Quase todo mundo tem viva na memória a imagem daquela pracinha perto de casa onde a lei era brincar até cansar e voltar exausto, com os pés sujos de terra. A rotina da filha de Luiz Carlos e Zenilda Silva não era diferente. Aos oito anos, Rafaela Silva gostava de jogar bola e interagir com os coleguinhas da região.
- Essa reportagem faz parte da série Elas no Pódio, que conta histórias de seis mulheres (Rafaela Silva, Bia Ferreira, Ana Marcela Cunha, Rebeca Andrade, Viviane Lyra e Rayssa Leal) que são inspiração e referências nos seus respectivos esportes, além de representarem o Brasil nos Jogos Olímpicos de Paris.
A não ser quando tentavam sumir com o seu chinelo e a sua pipa. Era aí que ela virava a chave e obedecia a um único reflexo: reagir. Não tinha outra opção a não ser revidar os ataques e se envolver em brigas de rua na altura de uma região conhecida como AP2, na Cidade de Deus, Zona Oeste do Rio de Janeiro.
Se dar por vencida nem passava na cabeça da pequena. Por isso mesmo, era comum que os pais recebessem reclamação toda semana pelas brigas que ela arrumava. Sem saber o que fazer para direcionar tanta energia da caçula, Luiz Carlos e Zenilda tiveram uma ideia: matricular a filha em uma escolinha de futebol. O pai até tentou, mas no local não havia vagas para meninas. Foi aí que o judô entrou na vida da família Silva.
Se esse texto fosse um filme, o diretor cortaria para a seguinte cena: a menina, já uma mulher de 24 anos, comemorando ao ser a primeira judoca brasileira a ganhar uma medalha de ouro na Olimpíada, em seu próprio País, na cidade em que nasceu e a cinco minutos de distância da comunidade onde cresceu.
A motivação para vencer poderia ter vindo de sua batalhada história de vida, da sua irmã e 'fiel escudeira’, Raquel, ou dos treinadores que a acompanharam durante toda a trajetória no judô. Porém, veio da pequena Rafaela, lá da Cidade de Deus.
Pouco antes de subir no tatame da Arena Carioca, na Barra de Tijuca, para disputar a medalha olímpica na categoria até 57 kg no judô, Rafaela foi encarada pela coach esportiva Nell Salgado, que olhou nos olhos da pupila e lembrou o motivo das inúmeras brigas na praça da AP2: "Essa medalha é o teu chinelo e a tua pipa, vai buscar”. A judoca buscou e fez história. A atleta, que enfrentou o racismo e momentos difíceis no esporte, gravou seu nome no judô a nível mundial e é reflexo da criança que sempre teve marra de campeã.
Essa história não é um roteiro de longa-metragem, mas bem que poderia servir de inspiração. Quem assistiu ao clássico de Fernando Meirelles e Kátia Lund, lançado em 2002 já deve ter ouvido a seguinte frase: “Tem um lugar melhor pra acontecer milagre do que numa favela chamada Cidade de Deus?".
'Cria' da Cidade de Deus
Quem mora ou já foi ao Rio de Janeiro já deve ter escutado a expressão ‘cria’. É aquela pessoa que nasceu e foi criada em um lugar específico. No caso de Rafaela Silva, é claro, que a judoca é 'cria' da Cidade de Deus, ou CDD, como muitos abreviam.
Para entender onde a atleta chegou, é importante voltar para onde ela veio. Em uma rua perpendicular ao campo de futebol da Cidade de Deus, sua antiga casa continua lá. A residência é um sobrado amarelo muito parecido com os vários que ocupam a localidade. O único diferencial do prédio é ter acolhido a atleta que é símbolo de superação e orgulho para o Brasil.
Na residência, hoje em dia, moram o casal de tios com seus filhos. O prédio de três andares com terraço abrigou Rafaela durante os primeiros passos no esporte, e, também, nos momentos de maior privação financeira. Na vizinhança, há ainda alguns outros parentes e muitos conhecidos.
Ver uma 'cria' brilhando e ganhando até medalha de ouro olímpica deve dar um orgulho danado, ainda mais por vizinhos que a viram crescer. Para o vice-presidente da Associação de Moradores da Cidade de Deus (AMCDD), Isaac Borgez, Rafaela Silva é "inspiração para todos os favelados", que só tinham o "caminho do tráfico" como expectativa.
"As pessoas começam a entender que, se a Rafaela conseguiu, elas vão conseguir também. Por ser mulher, preta, favelada, e levar consigo a arte marcial, Rafaela tem muito brilho e encanta os nossos moradores", disse ao Terra.
O líder comunitário, que já atuou em produções audiovisuais como Cidade de Deus e Cadê o Amarildo?, considera a vitória da judoca um marco. "Ela já passou por tantas dificuldades, como todos moradores daqui, que a vitória dela é uma quebra de paradigma."
Já para Luana Neves, que ministra voluntariamente aulas de basquete na mesma quadra em que a medalhista jogava bola, o objetivo de sua iniciativa é formar novas 'Rafaelas' na comunidade. "Meu trabalho é para que sempre nasçam novas estrelas. A gente tem muito talento que não é descoberto. Para as crianças, é muito importante ter alguém para se espelhar”, explica. "Os pequenos vendo a Rafaela, que saiu daqui, conseguir se manter do esporte, mostra que é possível viver do que se gosta”, completa.
Mesmo após a entrada e o seu desenvolvimento no Instituto Reação --projeto social que promove a educação por meio do esporte, onde Rafaela se profissionalizou--, a saída da judoca da favela não foi imediata. Segundo o tio, ela só mudou de endereço quando já estava competindo profissionalmente.
Hoje, os pais da campeã olímpica moram na Freguesia, um sub bairro de Jacarepaguá, na Zona Oeste da capital fluminense. Eles ainda têm um comércio de alimentos na região e o estabelecimento leva o nome da mãe, Zenilda. Segundo José, o local vende bebidas e laticínios dos mais variados tipos.
Ouro da casa
"A história dela é um conto de fadas", resume Flávio Canto, ex-judoca e medalhista olímpico que fundou o Instituto Reação há 21 anos com o ex-treinador Geraldo Bernardes e outros amigos. Foi lá onde Rafaela e a irmã, Raquel Silva, se desenvolveram como atletas.
O cenário desse conto de fadas é um pouco diferente do que se pode imaginar. Foram quase duas horas para chegar ao polo Cidade de Deus/Taquara. O local fica no último andar do prédio de uma faculdade particular e, logo na entrada, é possível ver várias crianças carregando uma mochila que estampava o nome do Reação nas costas.
É inspirador pensar que Rafaela Silva já foi uma delas. Um dia, ela já teve a mesma rotina daqueles pequenos, e não tem como não pensar: será que um deles pode ser a futura 'Rafaela Silva’?
Para Flávio Canto, a chegada dela ao projeto, aos oito anos, contou com uma ajuda celestial. "A Rafaela é um prodígio. Ela chega no Reação bem novinha com o Geraldo Bernardes. É uma daquelas coincidências divinas. Ela vai justamente no polo do meu Sensei, que já tem sete medalhas olímpicas como treinador, e isso facilitou muito o processo de evolução dela", lembra.
Desde que entrou no Reação pela primeira vez, a judoca se tornou uma aposta para o Sensei experiente. "O Geraldo, desde o primeiro dia de aula, falava: 'Chegaram duas irmãs, a Rafaela e Raquel, que vão chegar na seleção', porque elas tinham aquele sangue nos olhos que você normalmente não reconhece em tantos alunos."
Geraldo Bernardes foi o primeiro treinador e fazia o papel de 'policial bom', segundo Flávio. Para ele, sobrava vestir a roupa do "chato". "Sempre fiz um papel com ela de muita cobrança, de 'policial mau'. Teve até um período que a Rafaela parou de estudar e eu dei um ultimato", explica.
Mesmo pegando firme com a judoca no dia a dia, Flávio admite que suou no processo. "Eu diria que a Rafaela foi a atleta mais impressionante que a gente já teve e a que me deu mais trabalho. Ela sempre bateu muito de frente comigo. Sempre fui duro no sentido de cobrar e ela foi a que sempre respondeu (risos)", argumenta.
Apesar de dificultar um pouco para Flávio, a postura de Rafaela sempre foi essencial ao entrar no tatame. A ‘cria' da CDD, que nunca foi passiva e nunca se intimidou com adversário, faz questão de se posicionar sem medo diante dos desafios.
O próprio Flávio se lembra de um episódio. "A primeira vez que viajei com a Rafaela ela ia enfrentar a [Giulia] Quintavalle, que era uma italiana campeã olímpica. Eu, preocupado, falei para ela: 'Você tem agora uma luta importante, aquece bem'. Ela olhou para mim e perguntou quem era. Eu falei: 'É a campeã olímpica do ano retrasado'. Ela me respondeu: 'Então não é mais campeã olímpica'. Rafaela foi lá e ganhou", enaltece.
Presença ativa, mesmo distante
Daniele Ferreira foi colega de tatame no início da carreira de Rafaela Silva e uma das primeiras pessoas que a reportagem encontrou ao chegar ao projeto social. Uma mulher de vestido e cabelos longos, conferindo se tudo estava nos conformes, enquanto os pequenos de kimono, com os olhinhos super atentos à professora, treinavam.
De primeira, não imaginava-se que ela teria tanta história para contar. Mas bastou sentar em uma sala longe do barulho da criançada que a conversa rendeu. "Eu e a minha irmã, junto com a Rafa e a Raquel, fazíamos parte do projeto do Geraldo na Cidade de Deus. Com a junção, em 2003, todos passam a ser Reação. A gente era um grupo. A Rafaela era da idade da minha irmã e eu e a Raquel com a mesma idade", conta Daniele.
A coordenadora lembra que todas eram apenas crianças e que ainda nem entendiam a importância do esporte quando o Sensei chegou com uma novidade. "Quando começamos a fazer judô, a gente não fazia nem ideia, foi aquilo de 'vamos na onda'. Depois de um tempo de treino, o Geraldo sentou todo mundo e disse que colocaria a Raquel e a Rafaela na seleção", afirma.
O olhar visionário do treinador experiente se confirmou ao passar do tempo com cada conquista de Rafaela. "Há 20 anos ele tinha dito para a gente que ia colocar ela na seleção e se passa quase 15, 20 anos e ela vira campeã olímpica. Foi um marco", recorda Daniele, emocionada.
Sobre a parceira de treino que virou medalhista olímpica, Daniele guarda boas lembranças e lamenta a distância física. "Estamos sempre juntas, mas nos distanciamos mais fisicamente, quando ela fez a transição para outro clube. Mas a amizade continua, né? Foram 23 anos juntas", considera Daniele.
Ela se refere à mudança de Rafaela do Instituto Reação para o Flamengo em 2021. Para Flávio, o período foi muito delicado. "Foi uma saída dura para a gente, especialmente para o Geraldo. Porém, ela ainda treina muito no Reação, porque a principal técnica é a Raquel e a Sensei Yuko, que era a técnica dela. Então, na verdade, ela continua lá”, observa.
Mesmo lutando por outro clube, o fundador do Reação garante que a campeã olímpica sempre será a cara do projeto sonhado por ele há 21 anos. "A Rafaela sintetizou para o Reação uma ideia que nasce desde o primeiro dia do Instituto: que a gente pode pensar como gigante e pode fazer o que parece improvável."
Exemplo para os pequenos
Todos no Instituto Reação têm uma história para contar com a campeã olímpica. Como é o caso da treinadora Victória Tibúrcio, de 27 anos. "Comecei aqui em 2014, tive um prazer imenso de treinar com a Rafa Silva e fomos amigas por bastante tempo", conta. "Na época, fazíamos o treino no subsolo de uma academia, tipo uma garagem. Ela me derrubava bastante", relembra aos risos.
Para Victória, contemporânea de Rafaela, a atleta é um modelo a se inspirar. Por isso, sempre que pode, ela fala da ex-colega de treino para os pequenos. "Vira e mexe eu estou sempre falando um pouquinho da Rafa. Acho que é de extrema importância, né? Uma mulher preta, cria da favela e campeã. É surreal", opina.
Já a professora Najara Martins, que conheceu o instituto a partir das conquistas de Rafaela, conta que seus alunos nem eram nascidos quando a atleta ganhou o ouro nos Jogos Olímpicos do Rio em 2016, há quase 10 anos. No entanto, ela assegura que a judoca é referência para eles:
É o espelho deles, alguém que eles querem ser. A Rafaela é uma referência e a gente que vem de comunidade precisa entender que também pode dar certo, independente da área de atuação
A cada desafio, uma superação
Quem vê a Rafaela Silva campeã olímpica e referência para jovens e crianças que sonham em viver do esporte, talvez não imagine quantos golpes a judoca já levou da vida. Após ser vice-campeã no Mundial de Paris, na França, aos 19 anos, a expectativa era alta para a Olimpíada de Londres um ano depois, em 2012.
O resultado na capital britânica ficou muito aquém do esperado, mas muito além do que podia suportar calada. Durante a luta contra a húngara Hedvig Karakas, nas oitavas de final, Rafaela foi desclassificada ao dar uma catada de perna --golpe considerado ilegal na adversária.
"Ela foi desclassificada curiosamente com um golpe que eu mesmo ganhei a minha medalha, porque naquele período entre uma Olimpíada e outra mudaram a regra e aquele golpe passou a não valer mais", observa Flávio Canto, medalha de bronze em Atenas-2004.
A decepção não ficou só por causa da desclassificação. Naquela semana, a judoca recebeu uma enxurrada de comentários racistas e agressivos no X, que na época ainda era Twitter. Como nunca fica sem se posicionar, ela foi à rede social responder os preconceituosos.
"Perdi, sim. Sou humana como todos. Errei e sei que tenho a capacidade de chegar e conquistar uma vaga para 2016 (...) Tenha capacidade, conquiste uma vaga na Olimpíada e depois a gente conversa", escreveu para um usuário. Apesar da postura combativa, o episódio tinha abalado Rafaela.
Foi no período em que se recuperava do baque que a coach esportiva Nell Salgado a conheceu. Por meio de Geraldo Bernardes, ela chegou ao Instituto Reação e foi apresentada à judoca em outubro de 2012.
O primeiro contato foi tão intenso e difícil que a coach lembra com detalhes, mesmo 12 anos depois: "A Raquel me falou que ia trazer a Rafaela. Ela veio timidamente e falou que não queria participar. Estava a galera toda do Reação, os amigos dela, as pessoas com quem tinha crescido. Sentou lá no fundão e ficou na dela."
Mesmo com a resistência da judoca, Nell pediu para que ela desabafasse sobre como estava se sentindo após tudo o que tinha passado nos Jogos de Londres. "Primeiro, ela resistiu, mas depois começou a contar, falou da dor dela, chorou e todo mundo se emocionou (...) Então o ponto mais difícil foi conquistar a Rafaela, porque ela sempre foi extremamente desconfiada", explica.
O golpe foi tão forte no emocional que ela pensou até em largar o judô, como conta Nell. Quando a guarda baixou, a coach a 'transportou' para 2016 e pediu para ela pensar no futuro. "Eu perguntei a ela como seria assistir a Olimpíada pela televisão e não estando lá. Foi aí que ela se emocionou e decidiu seguir no esporte."
Era a injeção de ânimo que precisava. Dez meses depois, Rafaela se tornou a primeira brasileira a ganhar a medalha de ouro em um Mundial da modalidade. A disputa contra a norte-americana Marti Malloy aconteceu no quintal de casa, no ginásio do Maracanãzinho, na Zona Norte do Rio de Janeiro.
Apesar do marco histórico, a coach recorda que Rafaela ainda precisava de muito autoconhecimento. "Ela tinha que saber entender e separar quem era essa Rafaela do lado de dentro e do lado de fora do tatame. Ela trazia a 'braba' da luta para fora também, porque foi como aprendeu a sobreviver na vida."
Nell ainda conta que até mesmo o nome de um personagem icônico do filme Cidade de Deus foi citado por Rafaela durante uma dessas conversas iniciais do trabalho de controle emocional e autoconhecimento. "Perguntei a ela: 'Se você pudesse dar um nome para essa pessoa, para essa raiva que você carrega, qual seria?’ 'Zé Pequeno'", lembra.
A referência passava longe de ser pelas problemáticas que envolvem o personagem. O que Rafaela queria dizer é que sentia que precisava assumir uma personalidade mais combativa para que a respeitassem. "Ela me disse: 'É porque quando ele era menor todo mundo tirava onda com ele e, quando ele se torna o Zé Pequeno, ninguém mais tira’", completa a Nell.
Aos poucos, Rafaela se permitiu ser vista com mais carinho e cuidado em meio a tanta cobrança. "A preparação mental também é fazer com que o atleta continue olhando para o que ele faz, como ele olhava quando era pequeno, como uma diversão. É para pensar: 'Sim, isso aqui é o meu ganha-pão, mas não vai funcionar se eu não me divertir'", defende.
Campeã em casa
Já atuando com a judoca, Nell participou de toda a preparação para a Olimpíada do Rio de Janeiro, em 2016. Tensa para entrar no tatame e representar o País em sua cidade natal, Rafaela ficou apenas dois dias na Vila Olímpica e optou por se preparar em Mangaratiba, longe de toda movimentação.
Dois dias antes de realizar a última luta dos Jogos de 2016, ela ligou para Nell de um jeito que preocupou a coach. Aquela Rafaela forte e 'braba' do judô chorava enquanto dizia ter medo do resultado da luta.
"Foi quando eu perguntei a ela: 'Quando você estava lá na Cidade de Deus e dava porrada em todo mundo, era por qual motivo?' 'Porque eu tinha que me defender, eles queriam roubar meu chinelo e minha pipa'. 'Então essa medalha aí é o teu chinelo e a tua pipa. Vai deixar vir europeia tirar onda com você?’", detalha Nell Salgado.
"Ela entendeu isso como um gatilho e durante as lutas eu gritava 'tua pipa e teu chinelo!', para ela lembrar", completa. O resultado foi espetacular. Rafaela buscou e conseguiu levar o ouro contra a mongol Dorjsurengiin Sumiya.
Com o nome gravado para sempre na história olímpica, parecia que nada mais iria abater Rafaela. Até que, em 2019, ela foi pega no exame antidoping após o ouro nos Jogos Pan-Americanos de Lima, no Peru. Perdeu a medalha, foi suspensa por dois anos e acabou impedida de competir na Olimpíada de Tóquio, realizada em 2021, com um ano de atraso por causa da pandemia da covid-19.
Flávio Canto se lembra do dia que soube da notícia. "A noite me liga o Ney [da Silva], que era o responsável técnico pela seleção, com ela do lado e fala: 'Temos uma bomba'. A Rafaela, naquela conversa, não tinha a menor ideia do que aconteceu. Perguntei se ela tomou algo, ela disse que não. Nunca duvidei, mas foi um baque muito grande para ela."
Na ocasião, o exame acusou a presença de Fenoterol, substância com efeito broncodilatador que causa o aumento de performance. Na audiência, a defesa de Rafaela alegou contaminação após o contato com uma bebê de sete meses que fazia uso de uma medicação contra a asma, às vésperas da competição no Peru.
Nell Salgado considera a punição um dos momentos mais tensos da carreira da judoca. "Foi muito sofrimento, o processo foi muito difícil. Eu estava com ela todos os dias e encontrava uma atividade para ela poder se manter ocupada, porque é um dia de cada vez."
Para Flávio, o episódio foi uma injustiça na trajetória da judoca: "Acho que ela foi um bode expiatório nessa história. Foi uma palhaçada o que aconteceu com ela. Eu conheço a Rafaela e tenho várias coisas para falar dela que eu falo brincando, tipo isso de dar trabalho, mas essa história foi muito mal contada."
Como todas as vezes que caiu, Rafaela reagiu muito melhor do que se podia esperar. Após a suspensão, entre 2019 e 2021, ela voltou e foi bicampeã mundial. Desta vez, Tashkent, no Uzbequistão, foi o palco da conquista, em 2022. "Depois de tudo isso ela ganha o Mundial. Para mim, é mais uma história de superação da Rafaela", exalta o fundador do Instituto Reação.
A vaga para Paris não veio com folga. Para alguns, isso poderia ser desanimador. Para Rafaela, que sempre foi contra as estatísticas, é só mais uma motivação. "Foi uma vaga mais suada do que ela imaginou. Eu acho que isso é bom. É uma categoria muito difícil, com muitas atletas fortes, mas depende como a Rafaela vai acordar no dia. Me lembro que em 2016, eu estava preocupado. O Leandro Guerreiro, que estava comigo comentando na Globo, falou: 'Fica tranquilo, cara. Do jeito que ela acordou hoje, ninguém vai segurar o kimono dela'", relembra Canto.
Será que tem possibilidade dela ganhar? Flávio Canto acredita que sim, afinal estamos falando de Rafaela Silva."Ela sempre tem chance. Quanto mais machucada ela chega em uma competição, mais perigosa [para os adversários] ela é."
*Com colaboração de Alex Braga
**Coordenação e edição de Aline Küller