 e sub-17, ao lado de Simone Jatobá. Porém, o currículo é longo e vitorioso. Em sua passagem pela Ferroviária, levou o clube ao título da Libertadores. No Atlético-MG, conquistou venceu estaduais e garantiu acesso da equipe à série A1 do Brasileiro.
"É muito difícil ser mulher treinadora", ressalta. Ela conta que após voltar a ser auxiliar na base da seleção, ouviu comentários que desmereceram a posição, mas isso não abalou sua confiança. "Eu vou para onde eu vou ser feliz, eu vou para onde as pessoas vão acreditar no meu trabalho."
Carreira e Futebol Europeu
Quando decidiu ser jogadora, Lindsay foi desestimulada pela família. Ela afirma que o único apoio que recebeu foi da mãe. Enquanto atleta, passou por clubes como Lyon e Le Puy, da França, mas acabou se aposentando cedo por causa das lesões.
Ainda na França, iniciou os estudos e a carreira como técnica na base do Lyon. Para a treinadora, algumas diferenças estruturais separam o futebol feminino brasileiro do europeu: "Na Europa sempre deram mais acesso para o futebol feminino, a estrutura física é muito diferente comparada com a daqui. Lá o feminino é tratado como masculino."
Porém, nos últimos anos, ela vê uma melhora no Brasil. "Muitos clubes estão trabalhando para se profissionalizar em todos os âmbitos. Algumas equipes chegam perto dessa estrutura, mas são times com mais orçamento, como Corinthians, Flamengo e Palmeiras", analisou.
Lindsay comenta que a pouca divulgação do futebol feminino no Brasil é um dos principais fatores que impedem o crescimento da categoria.
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Um exemplo do período em Minas Gerais exemplifica isso. Durante uma partida do Atlético-MG masculino, ao falar que trabalhava no clube, perguntaram: "Você trabalha na loja do Galo?". Ela disse que era a técnica do time feminino e escutou: "Mas tem futebol feminino no Galo?". Naquele ano, as atletas tinham sido campeãs da série A2 e a torcida não sabia.
"Televisionar futebol feminino é algo que tem que ser mais constante. Acho que o dia que as pessoas entenderem que nós mulheres somos as que mais consumimos. Eles vão começar a valorizar o futebol feminino e a entregar o produto", completou.
Desafios
Nem a carreira vitoriosa livrou a técnica de passar por situações desagradáveis. Ela afirma que é colocada à prova com frequência apenas por ser mulher: “É difícil. Ter que estar se provando cansa. Por mais que a gente tenha uma personalidade forte, ou que seja vitoriosa, sempre falam algo.”
Lindsay compartilha um episódio em que a própria equipe desvalidou seu trabalho. “Eu ouvi da minha comissão que tive sorte de ter sido campeã mineira. A minha própria comissão falar que eu tive sorte. Foram dois campeonatos, não foi um só, foram dois anos seguidos”, explica.
A ex-jogadora afirma que as comissões, a diretoria e até o público têm menos tolerância com técnicas mulheres: “Se eu grito é porque eu sou a louca, se o cara grita é porque ele tem personalidade. Se eu falo de um jeito mais rígido, é porque eu tô de TPM, se o cara fala, é porque ele é o paizão e quer proteger.”
A técnica revela que gostaria de ter passagens mais longas pelos clubes, mas devido à falta de paciência e interesse dos comandantes, as mulheres são demitidas em curtos prazos, “eu passei por isso duas vezes. E fui mandada embora depois de vitórias”.
Lindsay carrega o título de ser a primeira técnica a ganhar uma Libertadores feminina. O título foi em 2020, mas segundo ela, até hoje não parou para pensar na magnitude dessa conquista: “Daqui 20 anos ou até a próxima mulher ganhar eu ainda vou ficar sem entender um pouco”. Mas se mostra feliz por todo reconhecimento que recebeu, inclusive uma homenagem do criador da Turma da Mônica, Maurício de Souza.
Sobre seu estilo de trabalho, Lindsay se considera "uma técnica que não tem medo". E dentre outras qualidades, destaca que é honesta e ética. "Isso é algo assim que eu não abro mão, de ser honesta e ética. Às vezes, as atletas não estão muito acostumadas com a honestidade", relata.
Lindsay conta que ama assistir aps jogos de futebol, de todas as categorias e divisões. Ela está acompanhando a Copa do Mundo Feminina de 2023 e se mostra otimista: "Eu acho que o Brasil chega a uma semifinal, no mínimo. A gente chega pela competência das atletas, da Pia e do trabalho da equipe."