Minha bolsa está mais pesada do que deveria e minha localização na Zona está longe de um dos acampamentos com qualquer mercador. Ainda tenho comida à vontade, mas os suprimentos de cura estão em menos quantidade do que eu gostaria. Meu personagem também está com um pouco de sono. Desço as escadas da antiga usina mesmo assim, voltar seria pior.
Pelo caminho escuro, anomalias atrapalham a progressão pelo mapa subterrâneo. São poças de ácido e aglomerados de eletricidade que detonam a minha vida se o movimento não for preciso e parafusos precisam ser jogados para sobrecarregar a carga por alguns segundos, liberando a passagem. Procuro se há algum artefato por perto com meu aparelho radar. Nada. Soldados da ALA, que deveriam ser apenas corpos, voltaram a andar de alguma forma e atiram assim que me avistam. O sargento não estava mentindo, zumbis!
Chego finalmente na sala onde o mapa indica o local da missão. Um grito assustador ecoa pelo meu fone, a visão do personagem começa a ficar estranha. Um mutante bizarro é quem está controlando os guardas, já vejo ele se movimentar entre os zumbis ao fundo. Ele tem poderes psíquicos e cria ilusões e visões que confundem minha mira. De pele dura, o monstro também aguenta mesmo os disparos de calibre mais pesado enquanto revive mais zumbis.
Após alguns minutos lutando - e algumas mortes - finalmente venço o maldito. É preciso pegar um documento no local e voltar para o sargento da ALA que me passou a missão. Há muitos espólios no local, mas não devo conseguir carregar muito com o peso que já estou carregando. É preciso andar o caminho da volta, teletransporte não existe. Essa é apenas uma missão secundária em Stalker 2, um jogo que, apesar de falhas, é um milagre construído em meio a guerra.
Bem-vindo à Zona
No mundo fictício de Stalker uma segunda catástrofe aconteceu na usina de Chernobyl, gerando uma área em torno de Pripyat conhecida como a Zona. Neste local a radiação modificou muita coisa, gerando mutantes perigosos, anomalias com gravidade e elementos da natureza, mas também oportunidades para aventureiros e cientistas com artefatos milagrosos e poderosos.
Ou seja, todo mundo que está na Zona está por vontade própria. O Stalkers são andarilhos que buscam artefatos para vender e fazer fortuna. Há diversos cientistas e militares que tentam controlar e pesquisar o local. Há ainda uma porção de facções com suas histórias, algumas de décadas na Zona, incluindo fanatismo religioso e as mais diversas bizarrices.
Embora o nome seja Stalker 2, este na verdade já é o quarto jogo na franquia. Há ligações aqui com estes capítulos anteriores e várias referências a eventos passados em documentos e cameos de personagens, mas dá para jogar e entender tudo sem ter jogado os primeiros.
Nosso protagonista aqui é o Skif, que era um comerciante de artefatos no continente - como o pessoal da Zona chama o mundo fora da área proibida de Pripyat. Esse ucraniano perdeu a casa em uma explosão gerada por um artefato poderoso e misterioso e decidiu ir até a Zona para recarregá-lo e vender por um preço absurdo.
Infelizmente Skif é atacado por uma facção local e perde o artefato. A campanha gira em torno de descobrir quem o atacou e recuperar o que foi perdido, mas logo descamba para eventos muito mais complexos, incluindo diversas facções e uma ameaça não só à Zona como também ao restante do mundo. Tudo isso é contado com legendas em português do Brasil, o que ajuda bastante a entender e ficar imerso neste universo.
Um ponto que vale destaque é que não há nenhuma mulher no jogo. Nem um NPC, nem mesmo entre os Stalkers que andam pelo mundo. Isso também aconteceu nos jogos anteriores, mas era uma limitação de orçamento e engine. É difícil imaginar que esse seja um problema atual, ainda mais na Unreal Engine. Não consegui achar qualquer explicação na Lore também.
A história não chegou a ser um grande ponto alto para mim durante minhas horas na Zona. Embora haja cutscenes legais em alguns momentos, personagens interessantes e até algumas escolhas que impactam o mundo ao seu redor e o comportamento das facções, a trama se desenrola toda meio sem jeito, com pontas soltas e ritmo pouco agradável. As coisas sempre ou andam depressa demais ou são tão lentas que eu me perdia fazendo o que é mais legal em Stalker: explorar.
Mundo enorme
A Zona aqui é um mundo aberto repleto de regiões em torno da usina. Há pântanos, áreas de relevo mais irregulares, cavernas e muito mais para ver, especialmente quando se leva em conta construções do passado que agora são ou bases de facções ou o lar das maiores bizarrices que você conseguir imaginar.
O barato de explorar é que você nunca sabe o que vai encontrar. Avistar algo de longe e ir até lá pode render armas novas - são dezenas delas -, trajes melhores, artefatos que podem ser equipados e melhoram algum atributo, encontro com personagens diferentes e combates punitivos com monstros novos. Mesmo com mais de 40 horas de jogo, ainda me pegava encontrando coisas novas e inesperadas.
O mundo também é extremamente volátil. Há tempestades o tempo todo, que fazem um barulho intimidador no seu fone ao explorar, ou mesmo as tais Exalações, quando um fenômeno radioativo acontece vindo do centro da Zona e todo mundo precisa se esconder em locais protegidos para não morrer. Essa parte é legal porque isso vale até para os NPCs. Eles param até mesmo de combater e correm para uma casinha ou bunker mais próximo. Um dos meus maiores sustos no jogo foi justamente entrar numa casinha para me esconder e dar de cara com três membros da ALA, a facção militar do jogo, se escondendo lá também.
Embora a exploração seja legal, não significa que não seja punitiva. Stalker visa ser imersivo e por isso conta com várias mecânicas que outros jogos abrem mão. O espaço na sua mochila é bem restrito e só melhora depois de muitas horas de jogo. Andar pesado significa andar lento e não conseguir se quer pular. Não há teletransporte, você precisa ir e voltar de onde quer que vá. Poucos locais têm vendedores e, pior, técnicos, que consertam suas armas e roupas.
Armas desgastadas travam em combate e isso significa morrer, já que até mesmo carregar é um risco enorme pela lentidão. Não há árvores de habilidade que melhoram o que o Skif faz em campo, é preciso lidar com o que vier com o que você tem. Além disso, nosso protagonista fica com fome e precisa dormir, o que dificulta ainda mais o planejamento de locomoção.
O sistema de fome e sono não tem indicadores muito precisos e eu achei pobres em implementação. O de sono você meio que adivinha quando está, pela dificuldade de correr do Skif, mas isso acontece após dias e é pouco imersivo. Já o de fome vai e vem muito rápido, com um indicativo na sua barra de vida. É imediato se você tomar energéticos para correr, o que fica meio sem sentido. Acaba sendo uma parte chata que atrapalha o que é legal do que algo imersivo que prende. Dá para imaginar que MODs vão surgir para modificar muito desta parte e até adicionar mais profundidade em alguns sistemas.
Considerações
Stalker 2 foi desenvolvido pela GSC Game World em meio à guerra da Ucrânia e Rússia. Alguns de seus desenvolvedores, inclusive, tiveram que parar o desenvolvimento para lutar contra a invasão. Parte do estúdio foi movido para outro país para poder continuar o desenvolvimento. Até por isso, o jogo foi adiado inúmeras vezes.
Há problemas de bugs aqui e ali, a performance não é perfeita e muitos sistemas poderiam ser melhores trabalhados, mas o todo é bem acima da média. Os gráficos também estão um pouco aquém da primeira apresentação, quando bombas russas ainda não atrapalhavam o desenvolvimento, mas ainda conseguem criar momentos belíssimos e outros assustadores.
Levando em conta o quão é autoral, divertido e inexplicável de ter dado tão certo em um ambiente tão anti arte e criatividade, Stalker 2 deve ser celebrado apesar das suas falhas, que logo devem ser corrigidas por MODs e atualizações.
Stalker 2: Heart of Chornobyl está disponível para PC e Xbox Series X|S, podendo ser jogado também via Game Pass.
Esta análise foi feita no PC, com uma cópia do jogo gentilmente cedida pela GSC Game World.