Carros brasileiros são menos aceitos no mundo. Culpa da China?

Apavorada com a alta das importações e a queda das exportações, a Anfavea joga tudo contra a indústria chinesa – mas isso vai resolver?

5 jul 2024 - 08h46

No balanço do primeiro semestre da indústria automotiva, a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) mostrou – com números, gráficos e mapas – como os carros brasileiros são cada vez menos aceitos no mundo, por isso as exportações devem cair de 404 mil no ano passado para 320 mil veículos este ano.

Dos sete maiores destinos dos carros brasileiros, em três há perda de espaço para carros chineses (México, Chile e Uruguai), em dois a perda é para carros mexicanos (Colômbia e Argentina), em um é para carros japoneses (Peru) e em outro é para carros americanos (Paraguai). 

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Os carros chineses são os que mais preocupam as montadoras tradicionais, representadas pela Anfavea. No México, os carros brasileiros caíram de 8,9% de participação para 5,3%, enquanto os carros chineses cresceram de 27,2% para 33,1%. No Chile, os carros brasileiros oscilaram 0,2%, mas carros chineses cresceram de 20,4% para 26,5%. Veja no quadro abaixo o cenário de perda na América Latina.

Queda de aceitação dos carros brasileiros em seus maiores mercados
Queda de aceitação dos carros brasileiros em seus maiores mercados
Foto: VW / Guia do Carro

Segundo a Volkswagen, os carros brasileiros são menos competitivos no mercado global porque carregam um percentual de 44% de impostos no preço, contra 5% dos carros chineses, 7% dos carros americanos, 13% dos carros japoneses e 22% dos carros mexicanos. Veja no quadro abaixo os impostos de automóveis nos principais mercados do mundo.

Impostos praticados em cada país: os carros brasileiros são os mais tributados
Foto: VW / Guia do Carro

Ainda de acordo com os estudos da Volkswagen, se houvesse uma redução de 5% na carga tributária, o impacto nas vendas internas seria de 15%. Na projeção da Volkswagen, o volume da indústria automotiva cresceria 345 mil unidades – “o que equivale a duas fábricas”, segundo Ciro Possobom, presidente da VW do Brasil.

Ao mesmo tempo em que as exportações de carros brasileiros caem, as vendas internas crescem no Brasil. Mas o crescimento ocorre, sobretudo, por causa da importação de carros chineses, que chegam ao país com novas tecnologias, são elétricos ou híbridos e ainda por cima custam menos do que carros brasileiros a combustão.

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Por isso, a Anfavea argumenta que o crescimento das vendas internas “não é saudável”, uma vez que ele é baseado praticamente na importação de carros híbridos e elétricos fabricados na China. Então, qual é a solução para o problema? Por algum motivo, as montadoras parecem ter desistido de reduzir o custo tributário dos carros brasileiros, por isso decidiram entrar em guerra contra os carros chineses.

Além da Anfavea, a Volkswagen pediu publicamente que o acordo de aumento escalonado do imposto de importação seja jogado no lixo e que os carros chineses (não só eles, mas são eles o alvo) passem a pagar 35% “imediatamente”.

Se o governo ajudar, será a quarta vez em apenas um ano, na agora declarada guerra dos carros brasileiros (mas que, na verdade, são de empresas europeias, americanas, japonesas e coreanas) que as montadoras serão socorridas.

Há cerca de um ano houve uma isenção fiscal para carros abaixo de R$ 120 mil. Depois vieram dois aumentos de impostos programados (e haverá mais dois até Julho 2026) e logo em seguida o Programa Mover, que dá forte incentivo a carros híbridos flex, um pedido da própria Anfavea.

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Origem dos carros importados que entram no mercado brasileiro
Foto: VW / Guia do Carro

A expectativa é que os carros de origem chinesa logo sejam, também eles, “nacionais”, como os carros de origem alemã, francesa, italiana, americana, japonesa, coreana e inglesa que dominam o mercado brasileiro.

Por enquanto, só duas montadoras fabricam carros híbridos de volume no Brasil: a japonesa Toyota (Corolla e Corolla Cross) e a associação entre a brasileira Caoa e a chinesa Chery (Tiggo 5X, Tiggo 7 e Arrizo 6). Curiosamente, até na eletrificação local já existe a presença de carros chineses à frente na corrida pela descarbonização.

A culpa é da China? Barrar o crescimento dos carros chineses, por meio de impostos mais altos, vai melhorar as vendas internas? É possível, embora haja analistas que acreditem que as montadoras chinesas vão absorver grande parte dos custos extras da tarifa.

Barrar os carros chineses vai melhorar as exportações? Não. Para que isso ocorra, será necessário reduzir o chamado custo Brasil, considerando que os carros brasileiros partem de uma absurda carga tributária de 44%. Portanto, a culpa da perda de aceitação dos carros brasileiros pelo mundo não é culpa da China – e sim do próprio Brasil e/ou das próprias montadoras associadas à Anfavea.

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Linha do tempo entre as importações e as exportações
Foto: VW / Guia do Carro

Sem conseguir resolver os dois problemas, as montadoras resolveram fazer o que é mais fácil: tentar aumentar (via mais impostos do governo) os preços dos carros chineses que chegam ao país. Porém, é preciso considerar outros fatores.

Em apenas sete anos, de 2016 a 2023, as montadoras tiraram do mercado brasileiro 89 carros baratos, que tinham preços mais populares e menor oferta de conteúdo. O número consta de um estudo da Bright Consulting emitido no final do ano passado. Segundo a empresa de consultoria automotiva, o segmento de hatches de entrada caiu de 33,7% do mercado para apenas 20,4%.

“Havia 174 versões de Hatchback Low e 19 modelos com vendas em 2016”, afirma Bruno Fracasso, analista de dados da Bright Consulting, em artigo publicado na plataforma DashAuto. “Já em 2023 há 85 versões e 10 modelos apenas.” O estudo foi publicado no final do ano passado e explicava que as razões para o fenômeno eram duas: legislação mais rígida e maior interesse dos consumidores por novas tecnologias.

Evolução das vendas de carros elétricos e híbridos no Brasil desde 2012
Foto: ABVE / Guia do Carro

Tudo isso combinado tornou os carros brasileiros mais caros. Agora a situação é de duplo cerco às montadoras tradicionais. Aqui dentro, enfrentam a chegada de veículos elétricos e híbridos plug-in que nenhuma montadora produz localmente. Lá fora, sofrem porque os consumidores também estão interessados nessas novas tecnologias.

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O panorama, portanto, é de guerra comercial. De um lado, as montadoras tradicionais pedindo mais tempo para tornar os carros brasileiros mais atrativos tanto no mercado interno como no externo (principalmente isso). Do outro lado, montadoras como BYD, GWM e Volvo pedindo que as regras sejam cumpridas porque elas também estão investindo no Brasil.

A BYD e a GWM estão investindo em fábricas locais que darão o status de “nacional” a alguns carros chineses. A Volvo está investindo fortemente na infraestrutura de carregamento elétrico rápido e ultrarrápido nas estradas. No meio está o governo, que precisa defender a indústria já estabelecida no Brasil, mas não pode criar uma guerra comercial contra a China, pois tem acordos de investimentos que vão muito além do setor automotivo.

No meio de tudo isso está o consumidor. Ele já mostrou que ama marcas como Fiat, Volkswagen, Chevrolet, Toyota, Hyundai, Renault, Jeep, Nissan e Honda. Mas também já mostrou que seu amor é líquido e pode fluir para o lado de marcas novas como Caoa Chery, BYD e GWM.

"E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José?" (Drummond)

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