Quando a Rockstar Games anunciou uma coletânea com os três Grand Theft Auto da geração PS2, Game Cube e Xbox, remasterizados com gráficos em alta resolução e controles atualizados, os fãs se permitiram sonhar com um fim de ano inesquecível, em que passariam dezenas de horas tocando o terror em alguns dos mais divertidos mundos abertos já feitos. Infelizmente, GTA The Trilogy tem mais problemas do que melhorias e passou longe de ser a prometida edição definitiva destes jogos clássicos.
O pacote inclui Grand Theft Auto III, que completou 20 anos recentemente e deu início ao reinado da Rockstar no campo dos jogos de mundo abertos tridimensionais, com uma aventura criminosa nas ruas de Liberty City; GTA Vice City, ambientado em uma ensolarada versão fictícia de Miami nos anos 1980, em que o mafioso Tommy Vercetti se envolve com traficantes internacionais, bandas glam e celebridades do cinema adulto; e GTA San Andreas, que acompanha a volta de Carl Johnson para as ruas de Los Santos, onde encontra sua família e amigos lutando nas guerras de gangues dos anos 1990.
Os três jogos são muito divertidos e é fascinante observar a evolução do game design da Rockstar ao longo da série. Enquanto GTA III é quase uma recriação tridimensional dos primeiros jogos, com trama simples e missões mais lúdicas, Vice City já ganha os contornos cinematográficos que se tornaram sinônimo das campanhas solo de Grand Theft Auto. San Andreas é maior em tudo: são três cidades e um grande estado para explorar, cheio de mistérios e easter eggs, muitas missões secundárias, minigames de namoro, basquete, corrida, aviação, opções de personalização com peças de roupa e cortes de cabelo, elementos de RPG para aprimorar atributos e muito mais.
O fato destes jogos continuarem divertidos mesmo com todos os problemas da remasterização é um atestado da qualidade inerente do game design que fez a série tão famosa. Pena que a nova roupagem muitas vezes tire o brilho da obra.
Algo de errado não está certo
GTA The Trilogy parece ser uma adaptação das versões mobile dos jogos para o PC e consoles atuais, ou seja, os desenvolvedores já pegaram uma versão dos games com muitos recursos ausentes e portaram para máquinas mais potentes, usando um novo motor gráfico - a Unreal Engine 4 - para aplicar melhorias de resolução, iluminação e outros efeitos.
Em alguns aspectos, a estratégia funciona: os efeitos de luz são bastante caprichados, como você vai perceber ao rodar pela costa em Vice City. Os letreiros de neon multicoloridos e o pôr do sol cor de rosa impressionam. Os materiais dos veículos têm mais detalhes perceptíveis, como os frisados nas lanternas dos carros, graças ao aumento na resolução.
Os controles realmente foram modernizados, principalmente na direção dos veículos, que ficou mais agradável. As missões RC, em que Tommy ou Carl controlam aviões de controle remoto, ficaram um pouco menos frustrantes graças aos novos controles. Você pode alternar para o controle antigo para lembrar como era e constatar a melhoria com suas próprias mãos. Porém, o manuseio de armas passou longe do esquema excelente de GTA V e está mais para uma adaptação do jogo de celular, com uma mira automática esquisita e simples demais.
Os maiores problemas são visuais mesmo. Não falo da aparência geral dos personagens, afinal a Rockstar tentou preservar o estilo mais cartunesco dos jogos originais e isso funcionou bem, combina com o tom de galhofa destas aventuras - foi só em GTA IV que a série abraçou um pouco de sobriedade. Mas o acabamento dos bonecos ficou no mínimo esquisito, alguns tem braços multiarticulados, todos tem dedos desproporcionais e muitos rostos ficaram bem estranhos. Personagens falando com a boca fechada são frequentes em todos os jogos. É como se a Unreal Engine não se encaixasse direito sobre os modelos originais, como ao vestir uma roupa nova no tamanho errado.
Para piorar, há todos os elementos que foram cortados, seja pela conversão das versões mobile ou por escolhas ruins dos desenvolvedores: não há respingos de água ao cair com um carro no mar, por exemplo. Não há neblina escondendo o cenário de San Andreas quando o jogador decide roubar um avião - no PlayStation 2, esse era um recurso para disfarçar as limitações do hardware, mas agora, todo o mapa é perfeitamente visível e as distâncias parecem menores, como se você estivesse sobrevoando um parque temático e não um estado inteiro.
Ao que parece, a produtora Groove Street é um estúdio pequeno, com umas 30 pessoas trabalhando neste projeto. É um time bastante reduzido para uma tarefa dessas e dizem que eles usaram uma I.A. para renderizar os personagens e NPCs, mas o resultado não saiu como o esperado. Ainda assim, a Rockstar, dona da marca, deixou passar. Porém, mais do que procurar culpados, agora o que importa é esperar que os desenvolvedores busquem corrigir estas falhas através de atualizações constantes. As primeiras já foram lançadas, mas ainda há muito o que fazer.
Considerações
Por seu design, evolução tecnológica, liberdade para o jogador e até mesmo as polêmicas em que se envolveram, GTA III, Vice City e San Andreas são jogos clássicos que contam uma parte importante da história dos games. Esta trilogia merece um tratamento melhor para ser aproveitada por fãs saudosos ou apresentada para uma nova geração de jogadores.
GTA The Trilogy - The Definitive Edition está disponível para PC, PS4, PS5, Switch, Xbox One e Xbox Series X/S. Grand Theft Auto San Andreas - The Definitive Edition faz parte do catálogo do Game Pass nos consoles Xbox.
*Esta análise foi feita no Xbox Series X, com uma cópia do jogo gentilmente cedida pela Rockstar Games.