Com a pandemia, alguns dos melhores boxeadores assistirão às Olímpiadas de Tóquio de longe

Atletas têm tido problemas por causa de provas de classificação canceladas em virtude da pandemia. Isto levou a mudanças abruptas de regras e muitos atletas não conseguiram se ajustar a elas

23 jun 2021 - 15h10

A Olimpíada de Tóquio, já com dificuldades por causa da pandemia que levou a um adiamento de um ano dos Jogos e a imposição de restrições severas, tem alguns eventos de preparação que não contam com os melhores atletas possíveis. Inúmeras provas de classificação foram canceladas por precauções de segurança, levantando problemas similares aos que ocorrem quando importantes eventos esportivos são reduzidos por causa de greves ou outras circunstâncias usuais.

Algumas modalidades esportivas não foram tão prejudicadas como o boxe, que já enfrentava problemas antes da pandemia. Em 2019, o Comitê Olímpico Internacional suspendeu a Associação Internacional de Boxe, AIBA, por causa de escândalos, violações de ética e alegações de corrupção no alto escalão da organização.

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O COI criou uma força- tarefa para gerir os eventos qualificatórios para as Olimpíadas no lugar da AIBA, mas a pandemia também provocou mudanças abruptas. O evento europeu foi suspenso no seu terceiro dia em março de 2020 e finalmente concluído este mês. O torneio para os pugilistas nas Américas foi adiado em 2020 e totalmente cancelado este ano. E a competição de qualificação final no caso dos boxeadores que não se classificaram nos torneios continentais também foi anulada.

Para compensar os eventos cancelados, a força-tarefa decidiu usar os rankings de torneios realizados em 2017 e eventos originalmente realizados para determinar os cabeças de chave para preencher as vagas em aberto.

Propositalmente ou não, o COI criou um campo de jogo desigual, com alguns boxeadores lutando por uma vaga no ano passado, outros se qualificando com base em sucessos de anos anteriores e centenas deles que não conseguiram uma vaga para Tóquio porque não participaram dos torneios passados que acabaram se tornando eventos qualificatórios.

"Uma premissa fundamental dos procedimentos de seleção é que sejam publicados com antecipação e acompanhados, para os atletas terem a chance de se qualificar", afirmou Jeffrey Benz, que foi conselheiro do Comitê Olímpico dos Estados Unidos. "Ao que parece, eles tiraram as chances dos boxeadores ao recorrerem a outros eventos realizados lá atrás por conveniência administrativa".

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A qualificação no caso de outros esportes olímpicos, como judô, tênis e levantamento de peso, estão baseados inteiramente nos rankings de pontos ganhos nos torneios de 2018 a 2020 (o que foi ampliado para incluir eventos de 2021). O karatê, pentatlo moderno e taekwondo atribuem algumas das suas vagas a atletas que se qualificaram em torneios e outras baseadas nos rankings.

No campo do boxe, contudo, as regras foram mudadas depois de poucos torneios terem sido concluídos, criando condições diferentes para os boxeadores nos diferentes continentes.

Até agora, 173 boxeadores preencheram as 286 vagas nos Jogos de Tóquio vencendo competições em eventos qualificatórios. Outros 102 conseguiram se qualificar por causa dos seus rankings em torneios passados. As vagas remanescentes serão dadas ao Japão como país que hospeda as Olimpíadas ou como coringas.

O diretor de esportes do COI, Kit McConnell, disse que a força-tarefa do boxe, que foi criada em junho de 2019 depois de o COI ter tirado a certificação da AIBA, teve que fazer o melhor em uma situação ruim. E transformar os rankings de cabeça de chave num sistema de qualificação foi a melhor opção porque a regra estava em vigor antes da pandemia e no geral a decisão foi bem recebida, disse ele. Era inevitável, acrescentou, que qualquer sistema introduzido para contornar a pandemia beneficiasse alguns atletas e prejudicasse outros.

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"Sabemos que mudanças sempre significam que alguns ganham e outros não. Naturalmente há um desequilíbrio no processo de qualificação. Mas temos de lidar com a realidade do que vem ocorrendo", disse ele.

Mas o processo acabou com os sonhos de participação das Olímpiadas no caso de muitos boxeadores, incluindo Delfine Persoon, lutadora profissional e um dos maiores pesos leves do mundo. Persoon, 36 anos, belga, estava empolgada para disputar uma medalha nos Jogos de Tóquio, a primeira Olimpíada a incluir mulheres boxeadoras profissionais.

Persoon não teve sorte. Ela contraiu o coronavírus no evento de qualificação europeu em 2020 e perdeu o jogo de abertura, sem saber se estava doente na época. E como a federação de boxe belga não permitia que profissionais disputassem campeonatos amadores até 2019, ela não conseguiu os pontos suficientes para se qualificar para as Olimpíadas de Tóquio.

"É uma medida discriminatória contra lutadores profissionais. Não estamos no ranking de amadores, portanto não temos a chance de ir a Tóquio", disse ela.

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O problema de Mandy Bujold lançou uma luz ainda mais desagradável no processo de qualificação do COI. Bujold, peso-mosca de 33 anos, é uma das mais condecoradas boxeadoras do Canadá. Mas sua inscrição para lutar em Tóquio deparou com um obstáculo depois de o torneio de qualificação na Argentina para boxeadores das Américas ser anulado. Em 2018 e 2019 ela não jogou por causa da gravidez e nos primeiros meses de vida de sua filha, de modo que não se classificou com base nos rankings.

Como atletas femininas em outras modalidades - especialmente Serena Williams no tênis - Bujold acha que acomodações deveriam ser feitas, especialmente porque sua condição atende ao objetivo do COI de promover igualdade de gênero. Mas o COI negou o pedido de exceção feito por ela, forçando-a a impetrar um recurso junto ao Tribunal Arbitral do Esporte, alegando que seus direitos humanos foram violados.

Sendo uma entidade olímpica você tem de ter essa visão do que as Olimpíadas representam, que sempre foi imparcialidade, espírito desportivo e igualdade. Eu tinha esperança de que eles na verdade iriam rever nossas questões legais e resolvê-las. Mas quando não o fizeram, foi realmente muito triste", disse Bujold, cuja filha está agora com dois anos de idade.

A adoção dos rankings que tirou Bujold e outros boxeadores dos Jogos aumentou a tensão entre o COI e a AIBA. O presidente da associação, Umar Kremley, disse ter sido contatado por mais de 300 boxeadores e pelas federações nacionais indagando porque os lutadores não tiveram autorização para ir aos Jogos de Tóquio.

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"O sistema de ranking não corresponde às regras do boxe", disse Kremley em uma entrevista. "A pessoa que criou o sistema não entende o que é o boxe". "A AIBA continua a hospedar torneios internacionais com segurança e que o COI foi muito cauteloso. "É muito fácil dizer não e cancelar os torneios. Nossa missão como autoridades do esporte é criar situações para os atletas competirem", disse ele.

Joel Soler Arrate, cubano que é treinador de boxeadores na Bulgária, concorda. Segundo ele é injusto que boxeadores de países africanos e asiáticos qualificados em 2020 sigam para os Jogos de Tóquio, com seus torneios de qualificação sendo realizados, ao passo que pugilistas de outros lugares não conseguiram disputar seus torneios de qualificação continentais e agora dependem dos rankings.

"Na realidade, não sabemos se os melhores boxeadores irão para as Olimpíadas", disse ele.

Com os Jogos de Tóquio previstos para começarem no próximo mês, a oportunidade para boxeadores competirem em eventos de qualificação está se encerrando rapidamente. / Tradução de Terezinha Martino

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