A Fifa, que, às vésperas de seu Congresso teve sete dirigentes presos pelo FBI, já enfrentava acusações de corrupção havia mais de duas décadas. Já em 2002, o jornal britânico Daily Mail denunciava um suposto esquema de compra de votos que teria ajudado Joseph Blatter a se eleger na Fifa – o suíço venceu Lennart Johansson na ocasião por 111 a 80 votos e, desde então, comanda a entidade. Mas foi a partir de 2010 que as denúncias de corrupção começaram a ser investigadas mais a fundo. E também a envolver dirigentes brasileiros.
Ricardo Teixeira, presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) de 1989 a 2012 e então membro do Comitê Executivo da Fifa, foi citado em boa parte delas. A primeira veio em novembro de 2010, dias antes da reunião da Fifa que decidiria as sedes dos Mundiais de 2018 e 2022 – que acabaram com Rússia e Catar, respectivamente –, quando a BBC mostrou documentos da empresa de marketing esportivo ISL comprovando o pagamento de propina a Teixeira.
Os documentos fizeram parte de uma investigação da promotoria da Suíça, que também envolveu o mentor de Teixeira e homem forte da Fifa desde 1974, João Havelange. Presidente da entidade máxima do futebol até 1998, Havelange também teria recebido suborno da ISL, de 1992 a 2000. Os dois juntos teriam embolsado R$ 45 milhões.
A investigação confirmou as irregularidades dos dirigentes, mas terminou com um acordo judicial – a Fifa teria aceitado devolver o dinheiro à ISL, que já havia decretado falência na época. "Ah é? Devolvi dinheiro? Então, cadê? Por que ninguém mostra?", disse Teixeira à revista Piauí em julho de 2011, sua última entrevista antes de sair de cena. "Eu nem era do Comitê Executivo nessa época, iam me subornar para quê?"
No ano seguinte, em maio de 2011, o então presidente da Federação Inglesa, David Triesman, alegou que Teixeira e outros três dirigentes da entidade (Jack Warner, vice-presidente da Fifa à época, Nicolás Leóz, presidente da Confederação Sul-Americana de Futebol, e Worawi Makudi, presidente da Federação Tailandesa) pediram suborno a ele para votarem na Inglaterra na eleição da sede da Copa do Mundo de 2018.
Ainda em 2011, às vésperas da eleição para a presidência da entidade, vazou a informação de que o candidato catariano Mohammed Bin Hamman havia comprado votos para o pleito. Foi Chuck Blazer, então secretário geral da Concacaf (Confederação Norte-Americana de Futebol) e um dos réus confessos na investigação mais recente feita pelo FBI, que começou a denunciar a possível compra de votos na eleição da Fifa. A entidade fez uma investigação interna e suspendeu por toda a vida o catariano por violação do Código Ético.
Em 2012, foi a vez da própria Fifa publicar a documentação que comprovava a propina paga pela ISL a Teixeira e Havelange e afastar os dois da entidade – Havelange era considerado "presidente de honra" da Fifa na época.
A escolha do Catar, em 2010, para sediar a Copa de 2022 tem sido alvo de várias denúncias de irregularidade. O país tinha derrubado a Austrália, Japão, Coreia do Sul e, por último, Estados Unidos (14 votos a 8) para ganhar a chance de receber o Mundial. Em 2013, a revista francesa France Football denunciou um suposto esquema de pagamento de propina a dirigentes da Fifa para assegurar a vitória do Catar. Mais uma vez, apareceu o nome de Ricardo Teixeira como um dos beneficiados com o suborno.
Pressionada, a Fifa anunciou uma investigação interna da Comissão de Ética sobre a escolha das sedes das Copas de 2018 e 2022. O relatório final, de 350 páginas, feito pelo ex-promotor americano Michel J. García, foi entregue no ano passado. Mas o conteúdo dele nunca foi divulgado pela entidade, que decidiu arquivar o caso concluindo que não houve irregularidades nas duas eleições. García chegou a apelar à Comissão Disciplinar da Fifa para reabrir o caso, mas renunciou depois de ter seu pedido negado em dezembro do ano passado.
Nesta semana, as denúncias de corrupção na Fifa não vieram de um ex-dirigente, jornal ou relatório, vieram da polícia federal americana, o FBI. É provável que venham à tona várias novas revelações. O promotor americano Kelly Currie avisou que a investigação está apenas no início. "Quero deixar bem claro: este é só o começo do nosso esforço, não o final."
Escândalos anteriores no Brasil
Envolvido nos escândalos da Fifa, Ricardo Teixeira também foi alvo de investigações no Brasil por supostos casos de corrupção na CBF. Entre 1998 e 2000, duas CPIs sobre o assunto foram abertas no Congresso - uma na Câmara, para investigar os contratos da CBF com a empresa de material esportivo Nike, e outra no Senado, chamada CPI do futebol.
A comissão da Câmara durou nove meses. O relatório final, feito pelo deputado Silvio Torres (PSDB), propôs o indiciamento de 34 nomes, entre dirigentes do futebol, empresários e outros envolvidos com irregularidades na CBF.
Mas todas as investigações acabaram arquivadas, e Ricardo Teixeira conseguiu proibir o relatório de ser tornado público – não é possível encontrá-lo na internet. O livro CBF/Nike, escrito por Aldo Rebelo, presidente da CPI, e Silvio Torres, relator, foi embargado pela Justiça.
"No Brasil, ele (Ricardo Teixeira) saiu ileso. Ele sempre teve uma rede de proteção política, jurídica e até judicial. Por conta do futebol, ele conseguia inibir muitas das iniciativas contra ele", disse o relator da CPI à BBC Brasil.
Em sua última entrevista, Teixeira desdenhou da CPI. "Reviraram tudo e não acharam nada. Foi tudo arquivado. E aí? O Ministério Público é incompetente, então?", disse à Piauí.
Agora é o sucessor de Teixeira que é alvo de investigação. José Maria Marin foi detido pela polícia suíça em Zurique e é suspeito de ser um dos cinco beneficiários de uma propina de US$ 110 milhões (R$ 330 milhões) para negociações de direitos de transmissão de quatro edições da Copa América (2015, 2016, 2019 e 2023).
Veja a cronologia de denúncias:
Fevereiro de 2002 : Denúncias do jornal Daily Mail dão conta de que Joseph Blatter teria comprado votos para sua primeira eleição na Fifa, em 1998.
Novembro de 2010: BBC divulga documentos da ISL comprovando pagamento de propina da empresa a João Havelange e Ricardo Teixeira.
Maio de 2011 : Ex-presidente da Federação Inglesa, David Triesman, denuncia que recebeu proposta de suborno de Jack Warner, Nicolás Leóz, Ricardo Teixeira e Worawi Makudi em troca de votos na Inglaterra na eleição da Fifa para sede do Mundial de 2018.
Maio de 2011: Surgem denúncias de compra de votos do candidato catariano à eleição para a presidência da Fifa, Mohammed Bin Hamman.
Julho de 2011: Bin Hamman é banido por toda a vida de suas atividades na Fifa por violar o Código de Ética da entidade.
Maio de 2012: Fifa divulga documentos da ISL que comprovam pagamento de propina a Havelange e Teixeira e afasta os dois dos cargos na entidade.
Janeiro de 2013: Revista France Football divulga denúncias de que Teixeira, Leóz e o então presidente da Associação Argentina de Futebol, Julio Grondona (falecido em 2014) teriam recebido propina para votar no Catar como sede da Copa de 2022.
Setembro de 2014: Promotor americano Michael J. García entrega à Fifa relatório de 350 páginas sobre escolha das sedes das Copas de 2018 e 2022.
Novembro de 2014 : Comissão de Ética da Fifa concluiu que não houve irregularidades nos dois processos e impede divulgação do relatório usando o princípio da confidencialidade.
Dezembro de 2014 : Michel J. García renuncia após ter apelo à Comissão Disciplinar da Fifa por reabertura de investigação interna negado.
Maio de 2015: Sete dirigentes da Fifa, incluindo o ex-presidente da CBF, José Maria Marin, são presos em Zurique por acusações de corrupção. Departamento de Justiça norte-americano divulga investigação sobre extorsão, lavagem de dinheiro e corrupção dentro da entidade.