Uma coisa incrível que o jornalismo ainda me proporciona é conhecer e conversar com pessoas que considero importantes.
Quando digo "importante", quero dizer "notável", "pioneiro", "especial". Como também considero os meus gostos peculiares, talvez eu costume dar mais atenção a pessoas que a maioria não considera importantes. Isso é que dá trabalhar com um nicho tão específico como os games.
Durante o evento Brasil Game Show, que se encerrou no domingo, tive oportunidade de interagir com figuras importantes que realizaram grandes feitos. Um deles foi o fundador da Atari, Nolan Bushnell, um senhor bonachão de 80 anos que continua curioso em desbravar caminhos desconhecidos. Outro foi o competente Naoki Yoshida, diretor da franquia Final Fantasy, a simpatia em pessoa. E teve o Alexey Pajitnov, o renomado criador do game Tetris.
Muito antes de trabalhar escrevendo sobre o assunto, já considero Tetris meu jogo favorito, aquele que mais joguei na vida, que formou meu caráter e que menciono com orgulho quando sou perguntado sobre "o melhor de todos os tempos". Não é apenas um puzzle perfeito e viciante que (quase) todo mundo conhece, mas também um produto pioneiro que criou um gênero sozinho. E que, meio sem querer, inspirou e influenciou esse modo natural (e compulsivo) como nos relacionamos com os aparelhos portáteis. Ou você acha que a tela do celular é vertical à toa?
Em 1985, em meio à Guerra Fria que confrontava os dois lados do mundo, Pajitnov criou Tetris sem pretensões de fama e fortuna. Trabalhando nas horas vagas de seu expediente de engenheiro em Moscou, ele programou o conceito que habitava sua cabeça há anos. A ideia, de tão boa, se espalhou de forma orgânica pelos computadores do mundo. Por ser funcionário do governo soviético da época, sua criação não lhe pertencia legalmente. Isso significava que Alexey não seria remunerado pelo esforço, o qual ele mesmo considerava um prazer.
Por anos, organizações poderosas brigaram nos bastidores pelos direitos de publicação de Tetris, inclusive a então discreta japonesa Nintendo. Pajitnov se manteve resiliente em meio ao fogo cruzado, defendendo com paciência a pureza de sua criação, como se esperasse sua hora chegar. As circunstâncias das negociações foram tão bizarras que renderam cenas dignas de um filme de espionagem (o que de fato veio a acontecer em 2023 – aliás, assista, é ótimo).
Por fim, a Nintendo arrematou o quebra-cabeça digital para si, utilizando-o para alavancar as vendas do recém-lançado portátil Game Boy. A indústria dos videogames nunca mais foi a mesma, e também os jogos, de um modo geral.
E para a sorte de todos nós, a história teve um final feliz. Pajitnov eventualmente retomou o controle de sua criação e, até hoje, mais de três décadas depois, continua a bradar a bandeira de Tetris pelo mundo. Foi isso o que ele veio fazer em sua primeira visita à Brasil Game Show. E foi durante essa ocasião que tive a sorte de, enfim, conhecê-lo pessoalmente.
Meu encontro com Alexey Pajitnov foi muito melhor do que eu podia sonhar. Não apenas ele foi simpático e acessível, como se revelou um contador de histórias sem filtros, falando sobre tudo com riqueza de detalhes e orgulho sincero nas palavras. A conversa durou trinta minutos, mas rendeu como se fossem horas, dada sua disposição para relembrar detalhes de sua vida e divagar sobre o atual estado das coisas e o futuro que está por vir (em breve publicarei a entrevista).
Entre suas muitas frases de efeito nada ensaiadas, foi exatamente a última que me marcou em especial: "Do fundo do coração, eu acredito que a ideia do Tetris sempre existiu na natureza. Meu papel foi apenas descobrir e apresentar para as pessoas".
Como se isso fosse possível, meu respeito por Alexey Pajitnov e à sua criação só aumentou. Tetris continua sendo meu game preferido, mas seu criador também se confirmou como a pessoa que mais admiro no mundo dos jogos. Vou lembrar para sempre de tudo o que vivi e absorvi naquela meia hora mágica. Conhecer seus ídolos pode ser bastante recompensador.
*O texto acima faz parte da edição mais recente da newsletter semanal Extra Level, assinada por Pablo Miyazawa. Para assinar gratuitamente e não perder os assuntos mais importantes do mundo dos games e da cultura pop, clique aqui.