Nos últimos tempos a Anfavea deu sinais de aproximação com o governo Bolsonaro, revertendo uma situação que ocorria no início do atual mandato presidencial. Numa recente coletiva da Associação Brasileira dos Fabricantes de Veículos Automotores, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, ocupou o espaço virtual da Anfavea durante meia-hora para falar das realizações do governo na área ambiental, tendo ao fundo uma foto do presidente Jair Bolsonaro. Os jornalistas não puderam fazer perguntas ao ministro.
O fato gerou repercussão e análises foram feitas na mídia especializada na indústria automobilística sobre os motivos que teriam levado a Anfavea a se aproximar do governo Bolsonaro. Também chamou a atenção a forma amistosa com a qual a Anfavea tem tratado as questões econômicas, apesar de as vendas de carros estarem em níveis baixos. A Anfavea estaria “fechada com Bolsonaro”?
A hipótese levantada foi a de que a produção baixa, porém somente de automóveis mais caros, que deixam maiores lucros, teria criado uma situação confortável para as montadoras. E que seria bom continuar assim. Por outro lado, um eventual governo Lula poderia trazer de volta uma pressão do governo para que as montadoras passassem a produzir mais carros de entrada (mais baratos, porém menos lucrativos), a fim de movimentar a economia.
Na última sexta-feira, numa entrevista semi exclusiva com uma roda de jornalistas, o presidente da Anfavea, Márcio de Lima Leite, foi questionado: estaria a Anfavea fechada com Bolsonaro por receio de como seria um eventual governo Lula? Em outras épocas, a Anfavea estaria pedindo redução de impostos e dizendo que a indústria automobilística é o motor da economia, mas hoje seu discurso é low profile. Lima Leite nega e diz: “Não somos chapa branca”. Veja a seguir as respostas do presidente da Anfavea a algumas questões levantadas na entrevista.
VENDAS INTERNAS
“Na verdade acontece uma demanda maluca em cima dos executivos das montadoras para manter o nível de produção. O que a gente enfrentou nos últimos dois anos é quase um massacre para produzir. No primeiro momento tivemos uma ausência absoluta de caixa, depois a questão de semicondutores, lockdown, China, porto… Estamos tentando resolver alguns problemas para a sobrevivência. A gente não estava pensando a médio prazo, estava tentando passar aquele momento. Agora a gente começa um momento de saber com clareza o que está acontecendo e propor medidas.”
CONVERSAS COM PAULO GUEDES
“Nós estamos tendo diversas reuniões com o governo. Eu falei com o ministro Paulo Guedes [Economia] algumas vezes neste último mês, não foi apenas uma. Apresentamos essa questão de cenário de migração de vendas de veículos a prazo para veículos à vista, que isso neste momento não é um problema em função da nossa atual capacidade de produção, mas ele pode se tornar um problema. Falamos da questão da necessidade de reindustrialização do setor.”
MINISTRO NA COLETIVA
“Quando nós chamamos o ministro Joaquim Leite era o momento do decreto que havia sido divulgado, assim como nós fizemos agora. Eu estive com o ministro das Minas e Energia, trouxemos o ministro aqui porque a Anfavea é executiva, a Anfavea é técnica. O que nós queremos é ter discussões técnicas, independentemente de governo.”
CONVERSAS SOBRE LÍTIO
“Quando nós trouxemos o ministro Pedro Paulo Mesquita [Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral] à Anfavea, há algumas semanas, o que estava na pauta era o lítio. Nós temos hoje uma das maiores reservas de lítio no Brasil e não temos uma demanda muito clara porque nós ainda temos poucas unidades [de carros elétricos] sendo comercializadas. Nós nos propusemos a chamar as matrizes para sentar à mesa. Quem sabe a gente não aumenta essa demanda e começa a produzir no Brasil para exportar. Então são todas conversas 100% no sentido de reindustrializar o país.”
FECHADA COM BOLSONARO?
“Quando você está falando de dar grito, de dar tiro [postura da Anfavea em outros governos], isso acontece muito quando a gente tem uma crise de demanda, uma crise em que você fala ‘esse tiro vai resolver’. O problema do semicondutor é um problema grave, ele é muito maior. A pressão inflacionária é um problema muito maior, é commodities, é no mundo inteiro. Então, dentro daquilo que é uma agenda local, nós temos conversado, sim, muito com o governo e não somos chapa branca nesse sentido. Isso precisa ser colocado com muita clareza, mas não podemos tirar do foco nosso principal problema.”
FINANCIAMENTOS EM BAIXA
“Nosso principal problema hoje é produzir. Juros são uma preocupação gigante. Redução nos financiamentos é gigante, a gente tem colocado isso em todos os momentos. Num passado recente, você colocava dez propostas para os bancos e eles aprovavam sete, depois vieram seis e meio, seis, cinco e meio. Nós estamos aí em torno de cinco e pouquinho, quase metade de aprovação. E quando você coloca uma proposta ela volta com medidas exigindo maior percentual de entrada, menor prazo, e aí você acaba tirando esse consumidor da ponta. Então este é um cenário preocupante, sim, é um cenário que a gente tem colocado [para o governo], mas neste momento, neste momento [enfatiza], para este próximo semestre, ele não será um fator decisivo.”
DESCARBONIZAÇÃO
“Para descarbonizar nós [as montadoras] temos metas como país. Então nós não estamos preocupados apenas com a venda, nós estamos preocupados também com a frota circulante, porque nós temos metas como país. E isso é um olhar atento. E essas vendas dos velhinhos [carros acima de 12 anos, que estão em alta], esse envelhecimento da frota, acaba criando um efeito contrário, muito complexo para nós e para o nosso país. “
COMUNICAÇÃO EXTERNA
“As montadoras estão à procura do lítio. E muitas vezes lá fora elas não sabem que nós temos essa capacidade no Brasil. Não chega ao conhecimento delas. É um problema de comunicação. Então você tem a reserva no Brasil, alguém querendo investir procura o Brasil e você acaba não conectando as pontas. Como não temos demanda, não temos o fornecimento aqui, como não tem fornecimento você fica sempre nesse processo. Então surgem novos players fora do Brasil. E o que acontece? Nós vamos continuar importando essas tecnologias que em breve deixarão de ser novas.”
BAD GUY [CARA MAU]
“Nosso setor se comunica muito mal. Quem é o bad guy [cara mau] dessa história? Emissões. Nós temos que matar emissões, gás carbônico. Nós não podemos matar a combustão, porque ela não é o bad guy. O bad guy é a emissão. E nós sempre trazemos a ideia de que a combustão é ultrapassada e a eletrificação é o novo. A eletrificação existe desde que o mundo é mundo, combustão existe também. Na Europa eles estão usando o veículo a carvão! Porque quando nós falamos da eletrificação na Europa, neste momento, o que eles estão usando é carvão para gerar energia. Então nós não podemos deixar equívocos como esse contaminarem o futuro da nossa indústria. Nós temos que trabalhar no que é o bad guy, as emissões.”
FUTURO DA INDÚSTRIA
“O que nós queremos é que produza no Brasil, a competitividade tem que ser no Brasil. Esse é um setor do país que tem 500 fornecedores de autopeças, nós temos milhares de empresas nesse ecossistema. Quanto ao lítio, em termos de licenciamento ambiental, leva uns dois anos para começar a produzir no Brasil.”