À medida que se aproxima a data de início dos Jogos Olímpicos de Tóquio, começa a crescer também o número de atletas e funcionários de apoio que testaram positivo para a covid-19, despertando temores de que a competição seja afetada por focos de contaminação — ou mesmo de que a Olimpíada torne-se um evento "superpropagador".
Se existe uma pessoa que entende dos riscos envolvidos em sediar uma Olimpíada em meio a uma pandemia global, essa pessoa é Tara Kirk Sell.
Em sua carreira como nadadora de elite, ela conquistou uma medalha de prata para os EUA em Atenas-2004, antes de dar uma guinada profissional e se tornar uma acadêmica no renomado Centro de Segurança em Saúde da Universidade Johns Hopkins.
Com experiência tanto como atleta quanto em doenças infecciosas, ela explica à BBC como as autoridades no Japão planejam manter a segurança de participantes e da população em geral.
A viagem aos Jogos Olímpicos
"Ir a uma Olimpíada foi uma experiência surreal: você começa indo para um campo de treinamento após conquistar a vaga (olímpica), e daí vai à vila olímpica. Tudo acontece muito rápido", diz Sell.
"Quando me recordo, é quase como se tivesse sido um sonho, porque passa tão rapidamente, há tanta coisa acontecendo, tão fora da sua vida normal."
Mas é justamente a reunião de tantos atletas de diferentes países que causa preocupação nesta edição dos Jogos, pelo potencial de propagação de variantes do coronavírus.
"Os atletas são testados quando chegam no Japão", afirma Sell.
Isso depois de terem apresentado um resultado negativo de teste de covid-19 para poderem embarcar ao país. Além disso, as autoridades japonesas decidiram que os eventos olímpicos ocorrerão sem espectadores, para minimizar os riscos.
A despeito dos cuidados, até esta semana, havia ao menos 67 casos de covid-19 já confirmados no Japão entre pessoas acreditadas para os Jogos, informa a agência Reuters.
Segundo a France Presse, cinco pessoas de dentro da Vila Olímpica testaram positivo.
O presidente do Comitê Olímpico Internacional, Thomas Bach, admitiu que os preparativos para os Jogos têm sido tortuosos.
"Ao longo dos últimos 15 meses, tivemos de tomar decisões em situações bem incertas. Tivemos dúvidas diariamente. Deliberávamos e discutíamos. Houve muitas noites insones", disse Bach nesta terça (20/7). "Mas para chegar aqui tivemos de ter confiança, tivemos de mostrar uma solução para a crise."
Para Tara Sell, com a chegada e a testagem de cada vez mais atletas ao país, "é garantido que continuaremos a ver mais casos sendo identificados".
Ao chegar ao país, os atletas precisam se deslocar entre seus alojamentos e os diferentes polos olímpicos, uma movimentação que costuma ser caótica em várias edições dos Jogos.
Sell lembra que já teve de viajar sentada no chão de um ônibus quando se deslocava para uma competição em Atenas, para garantir que chegaria a tempo ao local.
Nesta edição, porém, algumas coisas estão diferentes: o transporte das equipes vai ser feito mais por "vans privadas do que por grandes ônibus, onde todos ficavam juntos", afirma Sell.
Vida na Vila Olímpica
Outra mudança significativa será na convivência na Vila Olímpica, descrita por Sell como "muito legal": "você convive gente do mundo inteiro — é uma oportunidade de conhecer pessoas que não são como você. Estar próximo dos demais atletas na mesma vila, comendo juntos, é um aprendizado."
Nada disso, é claro, será estimulado pelas autoridades nesta edição dos Jogos, que querem que os atletas façam as refeições sozinhos, em seus alojamentos.
Os refeitórios, por sua vez, têm divisórias plásticas instaladas entre os assentos e muito álcool gel.
Bebidas alcóolicas não serão vendidas ali, e medidas de distanciamento social devem coibir eventuais romances entre os atletas.
"Eles estarão lá para competir e representar seu país, algo de que não vão se esquecer", diz Sell. "Para mim, como atleta, foi a razão principal pela qual estava na Olimpíada: não era para as festas, e sim para competir e fazer valer os quatro anos anteriores de treinamento."
Quando os atletas chegam à Vila Olímpica de Tóquio, só poderão deixar o local para deslocar-se aos seus locais de competição, até chegar a hora de voltar para casa.
"Fazer turismo é um dos charmes da Olimpíada para a cidade-sede", prossegue Sell. "Então é uma pena que Tóquio não poderá ser isso neste ano."
Competições
"É um momento incrível sair para os locais das competições e ver os fãs torcendo", relembra Sell. "É o maior momento para quase todos os atletas - poder competir pelo seu país no palco central do mundo é uma honra da qual nunca vou me esquecer."
Em anos normais, cidades olímpicas costumam receber mais de 1 milhão de visitantes. Nesta, porém, não haverá a presença de fãs. "Os atletas estarão lá (nos locais de competições), as equipes estarão lá, e alguns representantes da imprensa também."
Inicialmente, apenas espectadores estrangeiros haviam sido banidos de assistir às competições. Depois, o veto se estendeu aos japoneses, de forma a minimizar as chances de contágio - em uma cidade que tem visto as taxas de covid-19 subirem recentemente, o que fez autoridades declararem estado de emergência.
"As equipes vão torcer para seus atletas, mas talvez tenha bastante eco", comenta Sell.
"Acho que isso não vai incomodar alguns atletas, que já estão acostumados, mas os atletas que em geral se alimentam da (vibração da) torcida podem não conseguir (essa fonte de energia)."
Pode virar um evento superpropagador?
Apesar dos riscos envolvidos, Sell acredita que seja possível evitar que os Jogos Olímpicos se tornem um evento "superpropagador" do vírus.
"Veremos como será a implementação (das medidas sanitárias) na prática e seu sucesso", diz. "Certamente se você testar as pessoas diariamente e colocá-las em quarentena rapidamente se testarem positivo, e tiver uma alta taxa de vacinação entre atletas, poderá controlar os casos ao identificá-los."
Sell opina que o fato de vários atletas terem testado positivo não significa que o sistema não esteja funcionando.
"É bom porque o sistema foi projetado para identificar esses casos, e está fazendo isso. Em contrapartida, cada caso (de covid-19) é uma oportunidade para que as coisas deem errado e para transmissão adicional. Mas a questão é: esses casos serão contidos? E acho que eles (autoridades) têm um bom plano para isso, temos de ver se a a implementação dele vai funcionar."