Preconceito que Caio Bonfim enfrentou reflete machismo e homofobia do país, diz Zélia Duncan

Atleta garantiu a inédita medalha de prata nos 20 km da marcha atlética e falou sobre o preconceito que sofreu por praticar o esporte

1 ago 2024 - 13h07
(atualizado às 14h04)
Zélia Duncan, Valery Mello e Fê Isis falaram um pouco sobre a modalidade e as Olimpíadas durante participação no programa Paris É Delas
Zélia Duncan, Valery Mello e Fê Isis falaram um pouco sobre a modalidade e as Olimpíadas durante participação no programa Paris É Delas
Foto: Reprodução/Paris É Delas

O atletismo brasileiro chegou aos Jogos Olímpicos com uma conquista histórica. Caio Bonfim, em sua quarta participação olímpica, garantiu a inédita medalha de prata nos 20 km da marcha atlética, na manhã desta quinta-feira, 1º. A vitória não só destacou a dedicação do atleta, mas também trouxe à tona questões sociais importantes, como a homofobia e o machismo no esporte, abordadas pela cantora e corredora Zélia Duncan durante participação no programa Paris é Delas.

  • Paris É Delas é o programa oficial do Terra com os principais acontecimentos dos Jogos de Paris, oferecido por Vale. Assista aqui no Terra.

A medalha de prata de Caio foi um marco que coroa décadas de trabalho árduo da sua família na marcha atlética e uma resposta aos preconceitos que a modalidade enfrenta no Brasil.

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Após a conquista, o atleta falou á imprensa sobre as críticas que já sofreu. "Eu fui muito xingado no primeiro dia que marchei com meu pai. Não é me fazendo de vítima. Eu só comecei com 16 anos, porque era muito difícil ser marchador. Eu decidi ser xingado e não ter problema com isso. Difícil não foi a prova de hoje, foi vencer o preconceito", destacou. 

Depois da fala do marchador, Zélia se pronunciou sobre o preconceito que ainda permeia a marcha atlética no Brasil. "[O "rebolado" que as pessoas citam] não é só uma técnica, é um fundamento do esporte dele. Eu acho que isso só mostra imensa ignorância do nosso país, mostra uma homofobia ridícula, que um homem não pode rebolar, um homem não pode ser sensível, um homem não pode chorar", afirmou. 

Zélia Duncan
Foto: Arquivo Pessoal

Ela ainda destacou que a questão não se trata apenas de um movimento corporal, mas de algo que permeia o machismo. "Isso é pesado para os homens também. O cara não pode ser ele mesmo, porque vai ser taxado por uma sociedade inteira, é uma coisa patética. No entanto, quando ele subir no pódio para pegar a medalha dele, ele está representando também essa gente ignorante, e ele vai ser muito maior, já é muito maior do que tudo isso, persistiu, é uma coisa de família. O pai e a mãe com ele. Ele que rebole na cara do Brasil, com uma medalha no peito que a gente vai aplaudir de pé", destacou ela, enaltecendo a coragem de Caio.

Também convidada do programa, Valery Mello, maratonista que participará da "Maratona Para Todos em Paris", destacou a complexidade e o esforço envolvidos na marcha atlética. "A grande diferença da marcha atlética para a corrida é que, na marcha atlética, você tem que ter os dois pés no chão. O contato do pé da frente ou de trás, os dois têm que estar no chão, não tem a fase aérea que a corrida tem", explicou, ressaltando a técnica rigorosa que diferencia a modalidade.

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A atleta também mencionou o desgaste e a persistência necessários para alcançar o sucesso na marcha atlética, destacando a trajetória de Caio. "É realmente muito desgastante, então além do incentivo, é entender que um atleta leva muito tempo para chegar no seu pico de performance. Ele fez história porque nós não temos história em marcha atlética. Quando ele foi entrevistado, você via que ele tinha muito a dizer, depois de passar tanto tempo ouvindo piadas sobre seu esporte."

Ela ainda enfatizou a importância do apoio ao esporte, especialmente através das redes sociais, encorajando todos a seguir, comentar e compartilhar as histórias dos atletas para aumentar sua visibilidade e influência. "Esse é o momento deles brilharem, depois eles vão passar mais quatro anos treinando, então não deixem os atletas sumirem. Segue, comenta, custa zero para você". 

Fê Isis, atleta de vôlei e estilista, também destacou os desafios enfrentados por Caio Bonfim como atleta de um esporte individual. "Imagine [o quão é difícil] para ele que faz um esporte individual, está sozinho ouvindo piadas, não tem com quem compartilhar como no esporte coletivo. Ainda mais ele sendo um homem num país machista como o nosso", comentou, ressaltando a resiliência necessária para enfrentar o preconceito sem o suporte de uma equipe.

Falta de incentivo ao esporte

Durante o programa, Fê Isis também ressaltou a falta de incentivo ao esporte no Brasil, refletindo sobre sua própria trajetória e comparando com a situação atual. "Eu sou de uma geração que tivemos muita sorte. Na minha época, nós tínhamos 24 times de categoria de base. Hoje, em São Paulo, são 5", explicou. Ela destacou que essa redução impacta diretamente os resultados, pois as bicampeãs olímpicas, por exemplo, surgiram de uma geração com muito mais apoio e estrutura.

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A atleta Fê Isis
Foto: Arquivo Pessoal

Essa falta de incentivo é particularmente evidente no vôlei. "Hoje vejo pessoas com talento, mas não tenho para onde direcionar", disse Fê, mencionando que muitas mães procuram orientação para suas filhas talentosas, mas encontram poucas oportunidades de desenvolvimento nas categorias de base. "As pessoas veem a seleção, veem o resultado, elas têm onde se inspirar, mas não têm onde começar", ela lamentou, ressaltando a importância de projetos e patrocínios que já não existem mais. 

A consequência dessa falta de estrutura e incentivo, segundo ela, é visível nos resultados das competições internacionais. "Muita gente fala nas redes sociais que "o Brasil do Chororô quase conseguiu, a turma do quase", mas essas pessoas fizeram tantas coisas sem incentivo, sozinhas, competindo com atletas que têm toda a estrutura, preparador físico, patrocínio, salário", explicou Fê. 

Desafios para mulher na corrida

Valery Mello destacou os desafios específicos que as mulheres enfrentam no mundo da corrida, enfatizando a longa luta pela inclusão e reconhecimento no esporte. "Quando falamos de corrida para mulheres, é essencial entender de onde vem essa história. Mulheres só tiveram a oportunidade de participar das Olimpíadas a partir de 1900, e a maratona feminina só foi incluída em 1984, nos Jogos de Los Angeles", explicou. Ela relembrou as pioneiras como Roberta Gibbs e Katerine Switzer, que participaram de maratonas clandestinamente para provar que as mulheres podiam competir em distâncias longas, desafiando a crença de que elas não teriam capacidade física para isso.

Maratonista Valery Mello
Foto: Arquivo Pessoal

Avançando para o contexto atual, Valery ressaltou que, embora tenha havido progresso, as dificuldades persistem. "Estamos em 2024, mas ainda não é um lugar seguro para as mulheres. Muitas não conseguem treinar com qualidade por falta de espaço seguro e adequado, especialmente em grandes cidades como São Paulo", observou. Ela mencionou as dificuldades adicionais que as mulheres enfrentam, como a conciliação dos treinos com o trabalho, os cuidados com os filhos, e os desafios fisiológicos como a menstruação e as cólicas. Além disso, a insegurança durante os treinos é um problema constante, com muitas mulheres enfrentando assédio e até levando spray de pimenta para se protegerem.

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A atleta também falou sobre o preconceito e a necessidade constante de provar sua capacidade. "É difícil para todos, mas para as mulheres é ainda pior. Você sai para correr e escuta bobagens, enfrenta assédio. Mesmo quando você se destaca, enfrenta questionamentos e piadas", disse. Ela destacou a importância de transformar essas dificuldades em combustível para continuar se superando e conquistar seus objetivos. "É triste quando você começa a correr muito bem e alguém tenta te diminuir, mas eu aprendi a usar isso como motivação", concluiu.

Fonte: Redação Terra
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