A psicologia por trás de Silent Hill

Silent Hill é uma franquia majoritariamente do início dos anos 2000, marcada pelo que se convencionou chamar de terror psicológico

11 mai 2021 - 09h00
(atualizado em 8/9/2021 às 18h13)
A temível placa de entrada de Silent Hill.
A temível placa de entrada de Silent Hill.
Foto: Silent Wiki

Silent Hill é uma franquia relativamente esquecida pelo público geral dos jogos, sendo relegada ao nicho dos fãs de terror. Esse status não é de se surpreender, ainda mais ao considerarmos que a Konami, produtora do game, não parece muito interessada em revitalizar a franquia. É curioso pensar que, de certa forma, esse esquecimento faz parte de um dos pontos fundamentais da série: o horror psicológico.

Não vou entrar em detalhes sobre a diferenciação entre terror e horror porque, bem, isso não é um trabalho para a faculdade. O que importa, aqui, é a análise do horror suscitado pelo interior da mente - traumas, situações, eventos, fenômenos e todo tipo de acontecimento responsável por marcar nossa experiência de vida. Silent Hill capitaliza - no bom sentido da palavra - em cima desses medos, criando uma experiência espetacular.

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Desde o primeiro título da franquia, lançado em 1999, um dos conceitos fundamentais da narrativa é o da ambiguidade. Não sabemos até que ponto aquilo que os protagonistas enfrentam é real, fruto do paranormal, ou uma alucinação potencializada pelo trauma sofrido. Harry Mason, do primeiro jogo, parece enlouquecer a cada revelação; James Sunderland, do segundo, já está louco antes mesmo de chegar à Silent Hill; Heather (ou Cheryl) Mason segue os passos do pai; e assim por diante.

Todas as personagens mencionadas acima são, em maior ou menor medida, traumatizadas. E, em última instância, é essa característica que as leva até a cidade de Silent Hill, responsável por colocar essas pessoas contra seus passados. O ápice disso se dá em Silent Hill 2, que é uma obra-prima narrativa. James enfrenta símbolos do seu subconsciente a cada instante, além de encontrar personagens secundárias que lutam contra seus próprios terrores.

Cada uma dessas personagens é incapaz de vocalizar seus sofrimentos, retirando o impacto daquilo que tanto ouvimos recentemente como lugar de fala, um conceito ligado ao campo lacaniano da psicanálise. O próprio James Sunderland lida com essa problemática de não conseguir fazer frente aos seus erros, o que cria toda uma ressignificação dos inimigos encontrados ao longo da jornada de Silent Hill 2.

A repressão sexual que acomete tanto James quanto Harry após a morte de suas respectivas esposas é delineada por meio da aparição ou das enfermeiras, ou dos manequins, inimigos que representam esse sofrimento inerte aos dois protagonistas - e, claro, que remete ao pai da psicanálise, Freud. No caso de Heather, o mundo desfigurado é um pouco mais complexo de se explicar sem spoilers, considerando seu papel geral na trama; basta dizer que suas angústias são materializadas considerando o culto responsável pelos eventos do primeiro jogo.

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Protagonistas e sofrimentos

James e Maria em Silent Hill 2.
Foto: Silent Wiki

Um dos conceitos mais aceitos pela fanbase da franquia é o de que a protagonista de fato é a própria cidade de Silent Hill, única característica presente em todos os jogos. A cidade pode ser considerada uma espécie de purgatório, mas, por outro lado, pode também ser imaginada como a manifestação do nosso inconsciente, o que explicaria todo o simbolismo desenvolvido pelo time de criação, que se conecta diretamente às obras insanas do artista britânico Francis Bacon.

Retomando um pouco de Freud, é possível analisar parte da obra usando uma ideia interessante proposta pelo psicanalista: a pulsão, dividida em pulsão de morte e vida. Ainda que sejam conceitos antagônicos, os dois aspectos colaboram para equilibrar a existência dos humanos - quando um deles é desbalanceado, temos problemas da ordem psíquica. Para ilustrar isso, tomo novamente a personagem James, de Silent Hill 2.

Ao perder sua esposa para uma doença - descobrimos a real gravidade da doença e dos impactos dela na vida do homem ao longo da narrativa -, James enfrenta uma grande onda de autodestruição e culpa, que culminam na sua chegada à Silent Hill. Essa jornada autoimposta, fruto de uma carta de sua esposa recém-falecida, transforma-se numa batalha para reencontrar o equilíbrio das pulsões de vida e morte. Não à toa, um dos principais antagonistas do jogo comete suicídio assim que seu propósito é cumprido.

Enquanto isso, no primeiro jogo, Harry Mason enfrenta tanto a morte da esposa quanto o desaparecimento repentino de sua filha, quando ambos vão passar férias na cidade amaldiçoada. A névoa sombria do que deveria ser um lugar de atração turística leva o homem às portas da loucura, ainda mais quando descobrimos o que de fato está acontecendo. Mas será que esse fato, ao observarmos o game individualmente, é mesmo… um fato? Como mencionado logo no início do texto, a franquia aposta na ambiguidade e na confusão para brincar com a mente dos jogadores e faz isso muito bem - eis de onde veio o uso do termo psychological horror.

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Talvez seja justamente essa falta de clareza que faz com que nós, os jogadores, tenhamos tanto interesse nas narrativas de Silent Hill. Afinal, quantas situações já nos machucaram e que, depois de anos, ficaram embaçadas, como se um nevoeiro digno da franquia populasse nossas mentes, restando só uma centelha de dor? O purgatório melancólico materializado na forma de uma cidade pacata e esquisita pode ser, no fim do dia, uma alegoria para todos nós; um lembrete de que nossas mentes são complexas, frágeis e, acima de tudo, vivas.

Já parou para pensar em como seria a sua Silent Hill? Será que ela estaria cheia de pedaços de metal enferrujado, sangue seco e uma criatura humanoide com uma cabeça de pirâmide? Ou seria um lugar eternamente em chamas, com poucos espaços para suspiros e descanso? Delinear seu próprio purgatório pode ser doloroso, mas é de extrema importância para você conseguir enfrentar seus demônios, sejam eles quais forem.

Fonte: Showmetech, The Guardian, Bear Den Gaming
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