Olimpíada de Tóquio: O desafio de dar vida aos jogos sob ameaça da covid-19

Adiado por um ano, o megaevento está imerso em um clima de incerteza, desconforto e medo por causa da pandemia de covid.

23 jul 2021 - 08h30
(atualizado às 08h50)
Olimpíada de Tóquio foi adiada em um ano por causa da pandemia
Olimpíada de Tóquio foi adiada em um ano por causa da pandemia
Foto: Reuters / BBC News Brasil

"Nem sabia que ia começar". O comentário da japonesa Erina Shirahama sobre a Tóquio-2020 revela um sentimento comum à maioria dos japoneses que, até minutos antes da abertura oficial dos Jogos Olímpicos, acreditavam que eles não deveriam acontecer.

Adiado por um ano e imerso em um clima de incerteza, desconforto e medo, o megaevento apaixonante, da integração e que exaltaria a resiliência nipônica, virou promessa que se desfez ao longo dos anos desde quando o Japão conquistou o direito de sediar sua segunda olimpíada em 57 anos.

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As competições da Tóquio-2020 iniciaram sem muito destaque, dois dias antes da cerimônia que será realizada nesta sexta-feira à noite (horário local), sem extravagância, como quase tudo o que tem ocorrido no atual cenário de pandemia.

O novo Estádio Nacional Olímpico, construído para abrigar 68 mil espectadores e ao custo de US$ 1 bilhão, deverá receber para a cerimônia de abertura menos de mil pessoas, incluídos 15 líderes globais.

Segundo a mídia japonesa, entre os ausentes estará o ex-premiê Shinzo Abe, lembrado por muitos brasileiros pelo cosplay que fez do personagem de videogame Super Mario na Rio 2016 para divulgar as Olimpíadas de Tóquio.

Abe promoveu a campanha olímpica anunciando o renascimento do país após um longo período de estagnação econômica, prometendo os Jogos da Reconstrução uma década depois do terremoto seguido de tsunami e acidente nuclear de Fukushima.

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Diante da pandemia e apostando no fim da crise sanitária em um ano, ele decidiu adiar a Tokyo 2020 para o verão deste ano - e logo depois precisou renunciar ao cargo devido a problemas de saúde.

A pandemia continua, mas os Jogos começaram. E poucas pessoas perceberam isso, possivelmente pela discrição com que o tema olímpico tem aparecido na imprensa.

A corrida de revezamento da tocha pelas 47 províncias japonesas também perdeu força ao longo do percurso, e em muitos lugares a população foi desconvidada a assistir a passagem dos corredores pela cidade para evitar o contágio pelo coronavírus.

Com o cancelamento dos eventos que costumam acompanhar uma Olimpíada, como festas de confraternização e exibição pública, o torcedor esporádico de quatro anos não encontra motivação para entrar no clima olímpico. Ele também está banido de assistir às competições, com rara exceção, como a cidade de Sendai (Ibaraki) que conseguiu aprovar a presença de espectadores.

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No primeiro dia aberto ao público, a arquibancada ficou menos ocupada do que poderia. A goleada brasileira por 5 a 0 sobre a China na partida de futebol feminino, disputada dia 21, foi assistida presencialmente por 3 mil pessoas, metade das 6 mil que tinham ingresso para entrar no estádio Miyagi.

Com capacidade para 49 mil pessoas, o estádio poderá receber público nos dez jogos de futebol masculino e feminino programados para o local até dia 31 de julho.

Desses, apenas as partidas dos dias 28 (jogos do masculino) e 31 (quartas-de-final do masculino) tiveram 10 mil ingressos liberados (máximo permitido por local).

Os organizadores não estão confiantes de que a maioria dos sorteados vá usufruir do direito de pertencer ao seleto grupo de torcedores de uma Olimpíada quase sem público.

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O medo dos japoneses de se contaminar com o coronavírus parece maior do que a vontade de participar de um evento olímpico em casa.

Tóquio encontra-se em estado de emergência que vai até 22 de agosto, e registrou na véspera da abertura dos Jogos, mais 1.979 casos de Covid-19. Esta é a primeira vez que a contagem diária chega a 1.900 em cerca de seis meses, e não vai demorar muito para ultrapassar o recorde histórico de 2.520 registrado em 7 de janeiro.

A japonesa Erina Shirahama não tinha se dado conta de que os Jogos estavam para começar
Foto: Arquivo Pessoal / BBC News Brasil

O conselheiro médico do governo sobre a Covid-19, Shigeru Omi, estimou recentemente que já na primeira semana de agosto Tóquio deverá atingir a média diária de 3.000 casos.

A lentidão na campanha de vacinação aumenta o medo e esfria ainda mais a temperatura das Olimpíadas.

O Japão enfrenta sua quinta onda de Covid-19 e tem índice de cobertura vacinal baixo em comparação com outros países desenvolvidos: 35,07% da população tomou a primeira dose e 23,11% também a segunda, de acordo com dados oficiais do dia 20.

Tudo isso tem servido como argumento para vários grupos anti-olimpíadas pedirem o cancelamento dos Jogos, mesmo que seja no minuto final.

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Na terça-feira, 20, um grupo de acadêmicos, jornalistas e escritores entregou para o Governo Metropolitano de Tóquio, petição com 140 mil assinaturas.

"É um absurdo ir adiante com as Olimpíadas nessas circunstâncias, perante um aumento da difusão do coronavírus e outros problemas", disse Chizuko Ueno, professora emérita de Sociologia da Universidade de Tóquio. Feminista famosa no Japão, ela integra o grupo que vem coletando adesão online desde o dia 2 de julho.

Outro representante, o ex-diplomata Yutaka Iimura, disse que há dúvidas sobre a viabilidade de um jogo seguro e protegido como tem defendido o atual premiê Yoshihide Suga.

A socióloga Ueno explicou que ela pertencia à geração estudantil que culpava os pais por não pararem a guerra. "Agora podemos ser acusados pela geração mais jovem de não impedirmos esses jogos ridículos."

Segundo pesquisa recente do jornal Asahi, 68% dos entrevistados expressaram dúvidas sobre a capacidade dos organizadores das Olimpíadas de controlar o contágio por coronavírus, e 55% disseram ser contrários à realização dos Jogos.

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Para o diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, na vida não existe risco zero.

"Só existe risco maior ou risco menor", disse na quarta-feira, ao elogiar o protocolo adotado pelos organizadores dos Jogos e emitir voto de confiança no sucesso do evento. Porém, o número crescente de casos de Covid-19 destoa do tom otimista do dirigente da OMS.

A equipe de ginástica dos Estados Unidos - integrada pela campeã Simone Biles - decidiu trocar a Vila Olímpica por um hotel nas proximidades, na tentativa de evitar o coronavírus.

Desde 1º de julho e até a véspera da abertura dos Jogos, já eram 91 pessoas envolvidas no evento, entre atletas, integrantes de comissões técnicas, dirigentes, funcionários e jornalistas, testadas positivo para Covid-19.

Os casos mais recentes são do mesatenista tcheco Pavel Sirucek e da skatista holandesa Candy Jacobs. "Estou com o coração partido", disse a atleta em sua postagem.

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Outros atletas olímpicos testaram positivo antes de chegar ao Japão. A atiradora da Grã-Bretanha, Amber Hill, ranqueada como a número 1 do skeet feminino e a tenista americana Cori Gauff são parte dessa lista que não para de crescer.

Se a cada dia os Jogos perdem estrelas, em compensação ganham em escândalos e constrangimentos.

Um dia antes da abertura, os organizadores dos Jogos demitiram Kentaro Kobayashi, um dos diretores da cerimônia, por declarações antissemitas feitas quando integrava uma dupla de comediantes na década de 1990.

Milhares de japoneses nao querem os Jogos Olímpicos no país para evitar maior disseminação do coronavírus
Foto: Reuters / BBC News Brasil

O Comitê Organizador só soube do episódio após uma organização internacional judaica de direitos humanos ter divulgado uma declaração condenando o comportamento anterior do compositor japonês.

"Qualquer vínculo desta pessoa com a Olimpíada de Tóquio seria um insulto à memória de seis milhões de judeus", disse o rabino Abraham Cooper.

Dias antes, a organização da Tokyo 2020 tinha decidido não utilizar uma música composta por Keigo Oyamada para a cerimônia de abertura, após fortes críticas ao compositor por praticar bullying contra colegas com deficiência quando estudante.

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Esses episódios são sequência de outros escândalos que vêm desde que o Japão iniciou os preparativos dos Jogos.

Apesar do pessimismo no entorno, a japonesa Erina Shirahama torce para ver em Tóquio um pouco do que presenciou quando esteve na Rio-2016.

Ela trabalhou como tradutora para uma emissora de tevê japonesa, e se recorda da animação da torcida e da expectativa que havia na época de manter esse clima clima com os Jogos "From Rio to Tokyo" (do Rio para Tóquio).

Apesar dos riscos, e se tiver que acontecer, acredita que pode haver méritos na Olimpíada em plena pandemia. "As pessoas se encontram presas em casa, desanimadas e preocupadas, e isso pode ser revertido através do esporte. Ele transmite uma energia difícil de descrever em palavras,"

Muitos japoneses ainda se recordam, emocionados, da cena em que Yoshinori Sakai, nascido no dia do bombardeio atômico em Hiroshima (6 de agosto de 1945), entra no estádio levando a tocha até a pira olímpica na Olimpíada de 1964.

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A Tóquio 2020 parece estar muito longe de provocar uma emoção nessas proporções, e mais ainda de conseguir a audiência como a alcançada naquela cerimônia de abertura de 57 anos atrás, acompanhada por 87,4% dos televisores existentes na época.

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