Num primeiro olhar, o Torneio de Wimbledon deste ano, que retorna após a pandemia de coronavírus ter ocasionado o fechamento do campeonato de tênis mais famoso do mundo, em 2020, parece um assunto menor.
Nada de Rafael Nadal. Depois de uma contundente derrota para Novak Djokovic nas semifinais de Roland Garros, Nadal desistiu de disputar Wimbledon, citando a necessidade de se recuperar de uma contusão. Nada de Naomi Osaka. Ela anunciou na semana passada que continuaria o intervalo na carreira para cuidar da saúde mental. Roger Federer caminhará novamente sobre a Quadra Central, mas tem quase 40 anos e ainda se recupera de uma lesão no joelho. Conforme passa o tempo, se esvaem as esperanças de que Serena Williams tentará mais uma conquista de título.
Mas Djokovic estará lá, revigorado pela vitória em Roland Garros e mirando os livros de recordes. Vencer em Wimbledon, que começou na segunda-feira, seria sua 20.ª conquista de título, equiparando-o finalmente a Federer e Nadal. A vitória também manteria viva sua busca pela conquista dos quatro títulos do Grand Slam em um mesmo ano, algo que não ocorre há 52 anos no tênis masculino.
Ele está agora à beira do precipício da história, o que cria um dilema para muitos de seus mais teimosos detratores: ignorá-lo e escarnecer de sua marcha inspiradora; ou finalmente dar reconhecimento justo ao talento do inflamado e eficiente tenista sérvio. A seguir, por que os haters e as pessoas que simplesmente não se emocionam pela ascendência de Djokovic deveriam reconsiderar suas posições.
O estilo minimalista de Djokovic redefine a maestria no tênis. Em um esporte que respira estética, que vive do fluxo estarrecedor dos pontos e do balé de seus mais notáveis atletas, o estilo frugal de Djokovic gera tanta discórdia quanto os blocos de cores de Rothko.
Federer tem um quê de Rembrandt: todos aqueles movimentos barrocos e movimentos graciosamente artísticos. As pancadas físicas e ritmadas de Nadal lembram ganchos de esquerda de um boxeador. Mas o jogo de Djokovic tem sua beleza. Nenhum dos grandes tenistas foi tão flexível, tão capaz, em qualquer tipo de campo, de se virar, se dobrar e se torcer, transformando defesas em ataques súbitos.
Talvez mais do que qualquer outro atleta na história do tênis, Djokovic refinou fundamentos do esporte: preparação, equilíbrio, deslocamentos de peso, habilidade com os pés. Ele é um minimalista, isento e livre da necessidade de se exibir. Existe nisso uma estética cativante? Pode apostar que sim. Ele não é um robô. Ele é Houdini. São abundantes os termos pelos quais Djokovic é definido na internet. Dizem que ele é uma máquina. Um robô. Nada além da parede de squash mais falastrona do mundo. Besteira.
Sim, ele vence… e vence e vence. Ao longo da última década, ninguém venceu mais que ele no tênis. Mas não há nada de previsível em relação à maneira que Djokovic coloca isso em prática. Há os massacres completos e retumbantes - lampejos de brilhantismo que misturam sua potência e habilidade de defender ao fato de ele ser canhoto - como nos sets consecutivos em que esmagou Nadal na final do Aberto da Austrália, em 2019.
Também há vívidas exibições de coragem, determinação e perseverança. Seu recente título em Roland Garros resultou disso. Mas lembre-se, também, da maratona de seis horas e cinco sets contra Nadal para vencer o Aberto da Austrália em 2012. E, evidentemente, da recuperação de dois match points para superar Federer na épica final de Wimbledon em 2019.
Se você acha que uma predileção profunda por fugas em estilo Houdini é algo enfadonho, bem, então pode ser impossível convencê-lo. Os defeitos de Djokovic são capazes de redimi-lo. Sim, ele pode se enfurecer, arrebentar raquetes, berrar como uma criança petulante consigo mesmo e com técnicos, árbitros ou outros jogadores. Em sua pior exibição de mau humor, no U.S. Open de 2020, ele atingiu uma juíza de linha com bolada, em um acesso de fúria que o levou à desclassificação do torneio.
Sua maior demonstração de insensibilidade foi tentar organizar campeonatos de tênis no ano passado, na Sérvia e na Croácia, durante o pior período da pandemia nos países. Os torneios foram cancelados depois que ele e outros grandes tenistas pegaram covid-19.
Djokovic tem se mostrado excessivamente humano das melhores, piores e mais diretas maneiras. Ele não esconde isso. Apesar da miríade de vídeos com ele praguejando em quadra ou mostrando que não se importa com nada - como em abril, quando disse achar que a vacinação contra o coronavírus não deveria ser obrigatória no ATP Tour -, sua jornada sempre se deu diante do público.
Seus defeitos e a sinceridade com que ele revela seu interior, o tornam mais interessante do que seus colegas de esporte, quase perfeitos e mais comedidos. Sem ele, o tênis seria um monótono duopólio. Por anos, o tênis masculino pareceu se definir por uma única rivalidade: Federer versus Nadal. Dois grandes campeões, dois estilos contrastantes.
A duradoura conexão entre esses tenistas veio a definir uma era no esporte. Então Djokovic se intrometeu no jogo na marra. Ele é a terceira via, diferente de Federer e Nadal em quase todos os aspectos, incluindo o fato de não vir de países ricos, como Suíça e Espanha, mas de um país do Leste Europeu que muitos fãs nem sabem onde fica no mapa.
Para os haters, é difícil engolir tudo isso, e eles devem engasgar com frequência. Se um Federer revigorado for capaz de operar sua magia nos gramados campos de Wimbledon, talvez vejamos a briga pelo título que todos querem: uma revanche da emocionante final de 2019 do Aberto da Inglaterra.
Djokovic se encontrará em uma posição familiar, encarando uma hostil multidão querendo ver Federer vencedor e o sérvio esmagado. Mas se a história recente se repetir, Djokovic levantará o troféu novamente, em mais uma afronta aos torcedores que se recusam a reconhecer um dos mais eletrizantes campeões da história de todos os esportes. Wimbledon perdeu o brilho? Não exatamente. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALI