A decisão em sediar a edição 2021 da Copa América está trazendo repercussões negativas para o Brasil no cenário mundial. O jornal americano The New York Times, um dos mais influentes do mundo, por exemplo, dedicou uma publicação exclusivamente para criticar a decisão do presidente Jair Bolsonaro em abraçar o torneio de seleções no momento em que o País vive um dos piores cenários da pandemia de covid-19, em alta em vários Estados brasileiros e com as UTIs dos hospitais com ocupação de mais de 80%, inclusive nos locais credenciados paras as partidas: Mato Grosso, Goiás, Brasília, Cuiabá e Rio.
Logo de início no texto do NYT, é possível identificar qual será o tom da reportagem. O título diz muito: "Insanidade completa: Infestado pelo vírus, Brasil concorda em sediar competição de futebol". Logo abaixo, na linha fina da matéria, o veículo traz a comparação informativa que justifica o tom duro da publicação. Nela diz que: "O Brasil perdeu 207 mil vidas nos últimos três meses sozinho, mas o presidente Jair Bolsonaro decidiu receber a Copa América argumentando que 'Nós temos de viver'".
O jornal explica que Colômbia e Argentina eram então as duas primeiras nações que receberiam a competição sul-americana, mas que acabaram por desistir da ideia. A justificativa foi de que é impossível atender a demanda e receber de forma apropriada centenas de jogadores e comissões técnicas enquanto a pandemia de coronavírus está tomando conta do continente. A Argentina tem batido recordes de pessoas contaminadas, na casa de 35 mil por dia. O país tem 45 milhões de habitantes.
A Conmebol, então, ficou em uma situação complicada. Até que Alejandro Domínguez, presidente da entidade que organiza a Copa América, anunciou na segunda-feira que o torneio seria transferido para o Brasil, e ainda agradeceu Bolsonaro por 'salvar o dia'. Na internet, o ato foi bastante criticado em razão da demora das autoridades brasileiras em adquirir vacinas para a covid-19, mas por ser ágil em responder a um pedido para sediar um torneio esportivo.
¡La @CopaAmerica será en Brasil! Quiero agradecer muy especialmente al Presidente @jairbolsonaro y a su gabinete por recibir al torneo de selecciones más antiguo del mundo. Igualmente, mi gratitud al Presidente Rogério Caboclo y a la @CBF_Futebol , por su invalorable colaboración.
— Alejandro Domínguez (@agdws) May 31, 2021
O The New York Times segue a sua publicação dizendo que o Brasil falhou em controlar a pandemia, fornecendo dados alarmantes sobre a situação, citando inclusive a CPI da Covid, em andamento no DF. Em sequência, traz uma declaração de Miguel Nicolelis, neurocientista da Universidade de Duke, que demonstra como o País está mal visto mundialmente.
"Isto é uma insanidade completa", analisou o cientista. "É como se Roma estivesse em chamas e Nero quisesse uma partida de futebol no Coliseu para celebrar", comparou. Outra declaração usada pelo veículo norte-americano é do senador Omar Aziz. "É ilógico receber um evento internacional. Não temos nada a celebrar."
Diversas publicações foram então feitas a respeito da imprudência em se receber a Copa América. O Estadão mostrou que os Estados que vão receber partida do torneio têm 85% de ocupação dos leitos de UTI com pacientes infectados pelo coronavírus. Em contrapartida, na madrugada desta quinta-feira, foi divulgado pela Conmebol o calendário oficial dos jogos da Copa América. Ao todo, quatro cidades e cinco estádios receberão os duelos ao longo do torneio de seleções, que terá Messi entre os atletas. A seleção brasileira fará a abertura da competição e terá sua estreia em Brasília, no Estádio Mané Garrincha, no dia 13 de junho, às 18h, contra a seleção da Venezuela.
O NYT ouviu personagens importantes do Brasil na luta contra a pandemia, como o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta. "O túmulo das Américas está chegando muito mais rápido do que as vacinas ou o bom senso", disse o ex-ministro da Saúde, que foi demitido em abril de 2020 depois de discutir com Bolsonaro sobre medidas para conter o vírus. "É um gol contra a vida. Só o vírus está comemorando".
O anúncio da Copa foi feito dois dias depois que dezenas de milhares de manifestantes antigovernamentais tomaram as ruas em cidades de todo o Brasil. O torneio oferece aos líderes da oposição uma nova linha de ataque contra Bolsonaro, cuja popularidade sofreu um golpe nos últimos meses, à medida que a raiva sobre o estado da pandemia e a economia se aprofundaram, diz a reportagem do jornal dos EUA. Ao explicar sua decisão de sediar o campeonato de futebol, Bolsonaro não sinalizou nenhuma preocupação com o risco político que isso representa pouco mais de um ano antes de ele se candidatar à reeleição. Mais de 465.000 pessoas morreram no Brasil com o vírus, o maior número de vítimas do mundo, atrás apenas dos EUA.
"Desde o início da pandemia, tenho dito: lamento as mortes, mas temos de viver", disse Bolsonaro na terça-feira. "Este é um assunto resolvido", foi a palavra do presidente do Brasil sobre seu acerto com CBF e Conmebol para trazer o futebol ao País. Luiz Eduardo Ramos, membro do gabinete que atua como chefe-de-gabinete de Bolsonaro, argumentou na segunda-feira que o torneio não se transformaria em um evento superdimensionado. Ele disse que o governo havia solicitado que cada uma das dez equipes participantes limitasse seu séquito a 65 pessoas, todas vacinadas. "Não haverá espectadores", disse ele.
Brazil has been averaging more than 60,000 new coronavirus cases each day. In the past three months alone, health officials have recorded more than 207,000 deaths.
But President Jair Bolsonaro decided to host the Copa América, arguing, "We have to live." https://t.co/weEjBQOYHk
— The New York Times (@nytimes) June 2, 2021