Drive-in e 10 a 1: os efeitos do 'novo normal' do futebol

Modalidade tenta se adaptar ao novo coronavírus com criatividade e medidas inéditas

30 jun 2020 - 05h12
(atualizado às 08h32)

O retorno gradual do futebol ao mundo depois da longa paralisação provocada pelo novo coronavírus tem rendido uma série de curiosidades que vão bem além de jogos por portões fechados, gols sem abraços e rotinas de testes. O chamado "novo normal" traz também uma lista de acontecimentos inusitados, soluções inéditas e até aberrações em placares e estratégias.

Para contar essas histórias, o Estadão pesquisou mundo afora os acontecimentos mais curiosos e entrevistou jogadores brasileiros que testemunharam de perto alguns impactos diferentes da pandemia. Além do episódio das bonecas infláveis na Coreia do Sul, do Maracanã com jogo de futebol ao lado do hospital de campanha ou das fotos de torcedores em assentos pela Alemanha, o futebol vivenciou mais outras situações que permaneceram um pouco escondidas.

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Espiões na laje e aluguel temporário

Se os jogos são com os portões fechados, a torcida precisa dar um jeito para acompanhar. E opções inusitadas não faltaram nesta nova fase do futebol mundial. Um dos exemplos foi na Síria, onde um grupo de pessoas subiu à laje de um prédio abandonado vizinho ao estádio para acompanhar o jogo em uma posição privilegiada.

Em um outro país, quem tentou se aventurar por esse mesmo caminho não teve sucesso. O atacante brasileiro Teco, do KF Laçi, da Albânia, presenciou uma situação curiosa. "A partida começou e não tinha ninguém acompanhando o jogo. Do nada, começamos a escutar o grito da nossa torcida, como se estivesse dentro do estádio. Quando olhei em volta, eu vi os torcedores na laje, e até achei engraçado. Do nada apareceram e ficaram lá amontoados, cantando e gritando", contou.

Mas a investida durou pouco. A polícia foi até lá e retirou o grupo da laje para preservar os cuidados sobre distanciamento social. "Mesmo com a polícia retirando eles da laje, eles continuaram cantando fora do estádio durante todo o jogo, para nos incentivar durante os 90 minutos", afirmou. O apoio deu certo. O time dele bateu o KF Kukësi por 2 a 0.

Em Portugal um grupo de torcedores do Porto foi mais sofisticado. No jogo do time como visitante contra o Aves, a ideia deles foi de pagar para uma moradora vizinha do estádio do Aves pudesse recebê-los dentro de casa. Com o acordo firmado, eles penduraram uma bandeira do Porto na sacada e foram os únicos espectadores do empate por 0 a 0.

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Drive-in

Paide Linnameeskond, time do brasileiro Bruno Caprioli, fez 'drive-in' para os torcedores poderem assistir o jogo
Paide Linnameeskond, time do brasileiro Bruno Caprioli, fez 'drive-in' para os torcedores poderem assistir o jogo
Foto: Divulgação/Meistriliiga / Estadão Conteúdo

Se a torcida não pode se aglomerar dentro dos estádios, reunir-se em um estacionamento está permitido. Por isso, alguns times na Estônia e na Dinamarca tiveram a ideia do drive-in, nos moldes dos antigos cinemas da década de 1950. Os clubes instalaram telões em um amplo pátio para que o público pudesse acompanhar os lances, mas dentro dos respectivos carros.

"Aqui na Dinamarca estão tentado inovar bastante. Nossa equipe fez o drive-in, que para mim foi uma coisa inédita. Algumas equipes até colocaram a torcida cantando, ou fotos na arquibancada", afirmou ao Estadão o zagueiro Paulinho, do Midtjylland. No futebol local ainda teve time que instalou telões ao redor do gramado para as imagens dos torcedores serem reproduzidas ali em tempo real, por videoconferência.

Na Estônia, o meia brasileiro Bruno Caprioli, do Paide Linnameeskond, foi outro a ter aprovado o drive-in organizado para a torcida, "O time gostou muito. É um jeito dos torcedores se sentirem perto da gente. É bom sentir que eles estão torcendo", comentou.

Pandemia faz audiência aumentar

Brasileiro Lucas é capitão e um dos principais jogadores do Kisvárda, da Hungria
Foto: Divulgação/Kisvárda / Estadão Conteúdo

A organização do Campeonato Húngaro acabou beneficiada de certa forma pela pandemia do novo coronavírus, apesar de todos os problemas. A liga conseguiu ampliar a comercialização dos direitos de transmissão para países vizinhos e também incrementou a grade de jogos inclusive na TV local, devido ao interesse regional de voltar a ver o futebol.

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O meia brasileiro Lucas mora há 13 anos na Hungria, onde é capitão do Kisvárda e testemunha alguns dos impactos positivos. "Outros países passaram a transmitir o futebol húngaro, principalmente Eslováquia, Romênia e Ucrânia. Alguns até já passavam os jogos, mas aumentou muito a quantidade de transmissão", disse.

O retorno do futebol mexeu até com a grande de transmissão de alguns canais. "A TV húngara fez um esquema para transmitir os jogos das rodadas. As partidas tiveram horários diferentes, para todo mundo passar a acompanhar ao vivo. Temos 12 times e são seis jogos por rodada. Mas antes só passavam três ou quatro na TV e o resto era online. Agora mudou tudo isso", comparou.

Público pode, mas só até 500 torcedores

Gustavo joga no Vion Zlate Moravce, da Eslováquia
Foto: Divulgação/FC Vion Zlate Moravce / Estadão Conteúdo

No futebol da Eslováquia, a liga local foi retomada com uma determinação diferente. No mês de junho as partidas poderiam ter só 500 pessoas e a partir de julho, o número aumenta para mil. A limitação de ingressos provoca a curiosa situação de que grande parte das entradas ficam nas mãos dos jogadores e dirigentes, que têm direito a uma cota fixa para distribuir a amigos e familiares.

O meia brasileiro Gustavo joga pelo Vion Zlate Moravce e explicou ao Estadão com funcionava a distribuição de entradas em junho. "Dos 500 ingressos, só 300 eram vendidos na bilheteria para o público. Os outros, cem ficavam para um clube e outros cem para o adversário", afirmou. A torcida voltou a frequentar os estádios com uma distância maior entre os presentes. Demarcações nas cadeiras garantem o cumprimento dessa regra.

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Para o jogador, mesmo que seja um público bem limitado, é mais prazeroso do que jogar com os portões fechados. "Para mim é mais estranho jogar no estádio vazio. Por mais que sejam só 500 pessoas, tem alguém vendo o jogo. A gente gosta de poder jogar e ter gente nos assistindo", comentou.

Surtos e categorias de base

Elenco do Sochi comemora um dos gols do massacre de 10 a 1
Foto: Divulgação/Sochi / Estadão Conteúdo

O Campeonato Russo sofre com uma série de adiamentos nesta retomada. Uma regra local exige que se um elenco tiver casos do novo coronavírus, o time inteiro terá de permanecer de quarentena. Por isso, algumas partidas estão por enquanto sem data, mas um dos compromissos teve de ser realizado mesmo assim. E teve um resultado muito incomum.

No dia 19, o Rostov enfrentaria o Sochi, fora de casa, e pediu o adiamento da partida. O objetivo foi remarcar o jogo para uma outra ocasião, já que o elenco estava com seis jogadores contaminados. Próximo da zona de rebaixamento e em busca de pontos, o Sochi não aceitou a proposta. Sem saída, o Rostov enviou ao jogo um time de garotos sub-17 e perdeu por 10 a 1.

"Fomos inferiores aos nossos adversários unicamente por causa da capacidade física", disse o jogador Roman Romanov, de 17 anos, autor do único gol do time goleado. Nem mesmo a comissão técnica aceitou participar da partida.

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