O brasileiro não sabe comprar carro. Embora não declarem isso de forma aberta, as montadoras consideram que “o brasileiro compra o carro para o segundo dono e não para ele próprio usar”, ou seja, não escolhe a cor desejada ou mesmo o modelo que mais precisa, mas sim qual será a reação do futuro comprador.
Isso significa que a compra é racional? Não! A compra é feita quase sempre de forma emocional, considerando o que está “na moda”, mas acaba boicotando o próprio gosto na hora de escolher o carro e até a sua cor.
Se um sedã serve às suas necessidades e a preferência do comprador é pela cor vermelha, mas o que está “na moda” é um SUV crossover (que muitos chamam de SUV de shopping center), o sedã vermelho não tem a menor chance. Mesmo que precise de um bom porta-malas, é mais provável que a escolha recaia em um SUV cinza ou prata (modelo que está "na moda" e cores mais fáceis de vender).
Isso ocorre devido à cultura inflacionária dos anos 80, quando o automóvel certo significava dinheiro rápido na mão, em caso de necessidade. Esse foi um dos motivos que fizeram o Volkswagen Gol ser campeão nacional de vendas por 27 anos consecutivos, embora em algumas ocasiões estivesse superado tecnicamente pela concorrência. Da mesma forma, SUVs com baixo vão livre do solo acabam ganhando mercado simnplesmente porque são SUVs.
O fenômeno também é notado quando alguém precisa de uma dica sobre qual carro comprar. Jornalistas automotivos costumam ser consultados sobre o melhor carro. Mas quase sempre, em conversas pessoais, a pessoa que pergunta já tem uma escolha feita – uma escolha emocional.
Isso se aplica também na hora de escolher os equipamentos. Rodas de aço, que são comuns em carros premium europeus, praticamente foram banidas do mercado brasileiro. Todos querem uma roda de liga leve para facilitar na hora da venda. Há casos em que a escolha é por roda grande e pneus de perfil baixo mesmo para quem passa sempre por pisos ruins, buracos e terra. Afinal, o carro fica mais bonito.
Recentemente, o fundador do programa Porta dos Fundos, Antonio Tabet, fez uma pergunta no Twitter aos seus 3,1 milhões de seguidores. Queria comprar um SUV, mas não queria gastar uma fortuna. Recebeu dezenas de sugestões, as mais diferentes possíveis, de carros que não tinham nenhuma similaridade. Cada um, claro, sugeriu o carro que gostava.
Ninguém perguntou a Antonio Tabet que tipo de utilização ele queria dar para o carro. Bem, quase ninguém. Eu fiz essa pergunta e ele passou a se comunicar comigo pelas mensagens diretas, além de me seguir no Twitter.
“Na verdade, gosto de carro alto porque me salvou uma vez numa enchente aqui no Rio. E preciso que seja espaçoso pq tenho dois filhos com mais de 1,80m”, disse Tabet. “E me recuso a pagar uma fortuna num carro. 150 mil já acho um absurdo.” Fiz a indicação considerando essas características.
Como fazer uma compra racional
Para fazer uma compra racional, é preciso partir das necessidades de uso. Quem quer um carro muito econômico, tem que abrir mão de alta potência. Se quiser um carro muito potente, precisa abdicar da economia. Se quiser conforto, precisa ter um carro com suspensão macia, espaço interno e pneus de perfil médio ou alto.
Se quiser um grande porta-malas, terá que renunciar aos hatches e até mesmo à maioria dos SUVs. Tudo é uma questão de escolha. A indústria automobilística faz essas escolhas quando vai produzir um novo modelo. Há casos em que o carro deixa de ter certos equipamentos (inclusive de segurança) para ser mais competitivo no mercado.
Por isso, ler boas avaliações de jornalistas especializados, assistir a vídeos feitos de forma independente e analisar alguns dados técnicos dos carros é a melhor maneira para fazer uma compra racional. Então, uma vez escolhido o modelo certo, é hora de escolher a sua marca preferida, a sua cor preferida, os equipamentos que vão deixá-lo feliz com o automóvel. A menos que se queira comprar o carro para o segundo dono.