Sensação da Copa do Mundo do Catar, a seleção do Marrocos é de longe a que mais está curtindo o Mundial e, talvez, o time mais difícil de ser batido. Desde que o técnico Walid Regragui assumiu a equipe, em agosto, portanto, às vésperas da competição, o time sofreu um único gol em oito partidas. E foi gol contra, do zagueiro Nayef Aguerd diante do Canadá, na primeira fase da disputa em Doha. Mas os segredos de Marrocos não param por aí. Trata-se de uma seleção leve, sem peso de ganhar uma Copa por sua tradição, que já chegou longe e que agora tem no futebol uma diversão. Jogadores e torcedores se unem no país-sede em comunhão que só o futebol pode oferecer. Teve até mãe de atleta dançando em campo após uma vitória.
Os marroquinos se tornaram os primeiros representantes do continente africano a chegar a uma semifinal de Copa do Mundo nos 92 anos de competição. Para isso, se ampararam em um estilo de jogo defensivo, bem diferente do que sempre se propagou nas análises-clichês de futebol - a de que o jogo naquele continente é alegre, voluntarioso, franco ou pouco afeito à obediência tática. Se defender é a primeira lição.
Sólido, o modelo marroquino, no entanto, não é exatamente retranqueiro, longe disso. Tanto é assim que o Marrocos venceu três de suas cinco partidas até aqui, incluindo diante de duas seleções que chegaram muito mais bem cotadas à Copa, a Bélgica (vitória por 2 a 0 na fase de grupos) e Portugal (1 a 0 nas quartas de final). Teve ainda a Espanha, que não foi párea para os marroquinos.
A grande questão é que Walid Regragui conseguiu fazer o Marrocos ter um contragolpe efetivamente mortal. Peça fundamental é o lateral-direito Achraf Hakimi, que atua no PSG da França, justamente o país adversário da semifinal e liderado pelo astro Mbappé. Sua torcida é a mais alegre e barulhenta da disputa, talvez perca ou empate com os argentinos. Os marroquinos não imaginavam que a seleção pudesse chegar tão longe, principalmente diante de rivais com mais tradição. O futebol nunca mais será o mesmo em Marrakech.
Também ajuda muito a seleção do Marrocos o fato de o sucesso na Copa ser um desejo, não uma obrigação. Dito de outra forma, enquanto seleções de ponta, como o Brasil, entram em campo com o peso de brigar pelo título, sempre, os marroquinos querem usufruir do Mundial. Além da torcida, há as reações dos próprios jornalistas do país que acompanham o time.
Nas arquibancadas de pouco ritmo de uma Copa do Mundo, a vibração do torcedor do Marrocos é uma das mais agradáveis. Entre os torcedores há muitos familiares dos jogadores, que viajaram com as custas pagas pela federação marroquina. E, nas coletivas de imprensa pós-jogos, em vez de perguntas aos atletas, os jornalistas do país agradecem pela exibição da equipe. Por mais uma vitória. Mas isso não tira a qualidade de seus jogadores nem a seriedade das partidas. Marrocos dá a bola ao adversário, se defende bem e joga em bloco do meio para o ataque.
Nas coletivas, quando há perguntas de fato, Walid Regragui tem respostas que são a cara do Marrocos nesta Copa do Mundo. "Em uma coletiva de imprensa, três ou quatro partidas atrás, me perguntaram se poderíamos vencer a Copa do Mundo. E eu disse: 'Por que não?' Podemos sonhar. Por que não devemos sonhar? Se você não sonha, não chega a lugar nenhum. Não custa nada", disse o treinador, apontado como uma das principais razões de esse time chegar tão longe.
Depois da vitória sobre Portugal, no sábado, o treinador foi além. "O importante para as gerações futuras é que mostramos que é possível para uma seleção africana chegar às semifinais da Copa." E acrescentou: "Ou até a final, por que não?". Hoje, Marrocos tenta dar esse passo diante da favorita França, como também eram Bélgica, Espanha e Portugal. Se passar, os marroquinos farão a final contra a Argentina.