A Volkswagen está numa encruzilhada. Talvez seja a montadora mais preparada para enfrentar o novo mundo dos carros elétricos, conectados e “inteligentes”, mas o custo para chegar a um nível de excelência nesse ambiente a colocou numa séria crise, que pode levar a demissões e fechamento de fábricas na Alemanha.
A transição para os carros elétricos está na raiz do problema, que pode ser dividido em duas frentes: uma europeia e uma chinesa. Durante décadas, a operação da Volkswagen na China foi altamente lucrativa, assim como é atualmente no Brasil, mas em escala muito maior.
A transição para os carros elétricos, entretanto, fez muitos consumidores chineses trocarem as marcas europeias pelas marcas locais. Isso tirou grande parte do fôlego financeiro da Volkswagen. Pior: na Europa, a empresa se inchou com a contratação de milhares de funcionários de “colarinho branco”.
Essa nova leva de empregados, que fica nos escritórios desenvolvendo softwares para carros conectados e “inteligentes”, além da reprogramação da empresa para o mundo dos carros elétricos, fez a Volkswagen somar 684 mil funcionários. Para dar uma ideia, mesmo vendendo 2 milhões de carros a mais, a Toyota tem 309 mil funcionários – menos da metade.
Segundo a Agência Reuters, a Volkswagen enfrenta atualmente uma difícil negociação com os trabalhadores alemães. Eles querem 7% de aumento, mas a empresa ameça fazer um corte de 10%. Isso num mercado em que os trabalhadores da Tesla acabaram de receber um aumento de 4%.
Os trabalhadores da Volkswagen na Europa ganham 47 euros por hora, em média, enquanto a Stellantis paga 33 euros e a Renault paga 29 euros. É possível que a Volkswagen feche até três fábricas alemãs e faça uma demissão em massa de 300 mil funcionários. Mas isso provocaria certamente uma greve.
“Nossos custos de fábrica estão atualmente de 25% a 50% mais altos do que planejamos. Isso significa que as fábricas alemãs individuais são duas vezes mais caras do que a concorrência”, disse à Reuters o CEO global da Volkswagen, Thomas Schaefer. “Não somos produtivos o suficiente em nossas unidades alemãs.”
Um analista do setor confirma. “A marca Volkswagen tem sido líder de mercado na Europa todos os anos desde 2005... seus carros são competitivos. O problema não é o produto, mas os custos”, disse Stifel Daniel Schwarz à Reuters.
A agência de notícias afirma que “a Alemanha, onde a Volkswagen emprega quase 45% de sua força de trabalho, tem os maiores custos de mão de obra de qualquer indústria de automóveis de passageiros no mundo, com média de 62 euros (US$ 66) por hora em 2023, um aumento de cerca de um terço em relação a uma década atrás”.
Os custos da VW AG aumentaram porque incluem funcionários que realizam funções administrativas para todo o Grupo Volkswagen, como vendas, gestão e desenvolvimento técnico, muitas vezes comandando salários mais altos, segundo reportagem de Victoria Waldersee e Christoph Steitz na Reuters.
A crise global da Volkswagen afeta o Brasil? Sim e não. A operação brasileira é saudável e o próprio Schaeffer já disse que a VW do Brasil é uma das mais rentáveis do mundo. O problema é que isso exige que a VW da Alemanha seja em parte “financiada” pela VW do Brasil.
A consequência é que não se deve esperar dos carros dessa parte do mundo uma evolução técnica tão rápida como tiveram os modelos europeus. A ideia de um carro elétrico “nacional”, que estava sendo aventada para 2027, dificilmente será levada adiante antes do finalzinho da década; se tanto.
A opção da Volkswagen, enquanto tenta baixar os custos na Alemanha, recuperar vendas na China e se tornar mais relevante nos Estados Unidos – onde Pablo Di Si será substituído por Kjell Gruner, da startup Rivian, em dezembro – é lucrar o máximo possível no Brasil sem dar grandes saltos tecnológicos.
Daí a opção de mudanças leves na dupla T-Cross e Nivus, da permanência da picape Saveiro com padrão obsoleto e da preferência pelo sistema híbrido leve (micro-híbrido, segundo a ABVE) para iniciar a eletrificação dos carros produzidos nas fábricas brasileiras.