A missão: invadir Updaam, um distrito da ilha de Black Reef e abater um alvo essencial para conquistar a minha liberdade, o inventivo e problemático Charlie. Minhas armas estão prontas, eu sou um assassino treinado e há dezenas de oportunidades de abordagem espalhadas pelo mapa. Mamão com açúcar?
Um som diferente toca bem alto no fone, daqueles de deixar apreensivo, indicando que a situação vai complicar. É ela de novo, a Juliana invadiu o local! Também altamente treinada, ela trancou todas as saídas da área. Seu alvo sou eu!
Enquanto ela passeia pelos telhados com sua sniper, penso na melhor abordagem. Posso usar um dispositivo de hack na antena que ela instalou em algum lugar do mapa e escapar. Posso enfrentá-la e tentar ganhar recompensas ao abatê-la. Posso também tentar seguir minha missão de forma furtiva, evitando a garota assassina. Independente da escolha, falhar significa ser trucidado e, ao menos, ter a chance de começar um novo dia.
Essa situação tensa, divertida e cheia de possibilidades é o cotidiano de Deathloop, novo jogo da Arkane Studios que já está disponível para PC e PlayStation 5. Com uma mistura de diversos gêneros e foco na liberdade do jogador, traz uma estrutura fresca e experimental, que renova o gênero FPS e prova que ainda dá para arriscar mesmo em jogos de orçamento elevado.
Colt e Juliana
O início de Deathloop é daqueles perturbadores. Nós estamos na pele de Colt, que à primeira vista não parece o ser humano treinado em matar que é. Isso porque a primeira cena é ele sendo assassinado de forma violenta por uma garota barra pesada, a Juliana.
Tudo isso para mostrar o principal elemento de gameplay do jogo, o fluxo temporal. Colt, Juliana e todos os outros moradores de Black Reef estão presos no loop de um dia. Assim que as 24 horas se passam, tudo regride ao ponto zero, com o nosso personagem acordando em uma praia novamente.
Um dos primeiros destaques aqui é o estilo de arte primoroso da Arkane. Os personagens parecem saídos de um seriado policial dos anos 80, mas com um aspecto estilizado e bem único, que abusa da cor laranja em tudo. A arquitetura de tudo segue esse estilo e é sempre legal parar e ficar observando como cada local tem tantos detalhes.
Colt não se lembra de nada do passado em um primeiro momento. Já a Juliana se lembra de tudo e tem alguma treta pesada com nosso personagem. Ambos são assassinos talentosos, o que deixa a relação um barril de pólvora daqueles.
Todo esse loop temporal é sustentado por oito pessoas que vivem no bem bom em cada um dos quatro distritos da ilha. Para escapar, Colt precisa eliminar todos eles antes do dia acabar. Após a última batida do relógio, todo mundo renasce e é preciso tentar de novo.
Deathloop é um Roguelike?
Ao ouvir sobre reiniciar o dia e ser obrigado a tentar novamente o objetivo principal do zero, a primeira impressão que fica é a de que Deathloop se trata de um Roguelike. Mas não é bem assim.
O jogo bebe de alguns elementos do gênero, que recentemente recebeu ótimos jogos como Hades e Returnal, mas abre mão das principais características para gerar algo único.
Em Deathloop os mapas são fixos e não gerados de forma procedural. Há quatro mapas espalhados pela ilha, que variam apenas os inimigos de acordo com o período do dia. Você pode abordá-los diariamente da mesma forma, inclusive memorizando os melhores atalhos e locais para abates. Além disso, o sistema de tempo, que divide o dia em quatro períodos, deixa você avançar até a hora desejada para conseguir realizar seus objetivos. Ou seja, a progressão por vezes é bem linear e você sempre progride dia após dia, diferente de um Roguelike.
A morte aqui, inclusive, nem é tão punitiva. Você pode morrer até três vezes em cada período do dia antes de tudo reiniciar. O loop temporal é a alma do jogo mas não pressiona a diversão. O jogo em nenhum momento é frustrante ou tenta te jogar para trás na progressão.
É possível até salvar seus equipamentos. Com a energia conseguida nos mapas e abatendo alvos, dá para infundir suas armas e placas favoritas, garantindo que elas continuem no seu inventário na manhã seguinte. Não existe loop inútil.
A busca pelos oito alvos, no fim das contas, se torna quase um caso investigativo. Cada incursão pelos distritos de Black Reef se torna, na verdade, uma busca por pistas sobre esses caras e o seu próprio passado. Seja matando-os em algum local diferente, seja investigando um computador ou documento. Ao descobrir como eles se comportam, é possível manipular onde eles vão estar. Tem um alvo apaixonado em outro alvo. Tem festa na ilha. Dá para deixar tudo arrumadinho para um dia de carnificina.
No menu do jogo é possível seguir uma linha de quests e objetivos para cada personagem, seguindo pontinhos marcados no mapa, como é comum em outros jogos. Ao completar todas, você terá como seguir o dia de forma perfeita e concluir o seu objetivo.
Toda essa mistureba de FPS, Roguelike, investigação, Immersive Sim e multiplayer transforma Deathloop em uma experiência diferente de tudo. Os ingredientes você já conhece, mas como chefes os desenvolvedores os transformam em um prato memorável que não existem em outro lugar.
Dá para jogar de Juliana
A Juliana é parte importante da narrativa e também do gameplay. É possível jogar com ela, inclusive e a personagem tem um leque de poderes e habilidades similares aos de Colt. Você pode invadir os jogos de outras pessoas e caçar o protagonista com a personagem.
Jogadores focados no PVP podem escolher ser a Juliana e invadir o jogo dos outros. Replicando os momentos de tensão que narramos nos primeiros parágrafos. Quem prefere jogar sozinho pode ficar sossegado, é possível desativar esta opção para que ninguém possa invadir seu jogo. Nesses casos, Juliana é controlada pela máquina em momentos específicos da aventura.
Também é possível configurar o jogo para que apenas amigos possam tentar assassinar Colt.
Essa dinâmica do multiplayer traz um fator replay grande, já que entrar apenas para tentar abater os inimigos em confrontos que lembram os melhores filmes de assassinos é divertido e tenso.
Considerações
O DNA da Arkane está por todos os lados. Se você jogou outros jogos do estúdio, como Prey e Dishonored, vai se sentir em casa. Até mesmo a interface é bem parecida.
Colt é como o Corvo Attano do Dishonored. O jogador consegue controlar as suas duas mãos, cada uma com uma arma ou habilidade especial. Os inimigos pelo mapa são quase cobaias para testar sua criatividade. É possível jogá-los para o alto, ficar invisível e abatê-los de forma furtiva, conectá-los para dividirem o dano e muito mais. Todo o combate, inclusive o das armas, é responsivo e gostoso de interagir por horas e horas.
Essa liberdade de abordagem também é aplicada pelos mapas. Há muita exploração vertical e horizontal, com travessia rápida do personagem, que pode correr e escalar praticamente tudo. Com o tempo o jogador vai descobrindo uma infinidade de segredos, tanto sobre a história quanto de locais que servem para tentar executar inimigos de maneira segura.
O que fica de negativo é apenas a inteligência artificial dos inimigos. O sistema de manada deles é meio bobo, daqueles que manjam a sua posição quase por telepatia. Alguns ignoram sons que rolam bem perto e eles não são lá muito espertos para te cercar de forma desafiadora. Isso não chega a minar a experiência e fica mais como algo que poderia ter sido melhor.
Deathloop está disponível para PC e PlayStation 5.
*A análise de Deathloop foi feita no PS5, com uma cópia do jogo gentilmente cedida pela Bethesda.