Numa entrevista na sede da CBF, ainda na Rua da Alfândega, centro do Rio, no final dos anos 90, solícito e sorridente, Pelé conversou comigo por mais de meia hora. Falou sobre Seleção, futebol nacional, lembrou de suas façanhas em campo. Foi mais um bate papo bastante descontraído.
Já ao final do encontro eu lembrei de um vizinho, Manoel, um senhor com seus quase 70 anos, que idolatrava Pelé e estava muito doente, acometido por um câncer avançado.
Então, relatei rapidamente o drama de Seu Manoel e perguntei a Pelé se ele poderia lhe oferecer um autógrafo personificado numa folha do meu bloco. Mais do isso, o meu entrevistado escreveu algumas palavras de apoio e solidariedade àquela pessoa que ele nem sequer conhecia. Por fim, estampou no papel sua assinatura tradicional e inconfundível.
Dias depois, feliz pelo presente que eu havia recebido como intermediário, estive na casa de Seu Manoel e lhe contei do meu encontro com Pelé. Tomávamos café quando eu abri minha mochila e arranquei a folha do bloco.
“Pelé mandou uma lembrança pro senhor”, eu disse, enquanto lhe mostrava- o bilhete assinado.
Seu Manoel fixou os olhos naquele pequeno e singelo texto, sorriu e me agradeceu. Pediu em seguida que a esposa guardasse a lembrança de Pelé numa gaveta da sala.
Os anos se passaram e Seu Manoel não resistiu à doença. À viúva coube a tarefa de cuidar de alguns dos netos. No início de 2011, fui convidado para a festinha de aniversário de uma daquelas crianças e em meio a conversas paralelas numa casa humilde do bairro de Bangu, na zona oeste do Rio, acabei ouvindo algo que me soou estarrecedor.
Um dos filhos de Seu Manoel detalhava a um grupo de amigos a reação do pai no dia que recebera um bilhete com dedicatória e tudo de alguém que se passava por Pelé e que imitava com perfeição a assinatura do tricampeão.
Dizia que ele, Seu Manoel, mesmo convicto de que se tratava de trote, ficou feliz com a mensagem, pois a interpretara como uma manifestação de afeto de quem o estimava muito e queria que ele acreditasse que um personagem do tamanho de Pelé havia lhe feito uma deferência no momento em que sua doença se agravava.
“Meu pai sabia que era uma brincadeira, até desconfiava que minha mãe estava por trás da história, mas gostou.”
Constrangido com o episódio e o desfecho do meu esforço em dar um pequeno alento ao vizinho que sofria com a doença, preferi ficar calado. O filho do Seu Manoel não lembrava que o autógrafo de Pelé tinha sido levado por mim.
Seu Manoel morreu acreditando fielmente que Pelé jamais citaria seu nome. Divertiu-se com a situação várias vezes, repetindo para quem o visitava, com ar de zombador: “O Pelé é meu amigo, até mandou bilhete pra mim.” Depois, sorria exibindo a folha de bloco, já surrada.