"Crimes de colarinho branco têm seus maiores impactos sobre aqueles que sequer possuem um terno". A frase dita por Christopher Gaffney, jornalista que estuda eventos esportivos mundiais na Universidade de Zurique, na Suíça, consegue definir muito bem o que o maior escândalo da história do futebol é capaz de provocar. Não são nos grandes clubes que a corrupção de dirigentes da Fifa causa o maior estrago. E sim onde os olhos do planeta não costumam se fixar.
A agência AP resolveu investigar o que atletas e funcionários dos chamados “clubes pequenos” pensam a respeito do fato que abalou o esporte mais popular do mundo na semana passada. Cinco executivos e sete dirigentes da Fifa foram presos dois dias antes da eleição presidencial da entidade, em Zurique, acusados pela FBI de corrupção e extorsão. O desvio de mais de US$ 150 milhões (cerca de R$ 450 milhões), somado a irregularidades em contratos de direitos de televisão e pagamentos de propina no processo de escolha das sedes das Copa do Mundo de 2018 e de 2022, revoltam aqueles que geralmente não têm voz.
“Eles tiraram o nosso dinheiro”, ataca Fabio Braz, zagueiro brasileiro de 36 anos que atualmente joga pelo América-RJ. O defensor, que já teve passagens por Vasco e Corinthians, é a garganta de um clube que agoniza em dificuldades financeiras e está localizado a apenas 50 quilômetros da CBF, entidade que viu o seu ex-presidente, José Maria Marin, ser um dos dirigentes presos em Zurique na última quarta-feira. Era Marin, por sinal, quem dava nome à luxuosa sede da confederação que comanda o futebol brasileiro.
“Estamos aqui diariamente colocando o nosso trabalho à prova, ganhando nosso sustento, defendendo nossas famílias, lutando pela nossa sobrevivência...", relata Fabio Braz, em meio aos entulhos do Estádio Giulite Coutinho. A casa do América-RJ é o contraste perfeito à sede da CBF, recentemente inaugurada após despejo de R$ 70 milhões.
O clube vermelho e branco foi uma das potências do futebol carioca há 40 anos, mas, agora, disputa apenas a Série B do Estadual do Rio de Janeiro. Imerso em dividas milionárias, só consegue pagar aos jogadores salários que dificilmente superam os R$ 1500. “A maioria dos clubes de futebol no Brasil tem grandes problemas. Os jogadores não são pagos, e aí você vê como a CBF está: cheia de dinheiro e luxo", critica Braz.
Curiosamente, o atual supervisor do América-RJ é Wagner Tardelli, ex-árbitro de futebol. Ele, que tem tatuados no braço direito os símbolos da Fifa e da CBF, viu sua carreira “ser arruinada”, como mesmo define, por Marco Polo Del Nero. O presidente da confederação brasileira impediu Tardelli de apitar a partida entre Goiás e São Paulo, pela última rodada do Campeonato Brasileiro de 2008. O motivo? Um suposto movimento para que o juiz agisse em favor da equipe tricolor em troca de ingressos para um show da Madonna, no Morumbi.
Desde então, Tardelli largou a carreira de árbitro, processou e ganhou a causa contra o dirigente, mas ainda não se satisfez. “Gostaria de vê-lo na cadeia”, afirma. “O que vemos na CBF é a mais pura impunidade. A verdade é que ela opera como um estado separado, e nenhum presidente neste País se mostrou capaz de mudar essa instituição", acrescenta, olhando para o treinamento do time juvenil do América-RJ. “Se este dinheiro todo tivesse sido usado para as crianças e ligas de base não teria ajudado mais?”, decreta.
A resposta para esta pergunta parece simples. Menos para os homens que comandam o futebol.