Mesmo quando acreditamos ter o controle sobre nossas vidas, as coisas não costumam sair da forma como planejamos. As Dusk Falls, idealizado por Caroline Marcha, ex-Sony e Quantic Dream, nos lembra insistentemente disso e do peso de cada uma de nossas decisões.
O drama interativo desenvolvido pelo estúdio independente Interior/Night demorou oito longos anos para ficar pronto e é poderoso, visceral e reflexivo. A narrativa conta a história de duas famílias cujos destinos se entrelaçam: de um lado, os Walker tentam deixar para trás tudo o que deu errado na Califórnia e partem para recomeçar suas vidas no Missouri; do outro, os Holt se envolvem em um assalto para pagar uma dívida, mas tudo sai rapidamente do controle.
O encontro fatídico acontece no Motel Desert Dream, na pacata Two Rocks, lugar onde os Walker se tornam reféns dos Holt e grande parte da trama do primeiro dos dois livros do jogo se desenrola. No início, o jogador é mais um espectador - embora assuma controle sobre grande parte das ações de Vince Walker, um ex-mecânico de aeronaves que vê sua vida virar de cabeça para baixo do dia para a noite - e suas escolhas não são capazes de impedir, por exemplo, o encontro entre as duas famílias.
Por outro lado, esse início também constrói cuidadosamente as fundações das personalidades dos personagens mais importantes, e não demora para que nossos sentimentos sobre cada um deles comecem a se definir.
Já o segundo livro do jogo destaca as vidas de Vic, filha dos Walker, e Jay, o irmão mais novo dos Holt. Personagens de profundidade ímpar, ambos precisam lidar com as consequências de tudo o que aconteceu em Desert Dream, em uma época de suas vidas em que eram apenas passageiros das decisões de seus familiares. Além de trazer à tona as consequências de diversas escolhas tomadas durante o primeiro livro, essa metade final é onde o jogador terá a chance de decidir - e lidar com - o destino da grande maioria dos personagens.
A interação entre jogador e narrativa é simples e acontece de três formas. Os Quick Time Events servem não somente para que o jogador se sinta mais imerso, mas também garantem certa imprevisibilidade por serem capazes de mudar o rumo da história, mesmo que raramente sejam desafiadores. Além disso, o jogador precisa tomar decisões rápidas, que são temporizadas e costumam ser sentidas imediatamente, e outras mais importantes, chamadas de Encruzilhadas, que impactam diretamente os rumos da história, mas dão o tempo necessário para que o jogador reflita antes de qualquer decisão.
Em As Dusk Falls, as escolhas raramente são algo simples e jamais permitem uma saída impune. Em grande parte dos casos, o jogo colocará o jogador em posições que chegam a ser agonizantes e ele sequer saberá o que fazer. Essas escolhas são como um olhar profundo em frente ao espelho, em que é preciso encarar demônios interiores que tanto evitamos: é preciso lidar com questões que vão muito além do certo e do errado, que vão muito além da moral.
Ao final de cada capítulo, As Dusk Falls mostra uma Árvore Narrativa com todas as escolhas feitas e outras possíveis ramificações. É curioso ter a noção de quantas possibilidades existem na história, e o jogo dá a chance do jogador recomeçar dos pontos mais importantes e descobrir cada uma delas.
Enquanto esse recurso é valioso para aqueles que querem conhecer todas as nuances de As Dusk Falls, impressiona a forma como os desenvolvedores tornaram tão natural cada desfecho. Reviver as viradas de chave mostra o quão bem construída é a narrativa e como cada destino foi carinhosamente pensado.
Esses detalhes mostram o brilhantismo com que As Dusk Falls conta sua história. Lembrando algumas das melhores séries de TV já produzidas, como a cultuada Breaking Bad - que recebe uma singela homenagem ao longo da campanha -, As Dusk Falls não tem pressa em contar sua história e dura em torno de seis horas, tempo que usa com maestria para desenvolver seus personagens e levantar questões importantes e sensíveis.
Tudo isso em um estilo belíssimo de arte que lembra graphic novels em movimento. Cada quadro parece pintado à mão e, embora esse estilo possa não ser bem recebido por alguns jogadores, confere personalidade. A trilha sonora também se destaca, e traz músicas marcantes que combinam perfeitamente com a ambientação e trazem tensão ou emoção nos momentos certos.
O jogo está completamente dublado em português do Brasil, além de contar com legendas e menus totalmente localizados. Por fim, As Dusk Falls traz recursos de acessibilidade importantes, que permitem que o jogo seja aproveitado por todos.
Considerações
As Dusk Falls traz uma narrativa reflexiva e profunda. Embora perca um pouco do ritmo em alguns capítulos, o jogo jamais perde sua carga de emoção e aproveita esses momentos para desenvolver seus personagens.
É um jogo brilhante, em que é possível sentir o carinho dos desenvolvedores em cada detalhe. Como a maioria dos jogos interativos, As Dusk Falls tem um público menor e o gênero não é capaz de agradar a todos, mas sua entrada gratuita no Game Pass no dia de seu lançamento e a possibilidade de jogatinas multijogador - que ainda não pude aproveitar - traz uma chance de ouro para conhecer uma história realmente marcante.
As Dusk Falls será lançado em 19 de julho para PC, Xbox One e Xbox Series X/S. O jogo estará disponível no Game Pass no dia do lançamento.
Essa análise foi feita no Xbox Series S, com uma cópia antecipada gentilmente cedida pela Microsoft.
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